Grupos de Trabalho (GT)
GT 017: Antropologia dos Resíduos
Coordenação
Viviane Kraieski de Assunção (UNESC), Simone Lira da Silva (UNILA)
Resumo:
Os resíduos, comumente denominados “lixo”, têm sido foco de interesse crescente de diferentes áreas de conhecimento, incluindo a Antropologia. Os diversos sentidos e formas de tratamento que os resíduos assumem ao longo da história desvelam sua dimensão sociocultural. Se em determinados tempos e espaços foram compostos por elementos exclusivamente orgânicos, nas sociedades contemporâneas apresentam composições variadas, associadas aos diferentes modos de vida que inter-relacionam humanos e não-humanos e suas práticas de produção e consumo. Vistos atualmente como um problema ambiental capaz de comprometer a vida do planeta, os resíduos mobilizam diferentes agentes em disputas e negociações em torno de seus sentidos e destinação, permeados, por vezes, por relações desiguais de poder e regimes de (in)visibilidade. Considerando as potencialidades dos resíduos como objeto de pesquisa antropológica, este GT convida pesquisadores(as) a submeterem trabalhos que contemplem diferentes questões, tais como: o trabalho de catadores(as), tanto informais quanto organizados em associações, a formação de identidades coletivas mobilizadas em torno deste trabalho, os processos de ressignificação dos resíduos, as políticas públicas e projetos de gerenciamento e gestão, novas tecnologias, práticas de reutilização e reciclagem, os conflitos entre diferentes agentes envolvidos na produção e destinação dos resíduos, as interfaces entre resíduos e configuração do espaço urbano, entre outras.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Alexandro Cardoso (UFRGS), Cristiano Benites Oliveira (IFRS), Mario Ricardo Guadagnin (Pesquisador)
Resumo: As/os catadoras/es são fundamentais para a reciclagem. Realizam 90% do trabalho envolvido na cadeia produtiva da reciclagem, entretanto ficam com apenas 10% das riquezas geradas (MNCR, 2014; IPEA, 2013). No Brasil, priorizados pela Política Nacional de Saneamento Básico (PNSB, 2007) e pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS, 2010), cooperativas e associações de catadoras/es têm sido contratadas pelos municípios para prestação de serviços. Entretanto, há significativas diferenças, que vão desde obrigações e sanções impostas, até o pagamento ou o não-pagamento pela prestação de serviços. Neste trabalho analisaremos dois casos de contratação com organizações de catadoras/es em duas cidades, Cruz Alta e Porto Alegre, ambas no Estado do Rio Grande do Sul. Para isso, serão utilizados os aportes dos estudos em antropologia dos resíduos na perspectiva intersubjetiva pós-humanista, que focam nos temas de descarte e desperdício do trabalho das/os trabalhadoras/es, cujas identidades estão fortemente ligadas aos resíduos (Millar, 2018). O desperdício desta categoria de trabalhadoras/es, por meio de processos de inclusão perversa que os/as mantêm sujeitos à precarização de suas vidas e de sua atividade produtiva, influencia nos encontros mais gerais com materiais descartados que acontecem quando separamos os resíduos recicláveis (Hawkins, 2006, 2018), ou nos encontramos inesperadamente com emaranhados de resíduos nas ruas e avenidas. Isso é demonstrado em trabalhos etnográficos realizados em distintos centros urbanos: São Paulo (Rosaldo, 2016, 2022, 2024), Rio de Janeiro (Millar, 2018) e Porto Alegre (Cardoso, 2022), em que a educação ambiental, a coleta seletiva, a triagem e destinação adequada contribuem para a transformação dos resíduos em materiais recicláveis. Pois, a catação e reciclagem não são apenas um trabalho, mas uma “forma de vida”, uma forma de ressignificar os resíduos, que é muito mais amplo do que uma forma simples de sobrevivência e geração trabalho e renda (Dias, 2016), mas uma prática ligada intimamente às mudanças climáticas, aos objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS), a outra forma de fazer economia inclusiva, solidária e uma forma concreta de inclusão de trabalhadoras/es excluídos socioeconomicamente, garantindo-lhes, para além da sobrevivência, a dignidade enquanto trabalhadoras/es. A metodologia, de caráter qualitativo, será realizada através de uma interpretação comparativa entre os contratos de prestação de serviços manejo de resíduos executados por cooperativas populares de reciclagem em Porto Alegre e Cruz Alta, por meio de análise documental e da modalidade de “pesquisador que vem de dentro (Cardoso, 2022).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ana Paula da Costa Assunção (PREFEITURA DE BELO HORIZONTE), Juliana Teixeira Gonçalves (UFMG)
Resumo: Belo Horizonte é uma cidade conhecida historicamente pela trajetória de inclusão de catadores na política pública de gestão de resíduos e inclusão social de grupos organizados em cooperativas e associações de catadores (Jacobi & Teixeira, 1997; Dias, 2002). Diante da falta de políticas públicas e sistemas que possam incluir os catadores que não fazem parte de grupos organizados e se situam em uma zona de conflito constante. Este artigo tem como objetivo discutir os conflitos urbanos existentes no contexto da coleta de reciclagem nas ruas por catadores autônomos e apontar aspectos relacionados ao racismo ambiental vivenciado por esses trabalhadores. A atuação dos catadores de materiais recicláveis tem a rua como principal espaço de trabalho, tanto para aqueles que trabalham de forma independente quanto para os que fazem parte de organizações coletivas. É nesse espaço urbano que se estabelecem as interações, especialmente com a população local. Essa interação é característica da rua como local de convivência entre as pessoas nas cidades (Lefebvre, 1999). Os conflitos resultantes da atuação de catadores nas ruas se manifestam principalmente nas disputas entre catadores autônomos e em confrontos diretos com os residentes locais e também com o poder público. O estudo sobre os conflitos socioambientais urbanos que tange a atividade de catador de material reciclável na cidade de Belo Horizonte permitiu identificar estratégias para compreender os conflitos de forma mais aprofundada e buscar subsídios para fomentar novas políticas públicas para inclusão de catadores organizados e individuais.
Palavras Chave: conflitos socioambientais, gestão de resíduos, racismo ambiental
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ariska Derìì da Costa Lopes (UFAM)
Resumo: A natureza é uma ilha de descarte, desrespeitada. Uma joia roubada, assim como o meu corpo. Da natureza, do lixo e do descarte vem a força de criação. É da imaginação que me foi passada pelos meus ancestrais que faço possível derrubar o que foi importado como concreto. Aos que não conhecem nosso poder, não se espantem, o lugar de exílio virou o de retomada. Os clássicos me pedem para que eu me divirta com seus títulos, considerando suas intenções questionáveis e fiadas por poderes nada ocultos. Não é reparação, é apenas gargalhar historicamente, um exercício daquilo que ouvi da boca mágica de uma yalorixá em uma tarde cheia de axé e cura, “brincar é urgente”. Aqui, nesse trópico ficcional e catártico, não há nada de triste. Qualquer lágrima é antes de tudo a seiva quente de uma semente contrabandeada, profanada, descartada e reciclada para, então, ser importada. Imposta a si, submissa e subalterna ao Outro que não é si, mas em si se aloja e implode, enquanto construção identitária programada a um padrão dentro de um [c]sistema-mundo social. O curta foi lançado em 2022, concebido durante a primeira edição da residência artística Plataforma Ribanceira, ao presente diálogo buscamos olhar essa obra audiovisual como um texto posto em tensão com os autores, assumindo como pré-requisito que “a busca por ordem pode obstruir a visão de uma desordem produtiva”. A fim de desobstruir e desembaraçar minimamente as afetações em atravessamento corpóreo, realizamos pesquisa documental, revisão bibliográfica e análise de conteúdo. A presente obra trata-se também de um registro processual maior, ou até mesmo em processo, como um eterno devir, visto que marca para a autora que vos fala um momento importante nas minhas transições, à época eu estava não-binária, hoje sou travesti . Dessa forma, o objetivo deste ensaio se faz estabelecer diálogos entre o curta e as leituras empreendidas durante a disciplina de Antropologia das Relações de Gênero, a fim de fomentar uma etnografia sobre a protagonista Sereia e seus tensionamentos discursivos sobre questões de gênero, corpo, identidade e necropolítica. Nossa desordem também busca considerar outro ponto importante no que diz respeito às possibilidades ao se trabalhar com pesquisa e o audiovisual, sendo uma delas gerar discussão a respeito de que “um dos problemas de se disseminar o conhecimento somente por meio textual é que isso pode ser exclusivo e excludente (idem). Além disso, visto que "a performance revela aquilo que, muitas vezes, os textos silenciam" (MARTINS, 2021, p. 47), tal diálogo aponta uma reescrita de narrativa, na qual as existências destoantes às regras impostas pelos muitos mecanismos normativos podem forjar seu protagonismo, assumindo os muitos lugares de exílio e de descarte como retomada em potencial.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Caroline Soares de Almeida (UFPE), Adriana Eidt (UFSC)
Resumo: Em setembro de 2023, foi implementada em um conjunto habitacional do Recife (PE), por meio de uma oficina com moradoras e moradores, a tecnologia social de "Gestão Comunitária de Resíduos Orgânicos", desenvolvida pela Revolução dos Baldinhos. Esse método não se concentra apenas na redução do descarte de resíduos em aterros sanitários por meio da compostagem termofílica, mas também na construção de um projeto de desenvolvimento econômico e social pensado a partir das demandas apontadas pela comunidade - nesse caso, constituída, em sua grande maioria, por mulheres mães solo. O local escolhido é resultante de reinvindicações por moradia digna do Movimento de Luta nos Bairros e Favelas (MLB), e foi entregue em abril de 2023 a 336 famílias. Importante salientar que esse empreendimento tem caráter inovador, já que foi o primeiro, em todo o país, na modalidade Minha Casa Minha Vida Entidades. Esta proposta consiste na apresentação dos aspectos iniciais da etnografia que está sendo realizada em paralelo a concretização do Projeto Ruy Frazão Sustentável..
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Cristiano Benites Oliveira (IFRS), Mario Ricardo Guadagnin (Pesquisador), Alexandro Cardoso (UFRGS)
Resumo: Os processos de concessão de serviços de manejo de resíduos sólidos em andamento no Brasil, com objetivo de sustentabilidade financeira e ampliação da prestação de serviços, configuram-se em novas formas de inclusão perversa e de apagamento de catadoras/es de materiais recicláveis. Com observação de diferentes situações no país, principalmente em Porto Alegre - RS, Belém - PA, Tangará da Serra - MT e Cuiabá MT, faz-se uma análise de contexto empírico para o textual com contribuições de como manter acesa a chama de permanência de catadoras/es nestes projetos de concessão. As propostas em discussão privatizam os serviços na modalidade de Parceria Público Privada (PPPs), sob a interpretação da novíssima legislação de saneamento básico com o esquecimento da legislação de resíduos sólidos, em especial da necessidade de participação de organizações de organizações coletivas de catadoras/es como as cooperativas e associações que são as/os principais agentes na gestão dos resíduos no tangente da reciclagem, transformando-as/os em mero coadjuvantes. A abordagem da antropologia econômica introduziu o binário: desperdício e valor, nessa perspectiva analítica, proposta pela teoria do lixo de Michael Thompson (1979, 2017), há a compreensão de que na circulação de resíduos entre diferentes regimes de valor, focada nos valores mutáveis dos resíduos e não na poluição ritual, explora a dinâmica através da qual os resíduos podem voltar a entrar em circulação como um a mercadoria valorizada, revelando consequências da compulsão de consumir e descartar desenfreadamente, que estão longe de ser inevitáveis, explorando um olhar antropológico sobre rejeitos humanos, que por um lado os vê como resíduos problemáticos e por outro como recursos valiosos, dependendo onde estão e principalmente nas mãos de quem os manipula. O objetivo deste trabalho é a identificação e o reconhecimento de novos mecanismos tecnoburocráticos que associam Estado e Capital em processo de exclusão de catadores e catadoras nos contratos de concessão do manejo de resíduos, por períodos de 25 à 35 anos, para grupos empresariais privados com implantação de mega centrais de triagem. Por meio de pesquisa qualitativa, será realizada a análise de documentos oficiais, de relatos de situações e de análise de notícias veiculadas nos sites oficiais dos municípios e efetuam-se as interpretações dos mecanismos perversos de exclusão e invisibilidade das/os catadoras/es.
Palavras-chave: Catadoras/es de materiais recicláveis. Contratos de Concessão; Inclusão Perversa; Despossessão.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Daniel Laerte Segetti Luchini (FER)
Resumo: No último relatório da International Solid Waste Association estima-se que a geração de resíduos sólidos urbanos no mundo aumentará todo ano, passando de 2 bilhões de toneladas por ano, em 2016, para 3,4 bilhões de toneladas em 2050. Estudos censitários realizados na cidade de São Paulo demonstram que a principal atividade de subsistência de pessoas adultas em situação de rua é a coleta de materiais recicláveis, muitos provenientes do lixo urbano. Contextualizada no debate sobre as urgências ecológicas do Antropoceno e informada por abordagens antropológicas sobre resíduos sólidos, este projeto de pesquisa propõe realizar um estudo etnográfico com coletores não cooperados de materiais recicláveis em situação de rua do centro da cidade de São Paulo. O enfoque recai sobre as relações humanas e mais que humanas que podem ser encontradas nas interações com o lixo urbano, enfatizando as modalidades de ação e territorialidades dos coletores. Nesse sentido, propõe-se uma pesquisa etnográfica com ponto de partida em um ferro-velho específico onde se compram tais materiais, buscando cartografar a itinerância desses coletores, gestos e circuitos de coleta e troca de materiais recicláveis.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Elissa Paiva Alexandre Ferreira de Lucas (UFRJ)
Resumo: Neste trabalho, me proponho a dialogar com as discussões teóricas da antropologia sobre resíduos, agência e materialidade com um recorte de minha pesquisa de mestrado. O objetivo geral da pesquisa é entender como os garis da Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana), da cidade do Rio de Janeiro, desenvolvem resistência física e mental para se adaptarem ao trabalho envolvendo os resíduos urbanos. Aqui, o interesse de análise também será um outro agente que se faz presente de forma marcada pela paisagem urbana: o lixo. Neste estudo, priorizo e delimito algumas das referências que mencionam a multiplicidade de problemas advindos da produção e alocamento dos resíduos. Nessa investigação, destaco algumas contribuições teóricas que abordam temas como significado, circulação, assimilação e transformação dos resíduos sólidos.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Gabriel Barbosa Teixeira (bolsista)
Resumo: Em "O Ensaio sobre a dádiva", obra magistral de Marcel Mauss, o antropólogo, discípulo de Durkheim, finaliza seu texto com considerações esperançosas acerca de uma "retomada do arcaico" que pudesse, recuperando noções das "economias dispendiosas", fizesse frente aos limites do individualismo ocidental que vigorava em sua época. Não obstante, o autor não deixou de salientar certa ressalva, observando que os regimes da dádiva eram "excessivamente dispendiosos" e que, tendo em vista a permanência de valores suntuários ainda entre os ocidentais, como nas "ostentações do homem rico", é de se pensar se "está bem que assim seja". É partindo dessa reticência que pretendo aqui cotejar as considerações das "sociedades do dispêndio" analisadas por Mauss, com o problema da "Duração", tal como elaborado por Georges Bataille em "Teoria da Religião". Ali, como pretendo argumentar, Bataille aponta para uma ânsia presente na maior parte das configurações religiosas em domar aquilo por ele denominado como "intimidade". Analisando cuidadosamente sua fenomenologia, veremos como Bataille vê na economia do sacrifício, típica das sociedades do "potlatch", uma forma de dispêndio que faz frente aos ditames da razão liberal, mas que também não deixa de lançar o homem à posição de objeto, ou mais especificamente, de objeto que "dura", que se fixa e se distingue, ou seja, que nomeia-se enquanto coisa "útil", e doravante nega à si próprio o livre fluxo da intimidade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Israel Pinheiro Matos (UFAM), Márcia Regina Calderipe Farias Rufino (UFAM)
Resumo: : O Aterro sanitário da cidade Manaus, no quilometro 19 da estrada AM010, foi construído em 1986, após uma CPI do LIXO realizada durante a gestão do prefeito Amazonino Mendes (1983-1986), sofrendo diversas reformas ao longo dos 38 anos de funcionamento. O presente trabalho tem o objetivo compreender a dinâmicas discursivas e práticas sociais no desenvolvimento do Aterro Sanitário da Cidade de Manaus, ao longo dos últimos 40 anos, através de reportagens, documentos e entrevistas, que construíram sentidos sobre o lixo na cidade de Manaus. Lidar com o lixo e com resíduos sólidos é umas das principais preocupações políticas das cidades pós-industriais (RIAL, 2016), dessa forma compreender como as articulações e argumentos em um regime histórico particular, produzem sentidos, permeiam o imaginário e a memória de uma cidade como Manaus. Buscamos nesse trabalho aprofundar o debate de uma etnografia dos documentos (FERREIRA & LOWENKRON, 2014) (VIANNA, 2016), tendo em vista que reportagens, arquivos e entrevistas publicizadas contém a possibilidade de interpretação e compreensão de práticas sociais que vão delimitando e configurando o espaço urbano, mobilidade e limites possíveis dentro de uma cidade. Para tanto, usamos como fio condutor documentos públicos do Acervo Digital e da Hemeroteca da Biblioteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional, entre os anos 1980-2014, também foram utilizados vídeos e reportagens de jornais de 2014-2022 sobre o aterro sanitário.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Joelma Cristina de Lima Antunes (UFBA)
Resumo:
Um dos grandes problemas que a humanidade tem enfrentado na atualidade refere-se a emergência das mudanças climáticas, que atinge de diferentes formas as populações do globo inteiro. O diálogo em torno do Antropoceno tem organizado e reorganizado uma série de reflexões e problematizações, nos desafiando a olhar para essa agenda climática de outros lugares. O "lixo", como popularmente é denominado, ocupa um lugar expressivo na agenda internacional das pesquisas, tornando-se agente e agenciador de diferentes disputas em torno dos seus usos e sentidos e um campo frutífero de reflexão para a antropologia. Diante das problemáticas oriundas do grande volume e má gestão dos resíduos, fruto de um modelo de produção econômica predatório, proponho com esse trabalho, voltar o olhar para as mobilizações em torno dos resíduos, particularmente, para o trabalho e a agência dos/as catadores/as de materiais recicláveis, tendo como palco o carnaval de Salvador. Estes atores prestam um serviço essencial para a manutenção da vida em sociedade e para mitigação dos impactos socioambientais, na medida em que reinventam através da reciclagem e bricolagem, formas outras de lidar e co-existir com os resíduos produzidos no dia-a-dia, sem, no entanto, receberem a devida remuneração e reconhecimento pelos serviços prestados. Por sua vez, o carnaval de Salvador apresenta um cenário privilegiado para observar a complexa teia de relações que permeiam as disputas pela produção, circulação e gestão dos resíduos sólidos, onde atores como: as cervejarias, as cooperativas, catadores-autônomos, usuários e os atravessadores, encontram oportunidades de atuação e geração de renda. A partir de observações e imersões realizadas em campo, entre os anos de 2020 e 2024, onde pude acompanhar parte das açõe desenvolvidas pelo projeto "Eco-folia solidária: O trabalho decente, preserva o meio ambiente", pretende-se refletir sobre os regimes de visibilidade e invisibilidades que atravessa essas redes.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Juliana Teixeira Gonçalves (UFMG), Larissa Sousa Campos (UFV)
Resumo: O surgimento das primeiras experiências de inclusão de catadores em sistemas de coleta seletiva acontece há cerca de três décadas. Reflexões críticas sobre como esses sistemas vêm se desenvolvendo podem contribuir para o avanço e aperfeiçoamento dessas estratégias. O estabelecimento das cooperativas e associações de catadores e o surgimento do movimento social organizado, desde 2001, em torno do MNCR (Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis), representam um avanço para a categoria de catadores, demonstrando o crescimento e consolidação do trabalho de catação desde então. Com base nos resultados de pesquisas-ação, realizadas em cooperativas e associações de catadores, bem como em experiências dessas cooperativas com catadores autônomos, este artigo tem como objetivo fornecer contribuições conceituais para o aperfeiçoamento teórico dos modelos de inclusão. Essas contribuições se desdobram em recomendações operacionais visando à melhoria das políticas públicas vigentes no que diz respeito à inclusão de catadores na cadeia produtiva da reciclagem, tanto do ponto de vista da coleta seletiva como de política pública. Nesse sentido, serão discutidas duas concepções sobre o trabalho de catadores de forma mais detalhada. A primeira refere-se ao entendimento de que as pessoas que sobrevivem do trabalho de coleta, separação e comercialização de materiais recicláveis, trabalham em condições precárias, muitas vezes sem remuneração ou recebendo um valor baixo pelos materiais coletados. Por outro lado, há o reconhecimento de que a organização do trabalho dessas pessoas a partir de uma perspectiva coletiva, em cooperativas e associações, resulta na melhoria das condições de trabalho e, em alguns casos, no aumento da remuneração dos catadores. Esses entendimentos definem um modelo de inclusão que, contraditoriamente, acaba por reproduzir a exclusão. Este artigo apresenta uma proposta de categorização dos modos de inclusão de catadores: inclusão confinada, inclusão ampliada e inclusão híbrida. A argumentação passa pela expansão da categoria “inclusão para além da dualidade usual rua/galpão ao mesmo tempo que qualifica as ações práticas de inclusão e suas limitações. A proposta do artigo é trazer à tona a discussão dentro de um contexto onde muitos sistemas de coleta seletiva operam o mesmo modelo de inclusão há décadas, sem nenhuma avaliação ou adaptação.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Maria Raquel Passos Lima (UERJ)
Resumo: O trabalho apresenta uma reflexão etnográfica sobre um instrumento sociotécnico específico, os "carrinhos de resíduos", com o objetivo de analisar como estes são mediadores da criação de mundos urbanos populares. A partir de dois casos provenientes de duas pesquisas distintas, uma no Rio de Janeiro e outra em João Pessoa, discutimos o papel desse instrumento nas estratégias de ganhar a vida e nas práticas cotidianas de trabalhadores que atuam na coleta e comercialização de materiais recicláveis. Os casos descortinam os múltiplos usos e significados dos carrinhos em suas relações com corpo, subjetividade, projetos de vida, lógicas econômicas, estratégias políticas e dinâmicas urbanas. Os exemplos permitem refletir sobre modos de governo de camadas periféricas e formas contemporâneas de habitar cidades.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Mario Ricardo Guadagnin (Pesquisador), Viviane Kraieski de Assunção (UNESC)
Resumo: O trabalho exercido por catadoras/es de materiais recicláveis nas ruas e avenidas nas cidades é o início da gestão dos resíduos sólidos urbanos. As catadoras/es de materiais recicláveis não são apenas coadjuvantes do gerenciamento integrado de resíduos sólidos, mas partícipes efetivos do processo de gestão. Esta ação implica o reconhecimento de fontes geradoras, das rotas de coleta de resíduos, na busca por recicláveis nos contentores e lixeiras, a identificação dos materiais, a realização de acordos e parcerias com geradores de grandes volumes como redes de lojas e comércios nas partes centrais das cidades e a recolha e acomodação deles em diferentes mecanismos e instrumentos de armazenamento e transporte até o espaço de separação e triagem. Num período de cerca de 20 anos objetivou-se desenvolver o reconhecimento de tecnologias que possibilitam a coleta e o transporte dos resíduos sólidos domiciliares recolhidos pelos catadores de materiais recicláveis nas cidades de Criciúma - SC, Torres e Porto Alegre - RS. As observações realizadas nas ruas e avenidas de três cidades do sul do Brasil, com o acompanhamento de catadores/as que atuam de forma individual ou em pequenos grupos de membros da família, possibilitou o levantamento, por meio de registros fotográficos com a prática de etnografia de rua e de etnografia de imagem, do reconhecimento de equipamentos que representam diferentes inventividades criativas como tecnologias de resistência e sobrevivência em meio à invisibilidade do trabalho exercido por catadoras/es.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Matheus Braz Horstmann (Universidade Federal de Santa Maria), Carilo Marzari Machado (UFSM), Virgínia Susana Vecchioli (UFSM)
Resumo: O presente trabalho trata dos conflitos sociais e morais que atravessam os catadores de materiais recicláveis em luta pelo reconhecimento de seu valor no espaço social. A análise funda-se numa pesquisa etnográfica em uma Associação de catadores localizada numa cidade interiorana do Estado do Rio Grande do Sul. A questão geográfica da localização marginal implica também na baixa dotação de capitais simbólicos desses agentes, disposições necessárias para competir no campo social da reciclagem. Para construir os dados da pesquisa utilizamos a descrição microscópica de distintas cenas paradoxais e eventos que permitiram dar conta dessas representações num nível analítico de proximidade com os catadores. Ao longo do processo de imersão etnográfica, a problemática social e moral do reconhecimento foi tensionada no conflito entre catadores e agentes da prefeitura com destaque para a disputa pela manutenção da sede das atividades de reciclagem. Consideramos que o acesso precário às disposições sociais mais valorizadas numa sociedade industrial explique a baixa dotação de capitais dos catadores e a sua condição de miséria social. Ainda assim, esta dimensão estrutural objetiva não tem peso determinante sobre a sua capacidade de agência coletiva. Pois, é no conflito com os agentes “externos que valorizam negativamente a identidade dos catadores que se reconstrói a estima pessoal e se disputam as categorias morais de reconhecimento da categoria dos catadores de materiais recicláveis como a autonomia, a solidariedade e o respeito à dignidade humana e a sua ocupação laboral.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Paulo José Rodrigues Monteiro (UNILAB)
Resumo: A partir de um diálogo entre Carolina Maria de Jesus, por meio de sua obra “Quarto de Despejo: diário de uma favelada e mulheres negras catadoras de resíduos sólidos recicláveis integrantes da Associação de catadores/as do Bairro Moura Brasil, em Fortaleza – Ceará, este estudo se propõe a apresentar uma perspectiva Afetiva, Teórica e Política sobre a participação social das mulheres catadoras na luta por direitos em meio às contradições que vivenciam enquanto trabalhadoras que atuam para a manutenção de uma cidade habitável e sustentável sendo moradoras de ambientes muitas vezes precários e desassistidos de políticas públicas. Além da escritora e compositora, dentre outras habilidades, Carolina Maria de Jesus e das mulheres catadoras, entrelaçam nosso referencial teórico aportes de outras/os intelectuais negras/os como a Arquiteta e Urbanista Joice Berth, a Antropóloga e Filósofa Lélia Gonzalez e o Engenheiro ambiental e Cientista político Malcom Ferdinand apresentando suas contribuições acerca da construção dos espaços urbanos e o direito à cidade, articulação entre gênero e raça em nossa sociedade e a abordagem interseccional entre ecologia e o pensamento decolonial antirracista confrontando a realidade vivida.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Tatiana de Lourdes Massaro (INCT)
Resumo: Embora o termo resíduo seja constantemente associado a significados como descarte, restos, ruínas e lixo, alguns destes resquícios desafiam essa lógica ganhando nobre relevância. O par residual composto por serragem de pau-brasil oriunda do feitio de arcos de violino e seda feita com casulos descartados pela indústria convencional encontra-se nessa chave. Juntos eles compõem um vestido de alto custo feito por uma marca de moda têxtil reconhecida como sustentável que com uma gama de parceiros faz o que nomeia como "roupa viva". O encontro da marca com o vermelho do pau-brasil veio da pesquisa de uma das tintureiras naturais que lá atuou e que muito conhecia sobre música. Em suas investigações ela encontrou nos resíduos do feitio dos arcos essa possibilidade, que depois é negociada e se transforma em parceria. Na etnografia que realizei pude conhecer mais sobre o feitio dessa roupa e de algumas de suas parcerias, observando como resíduos tornam-se elementos vitais para essa moda, o que permite pensar reconfigurações sobre o modo como estes são entendidos, utilizados, disputados e desejados dentro desse circuito. Pessoas, florestas, espécies em extinção (como o pau-brasil), música, amoreiras, bichos-da-seda, tecidos e roupas estão envolvidas nestes entrelaçamentos. Nele diversas relações entre humanos e não humanos estão intrincadas, guardando nexos com paisagens atuais, onde alguns objetos de valor circulam como joias, a partir das e por entre contextos indelevelmente marcados por ruínas geradas pela época atual. Tal debate nos remete à etnografia e às análises da antropóloga Anna Tsing, nas quais os desejados cogumelos matsutake, oriundos de florestas arruinadas, circulam como joias no Japão. Neste sentido proponho pensar os resíduos a partir do campo que conheci e de debates que com ele se co-relacionam.
Palavras-chave: Resíduos, Moda, Sustentabilidade
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Yuri Marcos Alves da Costa (UFF)
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar o processo de reaproveitamento de materiais na confecção dos desfiles das Escolas de Samba do Grupo de Acesso do Carnaval do Rio de Janeiro. Partindo do pressuposto de que esses materiais já cumpriram seu papel de ilustrar o enredo ao longo do seu cortejo ritual uma vez e que, inicialmente, foram descartados, busco acompanhar como esses objetos são adquiridos, ressignificados e inseridos em um novo desfile, contando uma nova história, um novo enredo.
Ano após ano, as escolas de samba levam para a avenida diferentes enredos, composto com diversos carros alegóricos e fantasias pensadas para contar uma determinada história. Passado o desfile, começa um processo de desmontagem desse carnaval para dar lugar ao próximo. Dentro dos barracões (lugar onde são elaborados os desfiles), os trabalhadores realizam uma triagem de materiais que podem ser reutilizados dos que serão descartados. Desses objetos descartados, como por exemplo pedaços de alegorias, esculturas, fantasias, tecidos, entre outros, surgem novas possibilidades de desfiles para Escolas de Samba dos Grupos de Acesso do Rio de Janeiro e, até mesmo, escolas de outras cidades e estados. Autores como Araújo (2008) e Barbieri (2012), assinalam que essa prática de reaproveitamento é bastante comum entre os Grupos de Acesso no carnaval. Entretanto, o que chama a atenção é a capacidade de ressignificação que esses objetos ganham em cada desfile.
Nesse processo, os carnavalescos possuem a função de requalificar o objeto, ultrapassando os limites de seus usos originais (DEBARY,2017) para serem usados novamente em uma nova narrativa. Sob esse ponto de vista, é possível atribuir a noção de valor biográfico (APPADURAI; KOPYTOFF, 2008) a essas esculturas. Segundo os autores, esses objetos possuem uma vida social e podem ser compreendidos seguindo sua trajetória de vida. Sendo assim, irei apresentar a vida social dessas esculturas e seus desdobramentos e ressignificações a partir de suas aparições nos desfiles das Escolas de Samba, tanto no Grupo Especial, quanto no Grupo de Acesso.