ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 098: Som, música e eventos: experimentações etnográficas
“Jesus Cristo é o motivo do meu samba”: A música gospel como recurso de gestão da vida cotidiana em territórios urbanos
Nas últimas décadas, em virtude do efetivo crescimento evangélico (pentecostal) em territórios urbanos, práticas deste segmento religioso se misturaram com a vivência das periferias. Ao longo desse processo de imbricamento e tensionamentos mútuos, a “cultura gospel” passou a incorporar elementos do modo de vida das periferias urbanas e a vida nas periferias urbanas passou a absorver práticas, valores e experiências pentecostais. Ocupando, circulando e/ou disputando as ruas, evangélicos das mais distintas vertentes não somente (re)configuraram o cenário urbano, mas também se fizeram ouvir nos espaços públicos pelos quais percorreram. Pontos de pregação, louvores nos trens do subúrbio, marchas para Jesus, blocos evangelísticos e outros tantos eventos onde a música gospel possui centralidade se tornaram cada vez mais populares, nas margens e nas mídias. Desta forma, assim como o samba e o funk, a música gospel tem se consolidado como elemento integrante do cotidiano de uma parcela significativa de pessoas das periferias urbanas que, através dessa sonoridade, recorrem ao sagrado e exercem a gestão da vida ordinária. Neste trabalho, pretendo abordar analiticamente uma roda de “samba gospel”, realizada em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, no ano de 2018, a fim de compreender de que forma as interações entre o samba, música gospel e o pentecostalismo têm (re)configurado práticas sociais nas regiões metropolitanas fluminenses. Este evento traz como protagonista um pastor e cantor de samba gospel, cuja trajetória nos estimula a (re)pensar constantemente a relação entre religião, política e cultura nas periferias urbanas. O cantor a que me refiro é Waguinho, um pagodeiro que até o final dos anos 1990 integrou o grupo ‘‘Os Morenos’’ e se converteu à religião evangélica no início dos anos 2000, mantendo vínculos afetivos e culturais produzidos nas rodas e redes de sociabilidades. A prática do pagode combinada com a vivência pentecostal gera tensões recíprocas. A infiltração mútua que ocorre entre essas experiências forja um produto musical cuja estética é híbrida e esta característica confere ao samba gospel condições de circulação, alcance e/ou criação de um público para além das fronteiras (religiosas e seculares) estabelecidas. Considero que se faz relevante acirrarmos os debates sobre como e o quanto a íntima relação entre a religião pentecostal e os territórios urbanos tem gerado atualmente tensionamentos de fronteiras, formas de mediação e fluxos culturais. Em tempos extremos, a música gospel ocupou os streamings, transmitindo alento, produzindo esperança, não como um mero acessório de entretenimento e fuga da realidade, mas sim como um poderoso recurso para encará-la, (re)mediando dores e conflitos, para celebrar a vida.