Grupos de Trabalho (GT)
GT 102: Transições democráticas e controle social: repensando marcações temporais
Coordenação
Desirée de Lemos Azevedo (UNIFESP), Adalton Jose Marques (UNIVASF)
Debatedor(a)
Liliana Sanjurjo (UERJ)
Resumo:
Dando continuidade aos trabalhos iniciados na RBA de 2020, o GT pretende reunir etnografias e pesquisas históricas que constroem delineamentos acerca de transições democráticas, desafiando marcações temporais convencionadas e preferindo tomá-las como problema de pesquisa. Como explicação a priori, o binômio democracia/ditadura, muitas vezes, impede-nos de pensar a respeito dos processos que ajuda a descrever e dos problemas que é capaz de ocultar em nossas pesquisas. Nesse sentido, a proposta visa colocar em debate trabalhos, de caráter conceitual e/ou de diferentes recortes empíricos, para provocar reflexões imprevistas em torno do mesmo problema teórico-político. Sem limitar os campos de investigação que poderão ser acolhidos, nos interessam trabalhos que problematizem questões como: 1) as implicações das leis de anistia e os silenciamentos impostos a atores sociais que sofreram violências durante a vigência de regimes ditatoriais, assim como a recepção de suas lutas reivindicativas de memória, verdade e justiça em democracia; 2) o caráter ambíguo de políticas humanitárias transicionais adotadas por países periféricos; 3) construções de fronteiras e distinções entre crime político e crime comum, e/ou entre segurança nacional e segurança pública, como mecanismos de controle social; e 4) a mobilização da guerra às drogas e a expansão penal como dispositivos centrais de combate às ilegalidades e controle das populações pobres (majoritariamente não-brancas) em democracia.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Adalton Marques (UNIVASF)
Resumo: Na contramão do debate sobre segurança pública que teorizou a relação entre a remoção do "entulho
autoritário" produzido durante a Ditadura Civil-Militar e a "consolidação" democrática, este paper apresenta
uma documentação inédita ou raramente mobilizada concernente à política penal produzida pelos governos de
Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel com o objetivo de evidenciar que o problema da continuidade da
Ditadura sobre a Democracia não pode ser teorizado sob bases binárias que reduzem o primeiro termo a traços
autoritários e atribuem ao segundo a incumbência de desmontar a parafernália antidemocrática. A (re)abertura
de arquivos dirigida por uma suspeita do presente permite notar que nos tornamos completamente despreparados
para compreender que os governos militares foram capazes de produzir leis penais e decisões administrativas
humanistas em favor das quais continuamos a lutar, em democracia. Como crítica às caracterizações
generalistas dos períodos políticos e perspectivização do presente, este artigo aponta pistas que permitem
pensar os modos pelos quais a exceção carcerária (funcionalmente dependente de seu reformismo humanista) se
aclimata tanto às experiências ditatoriais quanto às democráticas de penalizar e punir.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Amarildo Ferreira Júnior (IFRR)
Resumo: Tomada como região de fronteira geopolítica e de expansão do capitalismo, a Amazônia e seus povos
originários têm sido sujeitados a um longo processo de colonização e de incorporação e integração,
inicialmente ao Estado português, ao qual esteve ligada como uma Colônia distinta do Brasil até o século
XVII, e, posteriormente, ao próprio Estado brasileiro. Este trabalho tem como objetivo discutir a vinculação
desse processo com a emergência da tese do marco temporal das terras indígenas e seus efeitos sobre os povos
indígenas e os conflitos socioambientais na região. A partir do campo da antropologia histórica e da
discussão do desenvolvimento e de sua crítica, apresento análise da referida tese e de seus papeis no modo
de produção simbólica da sociedade brasileira e no repertório de instrumentos de apropriação territorial de
suas classes dominantes. Desse modo, faço uma resenha histórica dos atos de Estado na Amazônia e da formação
socioeconômica da região, tomando a construção de suas marcações temporais, fortemente caracterizadas por
abordagens ciclícas e desenvolvimentistas, como problema de pesquisa. Em seguida, realizo a exegese do marco
temporal a partir da avaliação de enunciações em diferentes espaços (discursos parlamentares e jurídicos,
notícias, notas públicas, entre outros) com destaque ao colonialismo, ao racismo e ao securitarismo como
três de seus aspectos fundamentais. Diante disso, verificamos que no núcleo da elaboração e da defesa da
tese do marco temporal está o argumento de que tal condicionante garantiria segurança jurídica ao processo
de demarcação de terras indígenas no país. Contudo, o mesmo discurso da segurança jurídica tem sido
amplamente utilizado por representantes de setores do complexo agrocarbonohidromineral brasileiro para
proteção de suas propriedades e interesses, os quais são sorrateiramente colocados como interesses do
desenvolvimento da nação. Nesse contexto, a luta contra o marco temporal ganha os contornos de disputa pelo
próprio estabelecimento do que é legítimo quando falamos em demarcação de terras indígenas e,
consequentemente, dos conflitos socioambientais no país, em especial, para os fins deste trabalho, na
Amazônia, o que torna necessário refletir, a partir das sínteses elaboradas, sobre as possibilidades de
construção colaborativa de espaços de co-conceitualização e de desenvolvimento consequente de relações
intersubjetivas e instrumentos políticos que ensejem in(ter)ferências na realidade histórico-social em
relação aos elementos fundamentais da tese do marco temporal e às consequências do manuseio e do assédio
securitário instituído pela coalização de pilhagem que a forjou e defende.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Antonio Carlos Rafael Barbosa (UFF)
Resumo: Na presente comunicação busco revisitar algumas reflexões sobre a produção discursiva e imagética das
favelas e periferias do Rio de Janeiro como espaços da insegurança e do descontrole (em termos das garantias
estatais), uma vez atravessados por modos de governo das condutas, contenção e contorno fronteiriço por
parte de grupos milicianos e das chamadas facções do tráfico. A isso podemos adicionar as operações
policiais que criam territórios de exceção, conduzidas pelos corpos especiais das Polícias Militar e Civil,
mas hoje também realizadas pela PRF e PF; operações que visam a poda das pontas soltas de uma anomalia
concebida como extirpável - como cansa de conclamar parte do jornalismo policial - se houver interesse
político. Que tal tanatopolítica tenha como alvos privilegiados os corpos negros, é o que muitas vezes
escapa às discussões sobre biopolítica e racismo e, no mesmo movimento, reforça o apagamento das lutas pelo
reconhecimento da existência de territórios negros na cidade do Rio de Janeiro. E que tais operações sirvam
para transformar tais localidades em campos de treinamento de uma elite de assassinos a serviço de
interesses corporativos é muitas vezes esquecido (vamos borrar a partição dura entre legal/ilegal; vide
escritório do crime). A isso podemos adicionar, lá onde se misturam segurança nacional e segurança pública,
as sucessivas experiências GLO na cidade do Rio de Janeiro. Tal produção enunciativa se deixa ver numa
cascata de adjetivações: territórios do crime, minados, precarizados, marginais, territórios sob controle de
grupos armados, entre outros. A cada uma delas corresponde um direcionamento dos problemas (e escalonada
pressão política): seja por parte das análises acadêmicas; seja nos diagnósticos (que se querem
propositivos) dos formuladores das políticas de segurança pública; seja nas justificativas e valorações
policiais. Sem pretender expandir a análise para fora do Rio de Janeiro, contrastando com outros modos de
territorialização, o quadro ganha ainda em complexidade ao considerar a passagem e composição entre
tecnologias de poder: disciplinares, com sua modelagem que fixa territórios fechados e faculta a passagem
entre eles; e as tecnologias do controle ou da segurança, que operam a partir de redes flexíveis e
sobrepostas (o recente ENFOC, de Flávio Dino, sua preocupação com o crime que não respeita fronteiras, é
exemplar nesse sentido; no cotidiano das ruas, as duras policiais em celulares também servem de exemplo da
captura em rede como dispositivo micropolítico do controle). Todavia, tal discussão não pode prescindir,
como lastro valorativo, ancoragem analítica e exigência política, das avaliações e lutas por parte de quem
habita esses territórios. E é daí que se começa.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Evandro Cruz Silva (UNICAMP)
Resumo: O objetivo deste texto é o de aprofundar e relativizar as origens históricas do auto de resistência,
forma discursiva fundamental para o Estado brasileiro e sua administração, cuja característica distintiva
reside na produção de uma narrativa oficial de dizer que um civil só sofreu violência do Estado porque ele
reagiu. O auto de resistência, portanto, desempenha um papel crucial na construção da chamada verdade
jurídica e na fé pública acerca da narrativa policial.
Para a base da nossa apresentação, nos utilizamos de duas técnicas de pesquisa: uma genealogia dos debates
públicos sobre auto de resistência num período entre 1830 e 1980 dentro da Hemeroteca Digital Brasileira e
uma revisão bibliográfica sistemática acerca de trabalhos acadêmicos brasileiros que mencionam a invenção ou
origem do auto de resistência.
Apoiando-se em pesquisa documental e inspirado no método genealógico, nesta apresentação, destacaremos duas
evidências-chave que fundamentam nosso objeto central: o aumento na cobertura de notícias sobre o tema e o
consenso gerado pela leitura do livro de Verani (1996). Sustentamos que, embora o conceito de "auto de
resistência" não tenha sido criado nos anos 1960, foi nessa época que ele assumiu um papel central no
cenário da polícia que mata. Utilizamos dois argumentos principais para embasar nossa posição.
Primeiramente, confrontamos a interpretação de Verani sobre as origens do auto de resistência, ressaltando
que tanto os profissionais do direito quanto a imprensa da época o consideravam uma inovação contemporânea
para justificar a letalidade policial. Em segundo lugar, exploramos a sua origem nas práticas policiais
cotidianas, especialmente ligadas aos grupos de extermínio, e como isso influenciou o surgimento de uma
polícia política durante o período pós-1964.
Nesse contexto, as fronteiras entre "segurança pública" e "segurança nacional" se tornaram cada vez mais
difusas, permitindo a ampliação das atividades criminalizadas sob a narrativa do auto de resistência,
utilizando-se da fé pública e da perspectiva do agente de segurança.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Evanielly Sheyla Velozo Silva (UERJ)
Resumo: Coletivos e grupos de militantes e familiares de pessoas que foram perseguidas, torturadas, que estão
desaparecidas e/ou foram mortas devido a imposição da ditadura militar no Brasil entre os anos de 1964-1985
- e que agora também estão organizados em torno da Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação
e Democracia - vem pressionando o governo federal, especificamente o presidente Luiz Inácio (PT), Lula, para
que a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) seja reinstalada e para que haja o
cumprimento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV), instalada em 2011. No governo atual, e
conforme seu mandato avança, o presidente sinaliza que não quer ficar remoendo o passado e veta a realização
de atos críticos à ditadura militar no período em que serão completados 60 anos pós-golpe. Entretanto, é
também neste mesmo mandato que a Comissão de Anistia, que retoma sua atuação após um período de esvaziamento
durante o governo Jair Bolsonaro (2019-2022), deverá julgar os primeiros casos de reparação coletiva para as
etnias Krenak (MG) e Guyraroká (MS), e julgar a demanda do grupo dos noves chineses. Integrantes destas
etnias e grupo foram torturados e/ou mortos durante a ditadura e a reparação coletiva servirá também para
contar uma parte da história do país, com provas concretas sobre a sistematização do golpe militar. Sendo
marcado por estas dissonâncias, o governo Lula tem sido repudiado entre militantes e familiares devido
principalmente às frustrações, esperas e pelo não cumprimento de promessas de campanha. Por isso, o presente
trabalho se ocupará de colher e apresentar algumas ações e reflexões dos militantes em relação aos avanços e
retrocessos das suas demandas políticas durante o primeiro biênio do terceiro mandato do presidente Lula. É
de interesse também acompanhar como o Estado brasileiro vem sendo manobrado pela atual gestão e quais as
implicações das decisões tomadas por seus agentes na vida/militância de integrantes da Coalizão Brasil. É
importante ressaltar que esta é uma pesquisa recente e sua principal pretensão é compartilhar com este grupo
de trabalho a sua construção inicial, ou seja, as primeiras descrições acerca de um campo de estudos
adensado e amplo. Compreendo que a contribuição desta pesquisa é fazer análises deste material empírico
junto a conceitos e teorias antropológicas já etnografados sobre mobilização social, reparações, direitos
humanos, violência de Estado e funcionamento de instituições públicas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Fernanda Agostinho (UNIFESP)
Resumo: Título da pesquisa: Ainda somos os mesmos? Ensinamentos e aprendizados sobre a Democracia Representativa
em grupos familiares da classe trabalhadora.
Orientador: Alexandre Barbosa Pereira
Universidade: Universidade Federal de São Paulo - EFLCH
Essa comunicação visa apresentar partes da pesquisa etnobiográfica grupos familiares da classe trabalhadora
que objetiva mapear a transmissão de saberes e os aprendizados sobre democracia representativa entre
sujeitos de diferentes gerações com ascendência direta em realização desde agosto de 2023. Para contemplar
uma multiplicidade de subjetividades, compõe o grupo de pesquisa, 4 grupos familiares moradores de
diferentes cidades de São Paulo, e entre os integrantes a faixa etária varia entre 10 e 90 anos com
diversidade de gênero, racialidade, renda e posicionamento político.
Sua elaboração se deu na experiência como professora no ensino escolar privado na cidade de Mogi das Cruzes,
durante o ano de 2022. As crianças apresentavam a necessidade de falar sobre a eleição e, no meio disso,
estava a pressão e vigilância realizada pelas famílias e a direção escolar para que o assunto não fosse
abordado em sala de aula, afirmando que a educação política é de responsabilidade familiar. Ainda que as
crianças fossem vistas como inaptas para falar sobre política, elas desenvolviam estratégias para lidar com
o tema muito abordado entre elas. Considerando o 8 de janeiro de 2023, data que marcou ataque às
instituições e funcionalidade da democracia representativa no Brasil, emergiu a necessidade de mapear formas
de transmissão geracional de compreensões políticas, com foco na participação na democracia representativa
forma política obrigatória em uma cidadania regulada como a brasileira.
Desenvolver uma etnobiografia com grupos familiares, se dá na busca por registrar memórias através de
observar a profusão de relações subjetivas que ocorrem no momento da narrativa. Tal ato, acredito, garantirá
um mapeamento de intersubjetividades das significações e estratégias na atuação política desenvolvidos em
diferentes contextos sociais e históricos, e intercambiadas nos arranjos dos grupos familiares.
A realização do campo de pesquisa tem sinalizado como tanto para o papel dos meios de informação e o acesso
à educação quanto das questões de organização diárias definidas pelos campos de gênero, raça e classe
influenciam no formato de educação política familiar.
PALAVRAS CHAVE: DEMOCRACIA REPRESENTATIVA FAMÍLIA TRANSMISSÃO INTERGERACIONAL
GONÇALVES, M. A., MARQUES, R., & CARDOSO, V. Z. (2012). Etnobiografia: subjetivação e etnografia. Rio de
Janeiro: 7 letras.
SILVA, M. G. (2017). Ferrazópolis: um bairro, duas gerações e a política. Tese de Doutorado. São Paulo:
Faculdade de Educação da USP (FEUSP).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Gabriela Fortunato Castro (UNESP)
Resumo: O trabalho apresenta e discute a categoria direitos humanos inserida dentro do escopo da antropologia
brasileira, especificamente na Comissão de Direitos Humanos da Associação Brasileira de Antropologia. Os
dados foram construídos a partir de pesquisa bibliográfica, seguida da realização de entrevistas com alguns
ex-coordenadores da Comissão de Direitos Humanos e ex-presidente da Associação Brasileira de Antropologia.
Essa abordagem etnográfica tem foco em dois eixos: 1) descritivo: como a categoria direitos humanos tensiona
o campo de saber antropológico, sendo necessário observar como tanto a antropologia quanto os direitos
humanos, suplantando binarismos universalistas e relativistas, partem de narrativas centradas no espectro da
colonialidade; 2) analítico: como a Comissão de Direitos Humanos da Associação Brasileira de Antropologia
tem se configurado como um agente na antropologia brasileira contemporânea e, portanto, com ações perante o
Estado e sociedade. O objetivo é evidenciar como a interlocução com antropólogas/os permitiu-me refletir
sobre os limites e continuidades estabelecidos no diálogo da antropologia com os direitos humanos, este que
foi observado como categoria nativa, se adaptam de acordo com seu uso prático em relação ao contexto
social, político, histórico e moral que é mobilizado. Busco refletir, centralmente, sobre o deslocamento dos
direitos humanos, que por ser alvo de disputas, pode passar de categoria acusatória para categoria
unificadora, de categoria operatória para categoria de resistência. Logo, não há política sem contradição
e não há luta por direitos humanos que não pressupunha o conflito.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Joana da Silva Barros (UNIFESP)
Resumo: Canudos foi o primeiro enfrentamento armado da Repúblcia brasileira. Como tal construiu as marcas
inaugurais e constitui a forma política pela qual o estado brasileiro, na sua fase/face de modernização,
compreendeu e lidou com as revoltas populares ao longo deste século e meio. As formas do combate ao arraial
do Belo Monte/Canudos que articulavam exército e polícias estaduais, não se resumiram ao enfrentamento
armado e ao massacre da cidade conselherista: depois de rendida, Belo Monte foi queimada, seus habitantes
degolados e a memória daquela revolta constante e sistematicamente apagada - seja pelo silenciamento
sistemático em torno do massacre perpetrado, seja pela construção de uma narrativa da guerra contra Canudos
como um dispositivo de instauração e consolidação do progresso, do desenvolvimento e da democracia contra a
"barbárie da revolta conselherista".
Este texto procura explorar as relações entre a construção do silenciamento do conflito, violência (em
múltiplas dimensões) e a construção da democracia na passagem para a República, como mote e estratégia
política que se firma como motor da construção e da formação social no período.
Exploraremos para tal os relatos da Guerra contra Canudos deixados pelos descendentes dos Conselheristas, e
um conjunto de imagens produzidas por fotógrafos aos longo de mais de 60 anos, contrapostos aos textos que
se tornaram a versão ofocial do conflito, escritos por Euclides da Cunha, cotejados pelas imagens de Flávio
de Barros.
Busca-se explorar a hipótese de que a perpetuação de uma sociabilidade autoritária e violenta como a
brasileira supõe a construção de um Outro em negativo, a um só tempo bárbaro, violento e invisível
politicamente.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Michel Cícero Magalhães de Melo (Aluno)
Resumo: A presente comunicação se trata de uma pesquisa incipiente onde pretendo refletir sobre a Secretária de
Estado de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Nesta abordagem pretendo analisar os ocupantes dos
cargos de Secretário de Segurança Pública no Rio de Janeiro desde a eleição de Leonel Brizola em 1982 até o
governo de Claudio Castro que vence a eleição em 2022. A questão da segurança pública ocupa o imaginário
social e estatal no Brasil. Por onde você vá, pessoas ocupam seu tempo para falar que uma rua está mais
perigosa, que estão ocorrendo muitos furtos em certo local, que as leis penais no país são brandas com
criminosos ou que a polícia prende e a justiça solta. No caso do Rio de Janeiro, tido por muitos como o
cartão postal do Brasil, os jornais, a televisão, grupos de pesquisa e muitos outros segmentos sociais se
detêm sobre a importância e os acontecimentos da área de segurança pública. Partindo desta ideia, tenho como
enfoque uma secretária específica do Estado do Rio de Janeiro: a SESEG Secretária de Estado de Segurança
Pública, que é responsável por planejar e gerir as políticas de segurança pública do estado do Rio de
Janeiro. Desde a eleição de 1982 até 2024, passaram-se 42 anos. Por quanto tempo a secretaria esteve ativa?
Em que períodos ela foi extinta? Quais foram os seus secretários e que cargos públicos estes ocupavam antes
da secretária? Há grupos hegemônicos? Que discursos foram proliferados pelos secretários quanto ao combate à
criminalidade no Rio de Janeiro? Norteado por tais perguntas, pretendo revisitar o passado para pensar o
presente. Entendo a SESEG como uma peça na construção e articulação das políticas de segurança pública do
Estado do Rio de Janeiro, sendo fundamental para compreendermos as dinâmicas que se operam no campo da
segurança pública a partir da sua posição política e dos atores que ocuparam e ocupam o posto de Secretário
de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Paulo Vitor Ferreira da Silva (SEEDUC)
Resumo: O campo da arquitetura e suas redes profissionais têm desempenhado funções mediadoras centrais no
processo de formação do Estado brasileiro, principalmente através da elaboração de procedimentos de
ordenamento e gestão de territórios e populações. Nesse sentido, meu objetivo é discutir sobre a
participação dessas redes profissionais nas formas de governo das cidades e populações brasileiras a partir
da década de 1990, tomando como objeto a atuação do departamento fluminense do Instituto de Arquitetos do
Brasil (IAB-RJ) no Programa Favela-Bairro. Meu argumento é que olhar para a atuação local dessas redes
profissionais elucida como a década de 1990 representa um momento ímpar para compreensão da guinada
neoliberal nas formas de governo das cidades e populações brasileiras. Minha análise busca ir além do que é
narrado pelos meus interlocutores como um momento de mudança de paradigma na política urbana possibilitada
pelos marcos jurídicos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, no qual os programas de urbanização
de favelas assumem o lugar das políticas de remoção. Por meio de entrevistas com arquitetos que fizeram
parte do programa, análise de documentos e depoimentos públicos, procuro evidenciar a participação desses
atores em uma série de arranjos e operações que, em última instância, visavam dar segurança às operações
financeiras e parcerias pública-privadas que seriam realizadas na cidade: os procedimentos reunidos sob o
guarda-chuva do Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro (PECRJ), a produção de consenso como parte das
estratégias para intervenção urbana, o aporte de recursos para grandes projetos de desenvolvimento junto às
agências transnacionais e a organização dos concursos para contratação de obras públicas do Programa
Favela-Bairro.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Piero C Leirner (UFSCAR)
Resumo: Como sabemos pela nossa própria experiência brasileira, golpes militares são vistos como eventos com
datas de início e, talvez de forma menos marcada, fim. Em todos os níveis de análise sociopolítica que se
coloque, o golpe é visto como ruptura de algo. Assim, suas linhas demarcatórias são bastante claras. De
certa maneira, quando se fala sociologicamente em golpe militar, se supõe que tal ruptura também se dá pela
intromissão invasiva do campo da guerra no campo da política. A partir desse momento, e ainda que termos
como estado de exceção expliquem vários elementos jurídicos e políticos implícitos na gerência dos regimes
militares, é preciso levar em consideração também como categorias nativas do universo militar se desdobram
na sua forma de conduzir o Estado. Tomando este elemento em perspectiva, gostaria de tratar sobre uma nova
forma de guerra que apareceu nos últimos anos no repertório militar: a guerra híbrida. De forma resumida,
seu pressuposto é o do apagamento da fronteira entre guerra e política, tempo de guerra e tempo de paz,
estatal e não-estatal, e entre doméstico e estrangeiro. Trata-se, enfim, de considerar que todos esses
elementos estão em forma híbrida. Diante disso, cabe se perguntar como militares re-escalonaram sua própria
concepção do que seria um regime militar, golpe, etc, e se a noção de ruptura no tempo e espaço ainda é
viável nessa nova modalidade militar. Pretendo trazer algumas reflexões sobre este problema a partir de uma
perspectiva etnográfica sobre a ação política de militares no Brasil nos últimos 10 anos
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Sabrina Maria Gonçalves Luz Barros Bezerra (UFSCAR)
Resumo: Este trabalho propõe o exame do manejo das águas e de terras nos arquivos/acervos da Diocese de
Juazeiro-BA e da Sudene, como elementos que lançam luz para relações de forças empregadas no enfrentamento,
nas proposições e nas estratégias de desenvolvimento do Vale do Submédio São Francisco disparados após e em
razão da construção da barragem de Sobradinho-BA (1979). Trata-se da temática da minha pesquisa de mestrado
em curso; o seu argumento central, que venho desenhando, é que essas noções não foram postas ou mesmo
convocadas para os mesmos problemas de manejo no semiárido e, portanto, não foram acionadas para os mesmos
propósitos e efeitos nos arquivos. De um lado tem-se o acervo doado pela Sudene, que chamarei apenas de
acervo Sudene, constituído por materiais e documentos doados em 2021 e em 2023, sendo boa parte publicações
técnicas financiadas pela Superintendência para o delineamento das chamadas áreas de interesse, e seus
variações, e para a prospecção de estratégias de armazenamento e distribuição de água. Do outro o arquivo da
Diocese de Juazeiro que compreende o Acervo Dom José Rodrigues e o Arquivo da Comissão Pastoral da Terra
(CPT). Ambos correspondiam à biblioteca diocesana de Juazeiro criada em 19 de março de 1975 pelo então bispo
Dom José Rodrigues, inspirada nos Projetos de Educação Popular de Paulo Freire, para o enfrentamento dos
efeitos da barragem de Sobradinho. Pretendo defender que o manejar águas e terras apresenta e está posto
nesses arquivos em escalas e condições enunciativas diferentes de (re)composição, proposição e de ação numa
região em ebulição durante as décadas de 1970, 80 e 90. Da construção da barragem de Sobradinho produziu-se
o deslocamento de mais de 70.000 pessoas, ao passo em que possibilitou, direta e indiretamente, a extensão
de 93.900ha de terras irrigadas do polo Petrolina-PE e Juazeiro-BA. É com isso em mente que opero a abertura
dos arquivos/acervos, pelo que anima o esforço de considerar nos escritos encaixotados e, ora, expelidos,
condições em que forças distintas puderam enunciar - distintamente e conflitante - processos de manejo,
produção e cercamento da terra e da água por convocações e arranjos com discursos geográfico, antropológico,
técnico e dos agentes pastorais para compor a razão e a contra-razão desenvolvimentista. Por fim, este
trabalho está situado na fronteira entre a antropologia de/com arquivos e documentos e a do desenvolvimento,
além de estar imbuído na relação entre a antropologia e a história.
© 2024 Anais da 34ª Reunião Brasileira de Antropologia - 34RBA
Associação Brasileira de Antropologia - ABA