ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 017: Antropologia dos Resíduos
Transtis trópicos: de volta à ilha de “Serei.a.descartada”
A natureza é uma ilha de descarte, desrespeitada. Uma joia roubada, assim como o meu corpo. Da natureza, do lixo e do descarte vem a força de criação. É da imaginação que me foi passada pelos meus ancestrais que faço possível derrubar o que foi importado como concreto. Aos que não conhecem nosso poder, não se espantem, o lugar de exílio virou o de retomada. Os clássicos me pedem para que eu me divirta com seus títulos, considerando suas intenções questionáveis e fiadas por poderes nada ocultos. Não é reparação, é apenas gargalhar historicamente, um exercício daquilo que ouvi da boca mágica de uma yalorixá em uma tarde cheia de axé e cura, “brincar é urgente”. Aqui, nesse trópico ficcional e catártico, não há nada de triste. Qualquer lágrima é antes de tudo a seiva quente de uma semente contrabandeada, profanada, descartada e reciclada para, então, ser importada. Imposta a si, submissa e subalterna ao Outro que não é si, mas em si se aloja e implode, enquanto construção identitária programada a um padrão dentro de um [c]sistema-mundo social. O curta foi lançado em 2022, concebido durante a primeira edição da residência artística Plataforma Ribanceira, ao presente diálogo buscamos olhar essa obra audiovisual como um texto posto em tensão com os autores, assumindo como pré-requisito que “a busca por ordem pode obstruir a visão de uma desordem produtiva”. A fim de desobstruir e desembaraçar minimamente as afetações em atravessamento corpóreo, realizamos pesquisa documental, revisão bibliográfica e análise de conteúdo. A presente obra trata-se também de um registro processual maior, ou até mesmo em processo, como um eterno devir, visto que marca para a autora que vos fala um momento importante nas minhas transições, à época eu estava não-binária, hoje sou travesti . Dessa forma, o objetivo deste ensaio se faz estabelecer diálogos entre o curta e as leituras empreendidas durante a disciplina de Antropologia das Relações de Gênero, a fim de fomentar uma etnografia sobre a protagonista Sereia e seus tensionamentos discursivos sobre questões de gênero, corpo, identidade e necropolítica. Nossa desordem também busca considerar outro ponto importante no que diz respeito às possibilidades ao se trabalhar com pesquisa e o audiovisual, sendo uma delas gerar discussão a respeito de que “um dos problemas de se disseminar o conhecimento somente por meio textual é que isso pode ser exclusivo e excludente (idem). Além disso, visto que "a performance revela aquilo que, muitas vezes, os textos silenciam" (MARTINS, 2021, p. 47), tal diálogo aponta uma reescrita de narrativa, na qual as existências destoantes às regras impostas pelos muitos mecanismos normativos podem forjar seu protagonismo, assumindo os muitos lugares de exílio e de descarte como retomada em potencial.