Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 029: Arquivos, coleções e objetos de arte: artefatos e invenções em perspectiva etnográfica
Sala de Milagres, sala de museu: processos de circulação de ex-votos no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos (Congonhas-MG)
A cidade de Congonhas (MG) abriga o Santuário Bom Jesus de Matosinhos, construído no século XVIII e reconhecido como Patrimônio Cultural Mundial pela UNESCO. A história desse monumento está intrinsecamente relacionada à produção de ex-votos: o próprio Santuário é considerado um ex-voto, pois sua construção foi realizada como pagamento de um milagre – a cura de uma doença adquirida pela atividade mineratória durante o Ciclo do Ouro, pelo português Feliciano Mendes. E desde sua construção no período colonial até os dias atuais, o local recebe uma grande quantidade de objetos votivos, que demonstram a permanência, no tempo, dos ritos devocionais estabelecidos no local, ao mesmo tempo que atestam as mudanças dessa prática e da vida social. Por algum tempo destruídos ou abandonados nos fundos de sacristias, os ex-votos de Congonhas passaram a ser considerados, desde a década de 1980, importantes "bens culturais" e documentos históricos, ganhando relevância na preservação das comunidades e nos estudos sobre as sociedades que os produziram. A partir daí, os objetos votivos passaram por novas formas de organização, disponibilização e exibição, tomados como uma "coleção". São essas novas formas, em seus respectivos contextos, que serão analisados no presente trabalho. O primeiro processo a ser analisado é o da aquisição das 89 tábuas votivas dos séculos XVIII ao XX pelo IPHAN em 1979 para destiná-las à Sala dos Milagres de Congonhas. O segundo é a aquisição de ex-votos da colecionadora Márcia de Moura Castro em meados de 2011 para destiná-las ao Museu de Congonhas, compra realizada pelo IPHAN por intermédio da Unesco. Por um lado, os dois processos se assemelham, por serem narrados pelos agentes do patrimônio oficial como uma forma de “reconquista” e de “resgate”, compreendidos assim como meios de salvar as coisas e de devolvê-las às "comunidades". Por outro lado, os processos se distinguem, e essa distinção está relacionada ao destino de cada coleção: a primeira está em exibição em uma sala anexa ao Santuário, ao lado de inúmeros objetos votivos não tombados e em constante estado de circulação, inseridos, pois, em uma viva dinâmica de devoção; a segunda está disposta em uma sala do Museu de Congonhas, instituição criada em 2015 para funcionar como um “museu de sítio” com funções de interpretação e de salvaguarda do Santuário. Nesse trabalho, que faz parte da tese de Doutorado em andamento, pretendo analisar o caminho desses objetos, seu estado e configuração atual, e as relações estabelecidas entre eles e os diferentes agentes envolvidos, nos seus respectivos contextos e locais de produção de sentidos (casas de colecionadores, sala de um santuário, sala de um museu).