ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 098: Som, música e eventos: experimentações etnográficas
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Coordenação
Carly Barboza Machado (UFRRJ), Matheus Gonçalves França (ABA)

Resumo:
A reconhecida centralidade do olhar na tradição etnográfica, marca clássica da ideia de observação participante, tem sido continuamente desafiada por experimentações etnográficas que conferem destaque à dimensão multissensorial das pesquisas antropológicas. O objetivo deste GT é enfatizar a importância e os desafios teóricos e metodológicos dos trabalhos que tomam o som como aspecto especialmente relevante de pesquisas realizadas nos mais variados contextos etnográficos. Dentre as explorações possíveis de paisagens sonoras (todas bem vindas no GT), interessam-nos particularmente pesquisas com, sobre ou atravessadas pela música: debates sobre gêneros/estilos musicais, suas transformações e disputas; tensionamentos classificatórios em/entre campos musicais; reflexões sobre a dimensão performativa da música e sua relação com dinâmicas urbanas; análises sobre o campo da produção e do fazer musical e suas redes; articulações entre música, religião, política, emoção, território, lugar, performances; e debates metodológicos sobre estes estudos. Soma-se ainda nesta proposta um interesse específico nos debates contemporâneos sobre pesquisas etnográficas realizadas em eventos: situação antropológica usualmente abordada em trabalhos que tratam de som e música, mas nem sempre discutida com a devida atenção. Interessam-nos, também, modelos experimentais de comunicação científica, que valorizem a dimensão sonora inclusive no momento da apresentação e divulgação destes trabalhos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
“Ratos de Porão tem nada a ver com Charlie Brown Jr.”: o movimento underground de Toledo entre associações e dissociações
Aldo Francisco Valoto (UFPR)
Resumo: Este trabalho busca apresentar a cena underground de Toledo – PR, local no qual estudei junto a seus membros e produzi minha dissertação. Aqui, minha proposta é demonstrar como a cena tomou sua forma, como ela veio a ser o que era por meio dos relatos de algumas de suas membras e membros, acentuando tal formatação a partir das trajetórias de vida destas pessoas. Assim, buscou-se objetivar os processos de associações e dissociações tendo em vista os processos de identificação e comunitarização tendo a música como sua agente, o que fica explícito em minha formulação de “comunidades musicalmente motivadas”. Propus entrevistas de longa duração com as pessoas que dela participam em momentos diferentes, nas quais perguntei sobre suas experiências enquanto frequentadoras das cenas regional e nacional, enquanto organizadoras de eventos e shows, fãs, artistas; enfim, pessoas que têm sua trajetória aterrada às comunidades musicais. Junto à apresentação destas trajetórias, busco apresentar a cena underground de Toledo e o processo pelo qual passou até chegar à sua formatação atual que é o coletivo Subversa. Os coletivos são a forma pela qual a comunidade musical é objetivada pelas próprias participantes; então, considero importante sua compreensão para acionar as formas como o underground é manifesto pela e a partir da comunidade de praticantes. É importante perceber que o underground é distintivo para quem tem a sensibilidade (pensando no sensível de Bourdieu) de reconhecer o underground. Para quem veste uma camiseta dos Beatles ou do Iron Maiden no dia-a-dia poderia muito bem imaginar-se como membro da “comunidade rockeira” de Toledo. Agora, para a comunidade de praticantes do underground, usar estas camisetas são sinais diacríticos que manifestam, na realidade, a não participação; afinal, se Charlie Brown Jr. tem nada a ver com Ratos de Porão, Beatles e Iron Maiden têm menos a ver ainda.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A mimese ritual à cidade sagrada: o poder das recitações em uma confraria sufi transnacional.
Bruno Ferraz Bartel (UFPI)
Resumo: O artigo explora as dimensões das ações devocionais realizadas pela confraria senegalesa Muridiyya no município de Niterói (RJ). No que diz respeito às doutrinas do campo ritual, a maioria dos discípulos considera o valor da submissão, o amor pelo santo patrono, a leitura dos poemas religiosos (qasidas) e a oferta de dinheiro mais importantes do que a recitação diária das litanias. Além disso, durante a prática das invocações dos nomes e da presença de Allah (dhikrs), é importante destacar as relações entre os fenômenos de santidade, profecia e milagres provenientes dos santos, considerados homens protegidos e honrados por Allah. A maioria dos discípulos e portadores de narrativas orais empenham-se em comprovar a santidade dessas figuras mais proeminentes. No entanto, essas hagiografias estão sempre sujeitas a edições e remodelações, ou seja, elas não constituem uma organização homogênea com uma história linear e isenta de conflitos. Ao contrário da suposta capacidade do ritual de conectar lugares distantes por meio da atuação de imaginários transnacionais, argumento que tanto as qasidas quanto os dhikrs buscam renovar as experiências de seus participantes por meio da ação mimética com a cidade de Touba, local que abriga o mausoléu de Shaikh Ahmadou Bamba Mbacke (1853-1927). A produção de dados sobre o cotidiano religioso deste grupo sufi foi viabilizada por meio de um trabalho de campo realizado durante o Ramadã (mês sagrado para os muçulmanos) em 2023, contemplando algumas visitas aos locais de encontro do grupo em fevereiro de 2024. As experiências etnográficas tiveram como base as reuniões de discípulos da Muridiyya, organizada na associação local (dahira) e frequentada por senegaleses da etnia Wolof. As observações diretas sobre a vida ritual sufi foram complementadas com conversas informais, a fim de obter acesso ao fluxo interpretativo dos adeptos e confrontar as informações provenientes dos interlocutores com outros contextos etnográficos já desenvolvidos. O uso de equipamentos, como mesa de som, microfones e alto-falantes, juntamente com a reprodução de CDs contendo recitações ao santo patrono, criava uma paisagem devocional mimética com o local sagrado da confraria. Além disso, essas ações evocavam uma cenografia religiosa compatível com as aspirações dos envolvidos. Tais performances sonoras (recitações feitas no local e/ou gravadas), combinadas com as perspectivas exigidas pela ortodoxia local, recriavam os imaginários dos adeptos.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Os estúdios de gravação no contexto da produção musical contemporânea: experiências de pesquisa nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo
Daniel Ferreira Wainer (UFRJ)
Resumo: Este trabalho procura descrever e analisar contextualmente tipos de estúdios de gravação enquanto espaços fundamentais de objetivação e investigação fonográfica. Partimos da confluência entre experiência etnográfica do autor, literatura especializada e diferentes tipos de materiais documentais, inspirados pelos sound studies, para entender em que medida esses laboratórios de sons podem contribuir para uma compreensão dos processos musicais e sonoros em sentido amplo. O trabalho decorre de pesquisas de campo empreendidas entre as camadas médias das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, entre os anos de 2017 e 2018. Pretende-se problematizar esses ambientes tendo em vista as categorias e práticas classificatórias que circulam no meio, as quais, ora enfatizam as similaridades de cada local, ora suas diferenças. Será esboçada, a partir disso, uma tipologia que objetiva dar conta desta configuração social, considerando o tamanho de cada estúdio, suas relações sociais e meios técnicos de produção, sua inserção em diferentes mercados, entre outros fatores.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Pique Favela: DJs de baile, montagens e o sonoro na construção de territorialidades no funk carioca
Daniela Moreira de Faria de Oliveira Rosa (UFRJ)
Resumo: O funk carioca é o primeiro gênero de música eletrônica brasileiro e é continuamente criado nos bailes funks do Rio de Janeiro. Os bailes são realizados desde a década de 1970 por e para a população que habita morros e favelas da Região Metropolitana, principalmente. De forma geral, os bailes são festas de Sound System, ou seja, festas que tem o sonoro, produzido por um DJ e seu aparato técnico, e reproduzido por caixas de som empilhadas em paredões, como elemento central e condutor das relações, que se manifestam, substancialmente, pela dança. Em comunicação com outras manifestações culturais como o samba, pagode, torneios de futebol etc., os bailes constituem a subjetividade de grande parte dos moradores das comunidades que os produzem. Como empreendimentos coletivos de toda uma vizinhança, os bailes integram a economia e os modos de viver de comunidades diversas. Ainda que sob constante ameaça de aniquilação, eles resistem como acontecimentos que se tornaram tradicionais em seus territórios. Sendo assim, este artigo é parte de uma tese de doutorado em processo, que busca pela pesquisa etnográfica dar visibilidade na academia às montagens do funk carioca. As montagens são músicas assim denominadas pelo circuito do funk desde a década de 1990, que se relacionam com o Set dos DJs de baile na medida em que são produzidas pela mixagem de funks e samples de funk preexistentes. Muitas vezes subvalorizadas pelos próprios produtores de funk, as montagens funcionam como dispositivo para jovens DJs ingressarem no circuito e são fundamentais nos processos constantes e simultâneos de invenção e preservação do funk carioca - além de serem as músicas mais tocadas nos bailes. Embora ainda não tenham se constituído como objeto de estudo para o campo do funk, as montagens representam um instrumento de pesquisa privilegiado para se observar, entre outros aspectos, a construção de memória no funk carioca e a sua simultânea atualização junto às demandas de sensibilidades do presente. O objetivo é demonstrar a relevância das montagens nos processos fundamentais do gênero, contribuindo para uma compreensão mais abrangente do funk carioca na academia. Em paralelo, este trabalho procura tangenciar as maneiras pelas quais o funk carioca expressa territorialidades por aspectos não discursivos da música. Como músicas produzidas para mediar as relações do baile, as montagens, desde as Montagens de Galera, tornam audíveis não só os nomes de suas comunidades, mas também suas sensações. As colocações aqui reunidas são fruto de um trabalho de campo que se inicia em 2018 e é contínuo e indiscernível de meu cotidiano como público dos bailes e integrante de um estúdio musical de favela localizado no Complexo do Lins, Zona Norte do Rio de Janeiro.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O dia em que chorei em campo - notas etnográficas sobre afetos, samba e pentecostalismo
Felipe Gabriel de Castro Freire Oliveira (CERNe-USP)
Resumo: O pretenso comportamento analítico do trabalho antropológico pode se tornar um desafio de metodologia para quem realiza um estudo etnográfico de maneira presencial. Estar em campo requer protocolos que construam a posição do pesquisador nesse ambiente de maneira a estabelecer uma relação de confiança com as pessoas interlocutoras e que deixe evidente o objetivo do trabalho científico em execução. Contudo, estar em campo é também estar suscetível ao inesperado, ao imponderável e aos afetos criados entre as sujeitas e os sujeitos. Nesse sentido, este trabalho se propõe a pensar as implicações metodológicas e éticas de episódios em que este autor, mesmo não sendo adepto de igrejas pentecostais, chorou durante celebrações religiosas de ministérios que realizam louvores em ritmo de samba. A pesquisa de doutorado em curso se baseia na análise de práticas desse gênero musical propostas por duas instituições do campo evangélico e a investigação de como se tratam de estratégias de proselitismo, maior engajamento de integrantes convertidos (grande parte ex-integrantes de grupos de pagode ou escolas de samba) e de disputas sobre uma possível identidade brasileira evangélica. Este autor, como dito, apenas passou a ter contato com essa expressão devocional a partir do início da pesquisa de campo, que se tornou interesse de estudo devido a sua trajetória pessoal no universo do samba e do carnaval (é músico pandeirista e mestre-sala em uma agremiação do interior do Estado de São Paulo) e seu questionamento sobre as disputas identitárias no atual período de transição religiosa no Brasil. Como esse jogo de aproximações e distanciamentos, próprio das relações antropológicas de estudo, ajudam a construir a imagem do sujeito pesquisador em campo? Como lidar com afetos que podem complexificar a relação entre as pessoas em um ambiente de pesquisa? Emocionar-se em campo cria implicações de que tipo para o resultado das investigações? Como relatar esses afetos e compreender as suas causas? O impacto da música seria um sintoma de como pesquisadoras e pesquisadores estão suscetíveis ao imponderável em seus trabalhos de campo? Essas e outras questões, subsidiadas pela bibliografia especializada na relação entre sujeitas e sujeitos de pesquisa e suas implicações metodológicas, irão nortear esta reflexão.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
“Jesus Cristo é o motivo do meu samba”: A música gospel como recurso de gestão da vida cotidiana em territórios urbanos
Frederico Felipe Souza de Assis (UFRRJ)
Resumo: Nas últimas décadas, em virtude do efetivo crescimento evangélico (pentecostal) em territórios urbanos, práticas deste segmento religioso se misturaram com a vivência das periferias. Ao longo desse processo de imbricamento e tensionamentos mútuos, a “cultura gospel” passou a incorporar elementos do modo de vida das periferias urbanas e a vida nas periferias urbanas passou a absorver práticas, valores e experiências pentecostais. Ocupando, circulando e/ou disputando as ruas, evangélicos das mais distintas vertentes não somente (re)configuraram o cenário urbano, mas também se fizeram ouvir nos espaços públicos pelos quais percorreram. Pontos de pregação, louvores nos trens do subúrbio, marchas para Jesus, blocos evangelísticos e outros tantos eventos onde a música gospel possui centralidade se tornaram cada vez mais populares, nas margens e nas mídias. Desta forma, assim como o samba e o funk, a música gospel tem se consolidado como elemento integrante do cotidiano de uma parcela significativa de pessoas das periferias urbanas que, através dessa sonoridade, recorrem ao sagrado e exercem a gestão da vida ordinária. Neste trabalho, pretendo abordar analiticamente uma roda de “samba gospel”, realizada em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, no ano de 2018, a fim de compreender de que forma as interações entre o samba, música gospel e o pentecostalismo têm (re)configurado práticas sociais nas regiões metropolitanas fluminenses. Este evento traz como protagonista um pastor e cantor de samba gospel, cuja trajetória nos estimula a (re)pensar constantemente a relação entre religião, política e cultura nas periferias urbanas. O cantor a que me refiro é Waguinho, um pagodeiro que até o final dos anos 1990 integrou o grupo ‘‘Os Morenos’’ e se converteu à religião evangélica no início dos anos 2000, mantendo vínculos afetivos e culturais produzidos nas rodas e redes de sociabilidades. A prática do pagode combinada com a vivência pentecostal gera tensões recíprocas. A infiltração mútua que ocorre entre essas experiências forja um produto musical cuja estética é híbrida e esta característica confere ao samba gospel condições de circulação, alcance e/ou criação de um público para além das fronteiras (religiosas e seculares) estabelecidas. Considero que se faz relevante acirrarmos os debates sobre como e o quanto a íntima relação entre a religião pentecostal e os territórios urbanos tem gerado atualmente tensionamentos de fronteiras, formas de mediação e fluxos culturais. Em tempos extremos, a música gospel ocupou os streamings, transmitindo alento, produzindo esperança, não como um mero acessório de entretenimento e fuga da realidade, mas sim como um poderoso recurso para encará-la, (re)mediando dores e conflitos, para celebrar a vida.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
As Rainhas Makuas: dançar e cantar tufo pela ótica da educação e corporeidade
Jaqueline de Oliveira e Silva (UFMG)
Resumo: Esta apresentação tem como objetivo abordar as estratégias pelas quais os aconselhamentos cantados, chamados em idioma makua de ikanos, estão presentes no cotidiano das Rainhas de Tufo, figura central desta prática performativa, predominantemente feminina, disseminada na região norte de Moçambique, no continente africano. A dança tufo faz parte de uma ética de reciprocidade que envolve o dançar-cantar, quem assiste à dança e quem a proporciona, na qual a dinâmica de convidar, receber e aconselhar é extremamente importante. O dinamismo ideal do tufo, enunciado muitas vezes pela expressão a dança que anima corresponde a boa interação das partes que compõem o todo: as habilidades corporais das dançarinas, as letras das canções elaboradas de acordo com a ocasião que foram convidadas, a interação entre a Rainha, as dançarinas e os músicos (chamados em lingua local de anatomboros ou musiqueiros), as capulanas, tecidos escolhidas para o evento serem boas e bonitas, os tambores (ikanos) estarem bem apertados e a interação com o público presente. A sociabilidade dos corpos humanos e não humanos que se conectam numa performance que tem como fim animar, receber e aconselhar é o que define um bom tufo. Os conselhos, imbricados nas canções e na dança, também norteiam a sociabilidade de uma associação, prática protagonizada pelas Rainhas, que possui estreita relação com ideia de educação dos sujeitos presentes dos ritos de iniciação, tanto femininos quanto masculinos, nos quais as Rainhas, em seu dialogo dançado com os tambores (ikoma) possuem um papel central na manutenção desta prática.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
De gênero musical excluído a patrimônio imaterial da cidade: tensionamentos e disputas no Movimento Brega
João Victor Souza de Azevedo (UFPE)
Resumo: O Movimento Brega, expressividade da cultura recifense em Pernambuco, é reconhecido por meio da sua ligação com a música brega. A movimentação musical promovida desde a década de 60, primeiramente pelo cantor Reginaldo Rossi, vem se modificando musicalmente ao passar dos anos e criando tensões importantes. Os fazedores deste gênero, os quais ocupam funções diversas, realizam o movimento na busca por direitos, ou seja, apesar de estar vinculado à música, atualmente o Movimento Brega está em plena articulação política. Contudo, a forma como este movimento vem se organizando perpassa por questões mais profundas do que a própria complexidade musical, mas atravessa temas como expulsões urbanas, periferização, raça, classe, gênero e sexualidade, aspectos de violência, entre outros assuntos que revelam o cotidiano das grandes cidades brasileiras (SOARES, 2017; AZEVEDO, 2022). Porém, é preciso entender em que nível da esfera institucional o Movimento Brega está inserido, para realizar um debate em torno do que se promove na cultura do Recife a partir de políticas públicas. A pesquisa, portanto, cumpre uma agenda interessada em debater as potências do Movimento Brega e sua intensa participação em festas públicas da cidade após sua patrimonialização. Ao compreender as questões acima relatadas, a pesquisa se desenvolveu metodologicamente por meio de análises em eventos públicos, como o Festival Novembro Brega, ocorrido no mês dedicado ao Movimento em Recife, e o carnaval de 2023 e 2024. Percebe-se, a partir dessas análises, o nível do envolvimento da cidade com esse bem patrimonializado, da validação enquanto uma expressão cultural da cidade, como a considerar um patrimônio incômodo e sem sentido. É possível afirmar que o Movimento Brega é resultado de uma contínua disputa pela cidade, a partir da música produzida e por todos significados que carrega. O fortalecimento de uma cultura periférica em Recife, deve ao Movimento Brega uma página de destaque pela sua contribuição frente a um sistema político que ainda insiste em menosprezar produções advindas das margens urbanas.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
“Não é uma roda, é um quadrado”: percepções de músicos e público acerca de uma roda de choro na zona sul do Rio de Janeiro
José Renato de Carvalho Baptista (INES)
Resumo: Afirma-se que o choro não é um “gênero musical” mas, sobretudo, uma forma particular de fazer música, dotada de uma linguagem e de regras muito rígidas. Estas regras definem o pertencimento dos músicos a linhagens musicais muito bem determinadas, que se ligam ao uso de certos instrumentos e padrões estéticos, mas principalmente de uma “tradição” que caracteriza o choro. A “roda de choro” é o lugar onde o músico verdadeiramente “aprende a tocar”, e onde ao mesmo tempo ele se põe à prova, para demonstrar sua competência e seu pertencimento a estas linhagens e à “tradição”. A partir de uma etnografia sobre um espaço da cidade do Rio de Janeiro onde um grupo de músicos se reúne semanalmente para fazer choro, proponho analisar as diversas percepções de músicos do próprio grupo, mas principalmente de fora dele que afirmam não se tratar de “uma autêntica roda de choro”, por não atender aos rígidos padrões que caracterizam o estilo. “Não é uma roda, é um quadrado”, afirmou um músico, condenando o entendimento dos membros da roda sobre a verdadeira “tradição do choro”. Entretenimento para o público em geral, que se deleita com as diferentes formações que ali se apresentam, o evento se mantém há mais de uma década “fazendo choro” e animando a feira livre que ali ocorre.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O que o rio me falou – As músicas de Cleide do Arapemã no Baixo Amazonas
Liendria Marla Malcher Silva (Universidade de São Paulo)
Resumo: Neste trabalho, proponho uma reflexão sobre a trajetória de vida e produções da cantora e compositora quilombola Cleide do Arapemã, através da produção de uma etnografia audiovisual. Suas canções versam sobre memórias, pertencimento e experiências de ser quilombola na confluência da territorialidade ribeirinha nas margens do rio Amazonas e das epistemes negras, assim, produz um musicar local próprio, fazendo de suas performances afrografias, que, tal como define Leda Martins, são formas de inscrições de saberes ancestrais, bem como, espaço estético e pedagógico no compartilhamento do conhecimento incorporado quilombola. Cleide é uma mulher negra, de 61 anos de idade, natural da comunidade remanescente de quilombos de Arapemã, localizada na área de várzea da cidade de Santarém, Pará. Foi presidente da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS), co-fundadora do grupo Na Raça e Na Cor, atuando em frentes e projetos de proteção da mulher quilombola. Cleide compõem desde a juventude, registrando seu cotidiano ribeirinho e seu entendimento sobre seu território, porém, somente em 2017 teve a oportunidade de gravar um CD em parceria com a Terra de Direitos, onde constam músicas como Beira de rio, Negra Nagô, Roda Pião e Igarapé, combinando estilos como carimbó, brega, seresta e lundu. Para compreender a musicalidade de Cleide, tomo como referência o conceito de musicar – em inglês Musicking – de Cristopher Small (1998), conferindo sentidos performático, participativo e contextual às práticas musicais. Entende-se também que ela produz uma performance da oralidade e do corpo, conceituadas como afrografias por Leda Martins (1997), motivando junto de sua comunidade lugares de inscrições de memórias, saberes e experiências, um importante espaço pedagógico, de encontro, lazer e compartilhamentos estéticos. Nesse sentido, a memória não é apenas a rememoração de um passado que marca a trajetória de determinado grupo social, mas é reelaborada constantemente a partir da prática coletiva ativa no presente e reflexiva de um futuro compartilhado. Cantar e dançar é refazer o mundo de seus antepassados, praticando o mundo vivido do presente e construindo um mundo por vir. Nesse sentido, a produção musical de Cleide traz uma riqueza estética, memorial, social, histórica e antropológica que aborda não só as territorialidades amazônicas, mas também a resistência, luta e vivência da população negra no Brasil. Este trabalho é parte da pesquisa que desenvolvo no doutorado, que tem como tema as musicalidades quilombolas no baixo Amazonas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Formulações etnográficas - vadiando com conceitos
Lucas Barbosa Lima (Associação)
Resumo: O trabalho intitulado Formulações etnográficas - vadiando com conceitos é fruto da pesquisa minha desempenhada no doutorado, onde discuto musicalidade, corporeidade e identidade nas rodas de Capoeira Angola. O presente trabalho é uma etnografia que envolve uma imersão no campo que venho há alguns anos coletando dados de pesquisa por meio da observação participante, anotações e gravações de audio visual da realização das rodas de Capoeira Angola. O presente trabalho busca apresentar um conceito de pesquisa chave para a realização da minha tese de doutorado, nomeada de vadiação etnográfica. Vadiação etnográfica é o conceito que surge com o objetivo de evidenciar os múltiplos lugares que por muitas vezes o pesquisador tem que se flexibilizar para dar conta da sua pesquisa, em outras palavras é a circunstância social de viver a experiência por completo (cantar, tocar, jogar, ouvir, afinar instrumentos, receber convidados, etc) ao mesmo tempo produzir a ciência com seu rigor científico de coleta de dados e armazenamentos (anotações em campo, gravações, entrevistas, etc). Vadiar na Capoeira Angola é um termo que remete á prática do jogo, onde as expertise dos seus praticantes entram na roda para bater sem pegar, derrubar sem tocar, falar sem dizer. Na roda de Capoeira Angola a vadiação é de lei, mas a lei não é o Código Penal de 1890 na primeira República e muito menos o artigo 59 do decreto lei de 3.688 de 1941 que reforçou a criminalização de pessoas negras que estivessem reunidas. A vadiação é fundamento da prática da Angola, que por sua vez é envolvida por uma atmosfera musical que estimula os seus praticantes durante toda sua prática. Compreendo que existe um processo de receptação dos sons aos corpos através de um processo de estimulação de vibrações nervosas, afetadas por ecos sonoros propagados (LANGER, 2006). Assim acontece nos cantos e instrumentos da Capoeira Angola, que atingem diretamente os corpos daqueles que integram e buscam entender o significado daquela prática cultural. Os corpos se movem a partir das provocações tonais e rítmicas, recebendo estímulos vibracionais, interpretados consciente ou inconscientemente. GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 1ed- São Paulo: Atlas, 1987 GILROY, P. O Atlântico Negro. São Paulo: Editora 34, 2001. LANGER, Susanne K. Sentimento e forma: uma teoría da arte desenvolvida a partir da filosofia em nova chave. Trad.: Ana M. Goldberger Coelho e J. Guinsburg. São Paulo: 2006

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O musicar local dos festivais de viola e sertanejo raiz
Luiz Fernando Dias Prado (Universidade de São Paulo)
Resumo: Este trabalho apresenta o desenvolvimento de uma pesquisa em andamento sobre a produção da localidade a partir do musicar de festivais de viola e música sertaneja raiz. Procura-se entender como as práticas de músicos, organizadores e jurados, que atuam para a produção dos festivais, contribuem na construção de uma localidade na qual a música assume papel central como elemento de identidade. Para tanto, parte-se do conceito de musicar local para se fazer uma análise de festivais realizados nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo. Em comum, estes eventos apresentam a ênfase em um repertório musical identificado como caipira ou sertanejo raiz, apresentações ao vivo de duplas de viola e violão e canto em terças, que disputam troféus e prêmios em dinheiro e a presença de um corpo de jurados para avaliá-las. Ao mesmo tempo, também enfatizam discursos sobre valorização e resgate de "raízes" e "nossa cultura". A hipótese é que o musicar dos festivais produz uma localidade que não se circunscreve apenas no espaço geográfico, mas também no tempo, reavaliando as noções de pertencimento ao ambiente rural em face das transformações mais amplas da sociedade brasileira.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
K-Pop vs. Funk: estilos musicais e feminilidades em jogo em um bairro popular na cidade de Campinas
Maria Fernanda Corrêa Frazão (UNICAMP)
Resumo: Os estilos musicais e as diferentes noções de feminilidade se encontram em circulação nos espaços urbanos especialmente através das dinâmicas de relações entre os jovens. Dentre esses espaços, a escola aparece como uma das principais instituições onde os jovens experimentam a socialização entre pares e estabelecem afinidades e desafinidades de acordo com suas características e visão de mundo. A pesquisa de mestrado que sustenta este trabalho vem sendo desenvolvida desde 2021 e, através da abordagem qualitativa e etnográfica, tem como objetivo analisar os diferentes estilos de feminilidade entre garotas adolescentes em um bairro de classe popular da cidade de Campinas, São Paulo, e a relação que elas estabelecem com a escola. Partindo das reflexões de Pierre Bourdieu (2003, 2007), busquei apreender o sistema de valorização de diferentes práticas e estilos dentre as meninas adolescentes, identificando aqueles mais aceitos socialmente e buscando compreender o entrelaçamento desses aspectos na formação de grupos de amizade, na relação com os estudos e com o cotidiano escolar. Nesse sentido, o objetivo da pesquisa é identificar as características tidas como mais marcantes e a moralidade vigente no território, que orienta tanto a relação das meninas entre si quanto a relação que as mesmas estabelecem com a escola e os estudos. A preferência por certos estilos musicais em detrimento de outros apareceu como um tópico de destaque na construção da identidade das meninas e também na formação de grupos de amizade distintos, com destaque para a diferenciação entre o Pop Internacional (especialmente o K-Pop) e o Funk. Nesse contexto, a preferência por um desses estilos mostrou se relacionar intrinsecamente a outras características marcantes na distinção de diferentes grupos de amizade e estilos de feminilidade, como por exemplo os modos de viver a sexualidade, de se portar na escola e de se vestir. Nesta comunicação irei descrever a relação entre os estilos de feminilidade identificados e a preferência por certos estilos musicais, apresentando também as principais características e as diferenças mais marcantes na distinção entre os grupos, articulando a discussão com outras categorias que se mostraram pertinentes para análise, especialmente raça, classe e religião.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A descoberta do som: uma análise sobre a diferença sonora no evento da 22a Expo Itaguaí
Pamela da Silva dos Santos (PPGCS)
Resumo: Essa comunicação é resultado de uma pesquisa que foi feita em movimento, seguindo pessoas que se organizam na cidade de Itaguaí (Baixada Fluminense do Rio de Janeiro), criando espaços de diálogo de construção artística e política. O foco deste trabalho está no acompanhamento dos processos de organização de eventos culturais e sua relação com as políticas públicas urbanas. Para isso, acompanhei dois eventos: um organizado pela classe artística, chamado Primeira Conferência Popular de Cultura”, e outro organizado pela gestão municipal, chamado 22 Expo Itaguaí”. Para esta comunicação pretendo me debruçar sobre a dimensão sonora deste último evento, a 22 Expo Itaguaí”. Como discute Chaves (2000, p.14), a metodologia desta pesquisa foi se desenvolvendo enquanto a pesquisa de campo também ocorria. Em diálogo com as reflexões propostas por Chaves (2000), experimentei uma abordagem etnográfica que se realiza na trilha dos eventos e das palavras feitas ações, moldadas pelo objeto de pesquisa. Abordagens antropológicas sobre eventos, com foco nas ações sociais, têm por referência diversos autores clássicos, dentre os quais destaco Gluckman (1987) e seu debate sobre a ideia de situação social. O conceito de situação social nos ajuda a compreender e observar os atores em ação. Essa metodologia permite analisar também as estruturas de relações, ou sistemas de relações, imbricadas nesta dinâmica. Ao longo da imersão etnográfica no evento da Expo, que é a combinação de uma feira agropecuária com um festival de música, destaca-se a paisagem sonora do campo. Embora num primeiro momento parecesse desarmônica, ela tinha uma lógica em si mesma que me despertou para um olhar mais curioso sobre estes sons e como, a partir destes, fazia-se possível analisar a gestão desigual das atrações artísticas no evento. Era marcante a diferença entre os equipamentos utilizados nos diversos espaços, contrastando-se os recursos utilizados na Arena Cultural, destinada aos artistas locais, daqueles que apoiavam o Palco Laiá, que recebia os artistas de ampla circulação nacional. Esta comunicação pretende se debruçar sobre a diferença sonora produzida nestes dois espaços situados num mesmo evento, a fim de pensar a gestão de recursos de políticas culturais locais, em nível municipal.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Interseccionalidades através do pagodão: uma proposta de abordagem sobre metodologias ativas dentro da educação básica
Ronald Miguel Souza da Silva (UFRB)
Resumo: A proposta de trabalho apresentada nesse espaço de debate, refere-se ao projeto de intervenção utilizado no componente de estágio obrigatório, do curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. O trabalho foi inspirado na trajetória do coletivo Brincadeira de Negão, que se debruçou a estudar sobre as subjetividades e masculinidades racializadas, categorias e estruturas de sentimento que articulam, de modo problemático e contraditório, os sujeitos com às estruturas do Estado e do mercado, sobretudo as influências que perpassam e atravessam o pagodão baiano. O objetivo desse trabalho é estudar os assuntos interseccionais através da ótica do pagodão moderno, e da maneira em que ele pode se apresentar, seja pelo viés da opressão ou pelo viés da representatividade e empoderamento feminino, e posteriormente de qual maneira o estudo sobre o pagodão contribui para o entendimento das subjetividades dos alunos, e consegue abrir o debate sobre temas importantes e pertinentes para as Ciências Sociais em sua contemporaneidade.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Da Central do Brasil à Grande Leopoldina: o Trem do Choro e suas dinâmicas
Sandra Maria Corrêa de Sá Carneiro (UERJ)
Resumo: Tendo por foco o Trem do choro, um evento anual celebrado desde 2013, na cidade do Rio de Janeiro, procuro discutir neste trabalho como o choro tem sido um elemento de mobilização de grupos sociais, através de intervenções nos espaços públicos, acionando novas modalidades de práticas e representações, constituindo-se em uma agência importante em termos de processos de identificação socioculturais. O choro não é apenas um gênero musical, mas também uma prática cultural complexa (presente em várias regiões do Brasil), tendo um caráter plural relacionado às diferenças estéticas associadas aos diferentes contextos onde ocorre e com distintos significados atribuídos pelas comunidades de chorões (denominação dada a seus músicos) nos diferentes territórios onde é produzido. Neste sentido, procuro mostrar como o Trem do choro pode ser um elemento capaz de redimensionar os sentidos de pertencimento, de tradição, de sociabilidade, de tensões e de reivindicações por reconhecimento no contexto dos subúrbios cariocas. Assim, através desse estudo de caso pretendo também analisar as possíveis articulações entre música, território, lugar e construção de identidades.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Atuações político-artísticas do movimento brega em meio à pandemia
Tarsila Chiara Albino da Silva Santana (UFSC)
Resumo: Nesta exposição, gostaria de discutir a complexidade das respostas dadas pelo movimento brega à emergência da pandemia em Recife, o que envolve várias experiências individuais e compartilhadas que são politicamente combinadas. As maneiras como o movimento tem lidado com esse evento crítico assinala como a música não pode ser isolada dos processos sociais que constituem as vidas dos sujeitos. Pois, por meio da música, os sujeitos dão significado à pandemia. Nesse sentido, verifica-se uma estreita relação entre o movimento e as ações públicas voltadas para intensificar as medidas de contenção da pandemia. Como exemplo dessas respostas, eu descrevo o uso do Mc gotinha do brega-funk, que performatiza e imuniza o passinho da esperança”, por parte da Prefeitura do Recife, bem como de outras prefeituras da Região Metropolitana, nas campanhas de vacinação; e o brega de protesto/social, que se utiliza do passinho e da politização para conscientizar as pessoas da comunidade sobre a crise sanitária. A participação da cantora Michelle Melo no carro da vacina em dezembro de 2021 e da cantora Brunessa Franca da Banda Sedutora, no caldinho da vacina, também são descritas. Ao realizar a descrição dessas ações, volto meu olhar para a música desde uma perspectiva que não foca exclusivamente os seus sons. Ao mesmo tempo, esse olhar também considera a ação das pessoas. Dessa maneira, com base em uma descrição centrada nas narrativas dos sujeitos que fazem parte do movimento brega, meu foco será marcar a relação entre música, saúde e política no interior do movimento brega no contexto da pandemia de Covid-19.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Os sons do bailão: sobre o universo acústico de festas populares em Pelotas (RS)
Wagner dos Santos Sicca (IFSul)
Resumo: As luzes, os cheiros, os sabores, o calor... Muitos são os estímulos aos sentidos em um estabelecimento como o bailão, tipo de casa noturna existente no Rio Grande do Sul e cujas ocorrências em Pelotas, cidade da região sul desse estado, são de interesse da pesquisa em andamento que embasa a presente apresentação. O caráter essencialmente musical dessa festividade, no entanto, dá à dimensão sonora da experiência um papel de destaque, afinal não há bailão sem música. Dessa forma, considero imprescindível para a apreensão desse tipo de lugar a investigação dos sons que o compõem. Partindo da ideia de paisagem sonora desenvolvida por R. Murray Schafer (2001) e considerando as críticas a esse conceito tecidas por Tim Ingold (2015), busco nessa apresentação discorrer sobre os sons do bailão, dando ênfase ao aspecto acústico do lugar sem perder de vista a multiplicidade de elementos que fazem desse ambiente o que ele é.