ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 098: Som, música e eventos: experimentações etnográficas
O que o rio me falou - As músicas de Cleide do Arapemã no Baixo Amazonas
Liendria Marla Malcher Silva (Universidade de São Paulo)
Neste trabalho, proponho uma reflexão sobre a trajetória de vida e produções da cantora e compositora quilombola Cleide do Arapemã, através da produção de uma etnografia audiovisual. Suas canções versam sobre memórias, pertencimento e experiências de ser quilombola na confluência da territorialidade ribeirinha nas margens do rio Amazonas e das epistemes negras, assim, produz um musicar local próprio, fazendo de suas performances afrografias, que, tal como define Leda Martins, são formas de inscrições de saberes ancestrais, bem como, espaço estético e pedagógico no compartilhamento do conhecimento incorporado quilombola. Cleide é uma mulher negra, de 61 anos de idade, natural da comunidade remanescente de quilombos de Arapemã, localizada na área de várzea da cidade de Santarém, Pará. Foi presidente da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS), co-fundadora do grupo Na Raça e Na Cor, atuando em frentes e projetos de proteção da mulher quilombola. Cleide compõem desde a juventude, registrando seu cotidiano ribeirinho e seu entendimento sobre seu território, porém, somente em 2017 teve a oportunidade de gravar um CD em parceria com a Terra de Direitos, onde constam músicas como Beira de rio, Negra Nagô, Roda Pião e Igarapé, combinando estilos como carimbó, brega, seresta e lundu. Para compreender a musicalidade de Cleide, tomo como referência o conceito de musicar - em inglês Musicking - de Cristopher Small (1998), conferindo sentidos performático, participativo e contextual às práticas musicais. Entende-se também que ela produz uma performance da oralidade e do corpo, conceituadas como afrografias por Leda Martins (1997), motivando junto de sua comunidade lugares de inscrições de memórias, saberes e experiências, um importante espaço pedagógico, de encontro, lazer e compartilhamentos estéticos. Nesse sentido, a memória não é apenas a rememoração de um passado que marca a trajetória de determinado grupo social, mas é reelaborada constantemente a partir da prática coletiva ativa no presente e reflexiva de um futuro compartilhado. Cantar e dançar é refazer o mundo de seus antepassados, praticando o mundo vivido do presente e construindo um mundo por vir. Nesse sentido, a produção musical de Cleide traz uma riqueza estética, memorial, social, histórica e antropológica que aborda não só as territorialidades amazônicas, mas também a resistência, luta e vivência da população negra no Brasil. Este trabalho é parte da pesquisa que desenvolvo no doutorado, que tem como tema as musicalidades quilombolas no baixo Amazonas.