ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 102: Transições democráticas e controle social: repensando marcações temporais
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Coordenação
Desirée de Lemos Azevedo (UNIFESP), Adalton Jose Marques (UNIVASF)
Debatedor(a)
Liliana Sanjurjo (UERJ)

Resumo:
Dando continuidade aos trabalhos iniciados na RBA de 2020, o GT pretende reunir etnografias e pesquisas históricas que constroem delineamentos acerca de transições democráticas, desafiando marcações temporais convencionadas e preferindo tomá-las como problema de pesquisa. Como explicação a priori, o binômio democracia/ditadura, muitas vezes, impede-nos de pensar a respeito dos processos que ajuda a descrever e dos problemas que é capaz de ocultar em nossas pesquisas. Nesse sentido, a proposta visa colocar em debate trabalhos, de caráter conceitual e/ou de diferentes recortes empíricos, para provocar reflexões imprevistas em torno do mesmo problema teórico-político. Sem limitar os campos de investigação que poderão ser acolhidos, nos interessam trabalhos que problematizem questões como: 1) as implicações das leis de anistia e os silenciamentos impostos a atores sociais que sofreram violências durante a vigência de regimes ditatoriais, assim como a recepção de suas lutas reivindicativas de memória, verdade e justiça em democracia; 2) o caráter ambíguo de políticas humanitárias transicionais adotadas por países periféricos; 3) construções de fronteiras e distinções entre crime político e crime comum, e/ou entre segurança nacional e segurança pública, como mecanismos de controle social; e 4) a mobilização da guerra às drogas e a expansão penal como dispositivos centrais de combate às ilegalidades e controle das populações pobres (majoritariamente não-brancas) em democracia.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Exceção carcerária, uma poderosa afinidade entre Ditadura e Democracia: reabrindo arquivos sobre a política penal e a expansão carcerária no Brasil (1969-1978)
Adalton Marques (UNIVASF)
Resumo: Na contramão do debate sobre segurança pública que teorizou a relação entre a remoção do "entulho autoritário" produzido durante a Ditadura Civil-Militar e a "consolidação" democrática, este paper apresenta uma documentação inédita ou raramente mobilizada concernente à política penal produzida pelos governos de Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel com o objetivo de evidenciar que o problema da continuidade da Ditadura sobre a Democracia não pode ser teorizado sob bases binárias que reduzem o primeiro termo a traços autoritários e atribuem ao segundo a incumbência de desmontar a parafernália antidemocrática. A (re)abertura de arquivos dirigida por uma suspeita do presente permite notar que nos tornamos completamente despreparados para compreender que os governos militares foram capazes de produzir leis penais e decisões administrativas humanistas em favor das quais continuamos a lutar, em democracia. Como crítica às caracterizações generalistas dos períodos políticos e perspectivização do presente, este artigo aponta pistas que permitem pensar os modos pelos quais a exceção carcerária (funcionalmente dependente de seu reformismo humanista) se aclimata tanto às experiências ditatoriais quanto às democráticas de penalizar e punir.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Colonialismo, racismo e securitarismo, três aspectos fundamentais do marco temporal
Amarildo Ferreira Júnior (IFRR)
Resumo: Tomada como região de fronteira geopolítica e de expansão do capitalismo, a Amazônia e seus povos originários têm sido sujeitados a um longo processo de colonização e de incorporação e integração, inicialmente ao Estado português, ao qual esteve ligada como uma Colônia distinta do Brasil até o século XVII, e, posteriormente, ao próprio Estado brasileiro. Este trabalho tem como objetivo discutir a vinculação desse processo com a emergência da tese do marco temporal das terras indígenas e seus efeitos sobre os povos indígenas e os conflitos socioambientais na região. A partir do campo da antropologia histórica e da discussão do desenvolvimento e de sua crítica, apresento análise da referida tese e de seus papeis no modo de produção simbólica da sociedade brasileira e no repertório de instrumentos de apropriação territorial de suas classes dominantes. Desse modo, faço uma resenha histórica dos atos de Estado na Amazônia e da formação socioeconômica da região, tomando a construção de suas marcações temporais, fortemente caracterizadas por abordagens ciclícas e desenvolvimentistas, como problema de pesquisa. Em seguida, realizo a exegese do marco temporal a partir da avaliação de enunciações em diferentes espaços (discursos parlamentares e jurídicos, notícias, notas públicas, entre outros) com destaque ao colonialismo, ao racismo e ao securitarismo como três de seus aspectos fundamentais. Diante disso, verificamos que no núcleo da elaboração e da defesa da tese do marco temporal está o argumento de que tal condicionante garantiria segurança jurídica ao processo de demarcação de terras indígenas no país. Contudo, o mesmo discurso da segurança jurídica tem sido amplamente utilizado por representantes de setores do complexo agrocarbonohidromineral brasileiro para proteção de suas propriedades e interesses, os quais são sorrateiramente colocados como interesses do desenvolvimento da nação. Nesse contexto, a luta contra o marco temporal ganha os contornos de disputa pelo próprio estabelecimento do que é legítimo quando falamos em demarcação de terras indígenas e, consequentemente, dos conflitos socioambientais no país, em especial, para os fins deste trabalho, na Amazônia, o que torna necessário refletir, a partir das sínteses elaboradas, sobre as possibilidades de construção colaborativa de espaços de co-conceitualização e de desenvolvimento consequente de relações intersubjetivas e instrumentos políticos que ensejem in(ter)ferências na realidade histórico-social em relação aos elementos fundamentais da tese do marco temporal e às consequências do manuseio e do assédio securitário instituído pela coalização de pilhagem que a forjou e defende.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Territorialidade, segurança pública e crime no Rio de Janeiro
Antonio Carlos Rafael Barbosa (UFF)
Resumo: Na presente comunicação busco revisitar algumas reflexões sobre a produção discursiva e imagética das favelas e periferias do Rio de Janeiro como espaços da insegurança e do descontrole (em termos das garantias estatais), uma vez atravessados por modos de governo das condutas, contenção e contorno fronteiriço por parte de grupos milicianos e das chamadas facções do tráfico”. A isso podemos adicionar as operações policiais que criam territórios de exceção”, conduzidas pelos corpos especiais das Polícias Militar e Civil, mas hoje também realizadas pela PRF e PF; operações que visam a poda das pontas soltas de uma anomalia concebida como extirpável - como cansa de conclamar parte do jornalismo policial - se houver interesse político. Que tal tanatopolítica tenha como alvos privilegiados os corpos negros, é o que muitas vezes escapa às discussões sobre biopolítica e racismo e, no mesmo movimento, reforça o apagamento das lutas pelo reconhecimento da existência de territórios negros na cidade do Rio de Janeiro. E que tais operações sirvam para transformar tais localidades em campos de treinamento de uma elite de assassinos a serviço de interesses corporativos é muitas vezes esquecido (vamos borrar a partição dura entre legal/ilegal; vide escritório do crime”). A isso podemos adicionar, lá onde se misturam segurança nacional e segurança pública, as sucessivas experiências GLO na cidade do Rio de Janeiro. Tal produção enunciativa se deixa ver numa cascata de adjetivações: territórios do crime, minados, precarizados, marginais, territórios sob controle de grupos armados, entre outros. A cada uma delas corresponde um direcionamento dos problemas (e escalonada pressão política): seja por parte das análises acadêmicas; seja nos diagnósticos (que se querem propositivos) dos formuladores das políticas de segurança pública; seja nas justificativas e valorações policiais. Sem pretender expandir a análise para fora do Rio de Janeiro, contrastando com outros modos de territorialização, o quadro ganha ainda em complexidade ao considerar a passagem e composição entre tecnologias de poder: disciplinares”, com sua modelagem que fixa territórios fechados e faculta a passagem entre eles; e as tecnologias do controle ou da segurança”, que operam a partir de redes flexíveis e sobrepostas (o recente ENFOC, de Flávio Dino, sua preocupação com o crime que não respeita fronteiras, é exemplar nesse sentido; no cotidiano das ruas, as duras policiais em celulares também servem de exemplo da captura em rede como dispositivo micropolítico do controle). Todavia, tal discussão não pode prescindir, como lastro valorativo, ancoragem analítica e exigência política, das avaliações e lutas por parte de quem habita esses territórios”. E é daí que se começa.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Até tirar-lhes a vida: uma genealogia do auto de resistência
Evandro Cruz Silva (UNICAMP)
Resumo: O objetivo deste texto é o de aprofundar e relativizar as origens históricas do auto de resistência, forma discursiva fundamental para o Estado brasileiro e sua administração, cuja característica distintiva reside na produção de uma narrativa oficial de dizer que um civil só sofreu violência do Estado porque ele reagiu. O auto de resistência, portanto, desempenha um papel crucial na construção da chamada verdade jurídica e na fé pública acerca da narrativa policial. Para a base da nossa apresentação, nos utilizamos de duas técnicas de pesquisa: uma genealogia dos debates públicos sobre auto de resistência num período entre 1830 e 1980 dentro da Hemeroteca Digital Brasileira e uma revisão bibliográfica sistemática acerca de trabalhos acadêmicos brasileiros que mencionam a invenção ou origem do auto de resistência. Apoiando-se em pesquisa documental e inspirado no método genealógico, nesta apresentação, destacaremos duas evidências-chave que fundamentam nosso objeto central: o aumento na cobertura de notícias sobre o tema e o consenso gerado pela leitura do livro de Verani (1996). Sustentamos que, embora o conceito de "auto de resistência" não tenha sido criado nos anos 1960, foi nessa época que ele assumiu um papel central no cenário da polícia que mata. Utilizamos dois argumentos principais para embasar nossa posição. Primeiramente, confrontamos a interpretação de Verani sobre as origens do auto de resistência, ressaltando que tanto os profissionais do direito quanto a imprensa da época o consideravam uma inovação contemporânea para justificar a letalidade policial. Em segundo lugar, exploramos a sua origem nas práticas policiais cotidianas, especialmente ligadas aos grupos de extermínio, e como isso influenciou o surgimento de uma polícia política durante o período pós-1964. Nesse contexto, as fronteiras entre "segurança pública" e "segurança nacional" se tornaram cada vez mais difusas, permitindo a ampliação das atividades criminalizadas sob a narrativa do auto de resistência, utilizando-se da fé pública e da perspectiva do agente de segurança.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Mobilizações no atual governo Lula (PT) por reparação de crimes cometidos pelo Estado brasileiro entre os anos de 1964-1985
Evanielly Sheyla Velozo Silva (UERJ)
Resumo: Coletivos e grupos de militantes e familiares de pessoas que foram perseguidas, torturadas, que estão desaparecidas e/ou foram mortas devido a imposição da ditadura militar no Brasil entre os anos de 1964-1985 - e que agora também estão organizados em torno da Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia - vem pressionando o governo federal, especificamente o presidente Luiz Inácio (PT), Lula, para que a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) seja reinstalada e para que haja o cumprimento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV), instalada em 2011. No governo atual, e conforme seu mandato avança, o presidente sinaliza que não quer ficar remoendo o passado e veta a realização de atos críticos à ditadura militar no período em que serão completados 60 anos pós-golpe. Entretanto, é também neste mesmo mandato que a Comissão de Anistia, que retoma sua atuação após um período de esvaziamento durante o governo Jair Bolsonaro (2019-2022), deverá julgar os primeiros casos de reparação coletiva para as etnias Krenak (MG) e Guyraroká (MS), e julgar a demanda do grupo dos noves chineses”. Integrantes destas etnias e grupo foram torturados e/ou mortos durante a ditadura e a reparação coletiva servirá também para contar uma parte da história do país, com provas concretas sobre a sistematização do golpe militar. Sendo marcado por estas dissonâncias, o governo Lula tem sido repudiado entre militantes e familiares devido principalmente às frustrações, esperas e pelo não cumprimento de promessas de campanha. Por isso, o presente trabalho se ocupará de colher e apresentar algumas ações e reflexões dos militantes em relação aos avanços e retrocessos das suas demandas políticas durante o primeiro biênio do terceiro mandato do presidente Lula. É de interesse também acompanhar como o Estado brasileiro vem sendo manobrado pela atual gestão e quais as implicações das decisões tomadas por seus agentes na vida/militância de integrantes da Coalizão Brasil. É importante ressaltar que esta é uma pesquisa recente e sua principal pretensão é compartilhar com este grupo de trabalho a sua construção inicial, ou seja, as primeiras descrições acerca de um campo de estudos adensado e amplo. Compreendo que a contribuição desta pesquisa é fazer análises deste material empírico junto a conceitos e teorias antropológicas já etnografados sobre mobilização social, reparações, direitos humanos, violência de Estado e funcionamento de instituições públicas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ainda somos os mesmos? Ensinamentos e aprendizados sobre a Democracia Representativa em grupos familiares da classe trabalhadora.
Fernanda Agostinho (UNIFESP)
Resumo: Título da pesquisa: Ainda somos os mesmos? Ensinamentos e aprendizados sobre a Democracia Representativa em grupos familiares da classe trabalhadora. Orientador: Alexandre Barbosa Pereira Universidade: Universidade Federal de São Paulo - EFLCH Essa comunicação visa apresentar partes da pesquisa etnobiográfica grupos familiares da classe trabalhadora que objetiva mapear a transmissão de saberes e os aprendizados sobre democracia representativa entre sujeitos de diferentes gerações com ascendência direta em realização desde agosto de 2023. Para contemplar uma multiplicidade de subjetividades, compõe o grupo de pesquisa, 4 grupos familiares moradores de diferentes cidades de São Paulo, e entre os integrantes a faixa etária varia entre 10 e 90 anos com diversidade de gênero, racialidade, renda e posicionamento político. Sua elaboração se deu na experiência como professora no ensino escolar privado na cidade de Mogi das Cruzes, durante o ano de 2022. As crianças apresentavam a necessidade de falar sobre a eleição e, no meio disso, estava a pressão e vigilância realizada pelas famílias e a direção escolar para que o assunto não fosse abordado em sala de aula, afirmando que a educação política é de responsabilidade familiar. Ainda que as crianças fossem vistas como inaptas para falar sobre política, elas desenvolviam estratégias para lidar com o tema muito abordado entre elas. Considerando o 8 de janeiro de 2023, data que marcou ataque às instituições e funcionalidade da democracia representativa no Brasil, emergiu a necessidade de mapear formas de transmissão geracional de compreensões políticas, com foco na participação na democracia representativa – forma política obrigatória em uma cidadania regulada como a brasileira. Desenvolver uma etnobiografia com grupos familiares, se dá na busca por registrar memórias através de observar a profusão de relações subjetivas que ocorrem no momento da narrativa. Tal ato, acredito, garantirá um mapeamento de intersubjetividades das significações e estratégias na atuação política desenvolvidos em diferentes contextos sociais e históricos, e intercambiadas nos arranjos dos grupos familiares. A realização do campo de pesquisa tem sinalizado como tanto para o papel dos meios de informação e o acesso à educação quanto das questões de organização diárias definidas pelos campos de gênero, raça e classe influenciam no formato de educação política familiar. PALAVRAS CHAVE: DEMOCRACIA REPRESENTATIVA – FAMÍLIA – TRANSMISSÃO INTERGERACIONAL GONÇALVES, M. A., MARQUES, R., & CARDOSO, V. Z. (2012). Etnobiografia: subjetivação e etnografia. Rio de Janeiro: 7 letras. SILVA, M. G. (2017). Ferrazópolis: um bairro, duas gerações e a política. Tese de Doutorado. São Paulo: Faculdade de Educação da USP (FEUSP).

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Direitos humanos, transformações e continuidades: uma etnografia da Comissão de Direitos Humanos da Associação Brasileira de Antropologia
Gabriela Fortunato Castro (UNESP)
Resumo: O trabalho apresenta e discute a categoria direitos humanos inserida dentro do escopo da antropologia brasileira, especificamente na Comissão de Direitos Humanos da Associação Brasileira de Antropologia. Os dados foram construídos a partir de pesquisa bibliográfica, seguida da realização de entrevistas com alguns ex-coordenadores da Comissão de Direitos Humanos e ex-presidente da Associação Brasileira de Antropologia. Essa abordagem etnográfica tem foco em dois eixos: 1) descritivo: como a categoria direitos humanos tensiona o campo de saber antropológico, sendo necessário observar como tanto a antropologia quanto os direitos humanos, suplantando binarismos universalistas e relativistas, partem de narrativas centradas no espectro da colonialidade; 2) analítico: como a Comissão de Direitos Humanos da Associação Brasileira de Antropologia tem se configurado como um agente na antropologia brasileira contemporânea e, portanto, com ações perante o Estado e sociedade. O objetivo é evidenciar como a interlocução com antropólogas/os permitiu-me refletir sobre os limites e continuidades estabelecidos no diálogo da antropologia com os direitos humanos, este que foi observado como categoria nativa’, se adaptam de acordo com seu uso prático em relação ao contexto social, político, histórico e moral que é mobilizado. Busco refletir, centralmente, sobre o deslocamento dos direitos humanos, que por ser alvo de disputas, pode passar de categoria acusatória para categoria unificadora”, de categoria operatória para categoria de resistência”. Logo, não há política sem contradição e não há luta por direitos humanos que não pressupunha o conflito.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Violência, invisibilidade política e apagamento de rastros na República brasileira - anotações sobre a produção da memória sobre Canudos e os conselheristas
Joana da Silva Barros (UNIFESP)
Resumo: Canudos foi o primeiro enfrentamento armado da Repúblcia brasileira. Como tal construiu as marcas inaugurais e constitui a forma política pela qual o estado brasileiro, na sua fase/face de modernização, compreendeu e lidou com as revoltas populares ao longo deste século e meio. As formas do combate ao arraial do Belo Monte/Canudos que articulavam exército e polícias estaduais, não se resumiram ao enfrentamento armado e ao massacre da cidade conselherista: depois de rendida, Belo Monte foi queimada, seus habitantes degolados e a memória daquela revolta constante e sistematicamente apagada - seja pelo silenciamento sistemático em torno do massacre perpetrado, seja pela construção de uma narrativa da guerra contra Canudos como um dispositivo de instauração e consolidação do progresso, do desenvolvimento e da democracia contra a "barbárie da revolta conselherista". Este texto procura explorar as relações entre a construção do silenciamento do conflito, violência (em múltiplas dimensões) e a construção da democracia na passagem para a República, como mote e estratégia política que se firma como motor da construção e da formação social no período. Exploraremos para tal os relatos da Guerra contra Canudos deixados pelos descendentes dos Conselheristas, e um conjunto de imagens produzidas por fotógrafos aos longo de mais de 60 anos, contrapostos aos textos que se tornaram a versão ofocial do conflito, escritos por Euclides da Cunha, cotejados pelas imagens de Flávio de Barros. Busca-se explorar a hipótese de que a perpetuação de uma sociabilidade autoritária e violenta como a brasileira supõe a construção de um Outro em negativo, a um só tempo bárbaro, violento e invisível politicamente.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Entre Generais e Federais: a Secretária de Estado de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro!
Michel Cícero Magalhães de Melo (Aluno)
Resumo: A presente comunicação se trata de uma pesquisa incipiente onde pretendo refletir sobre a Secretária de Estado de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Nesta abordagem pretendo analisar os ocupantes dos cargos de Secretário de Segurança Pública no Rio de Janeiro desde a eleição de Leonel Brizola em 1982 até o governo de Claudio Castro que vence a eleição em 2022. A questão da segurança pública ocupa o imaginário social e estatal no Brasil. Por onde você vá, pessoas ocupam seu tempo para falar que uma rua está mais perigosa, que estão ocorrendo muitos furtos em certo local, que as leis penais no país são brandas com criminosos ou que a polícia prende e a justiça solta. No caso do Rio de Janeiro, tido por muitos como o cartão postal do Brasil, os jornais, a televisão, grupos de pesquisa e muitos outros segmentos sociais se detêm sobre a importância e os acontecimentos da área de segurança pública. Partindo desta ideia, tenho como enfoque uma secretária específica do Estado do Rio de Janeiro: a SESEG – Secretária de Estado de Segurança Pública, que é responsável por planejar e gerir as políticas de segurança pública do estado do Rio de Janeiro. Desde a eleição de 1982 até 2024, passaram-se 42 anos. Por quanto tempo a secretaria esteve ativa? Em que períodos ela foi extinta? Quais foram os seus secretários e que cargos públicos estes ocupavam antes da secretária? Há grupos hegemônicos? Que discursos foram proliferados pelos secretários quanto ao combate à criminalidade no Rio de Janeiro? Norteado por tais perguntas, pretendo revisitar o passado para pensar o presente. Entendo a SESEG como uma peça na construção e articulação das políticas de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, sendo fundamental para compreendermos as dinâmicas que se operam no campo da segurança pública a partir da sua posição política e dos atores que ocuparam e ocupam o posto de Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Mediações arquitetônicas no Rio de Janeiro: estratégias e procedimentos de controle, ordenamento e gestão de cidades e populações na década de 1990
Paulo Vitor Ferreira da Silva (SEEDUC)
Resumo: O campo da arquitetura e suas redes profissionais têm desempenhado funções mediadoras centrais no processo de formação do Estado brasileiro, principalmente através da elaboração de procedimentos de ordenamento e gestão de territórios e populações. Nesse sentido, meu objetivo é discutir sobre a participação dessas redes profissionais nas formas de governo das cidades e populações brasileiras a partir da década de 1990, tomando como objeto a atuação do departamento fluminense do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ) no Programa Favela-Bairro. Meu argumento é que olhar para a atuação local dessas redes profissionais elucida como a década de 1990 representa um momento ímpar para compreensão da guinada neoliberal nas formas de governo das cidades e populações brasileiras. Minha análise busca ir além do que é narrado pelos meus interlocutores como um momento de mudança de paradigma na política urbana possibilitada pelos marcos jurídicos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, no qual os programas de urbanização de favelas assumem o lugar das políticas de remoção. Por meio de entrevistas com arquitetos que fizeram parte do programa, análise de documentos e depoimentos públicos, procuro evidenciar a participação desses atores em uma série de arranjos e operações que, em última instância, visavam dar segurança às operações financeiras e parcerias pública-privadas que seriam realizadas na cidade: os procedimentos reunidos sob o guarda-chuva do Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro (PECRJ), a produção de consenso como parte das estratégias para intervenção urbana, o aporte de recursos para grandes projetos de desenvolvimento junto às agências transnacionais e a organização dos concursos para contratação de obras públicas do Programa Favela-Bairro.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Guerra híbrida e a zona cinzenta de tempo e espaço: o caso brasileiro (2014-2024)
Piero C Leirner (UFSCAR)
Resumo: Como sabemos pela nossa própria experiência brasileira, golpes militares são vistos como eventos com datas de início e, talvez de forma menos marcada, fim. Em todos os níveis de análise sociopolítica que se coloque, o golpe é visto como ruptura de algo. Assim, suas linhas demarcatórias são bastante claras. De certa maneira, quando se fala sociologicamente em golpe militar, se supõe que tal ruptura também se dá pela intromissão invasiva do campo da guerra no campo da política. A partir desse momento, e ainda que termos como estado de exceção expliquem vários elementos jurídicos e políticos implícitos na gerência dos regimes militares, é preciso levar em consideração também como categorias nativas do universo militar se desdobram na sua forma de conduzir o Estado. Tomando este elemento em perspectiva, gostaria de tratar sobre uma nova forma de guerra que apareceu nos últimos anos no repertório militar: a guerra híbrida. De forma resumida, seu pressuposto é o do apagamento da fronteira entre guerra e política, tempo de guerra e tempo de paz, estatal e não-estatal, e entre doméstico e estrangeiro. Trata-se, enfim, de considerar que todos esses elementos estão em forma híbrida”. Diante disso, cabe se perguntar como militares re-escalonaram sua própria concepção do que seria um regime militar”, golpe”, etc, e se a noção de ruptura no tempo e espaço ainda é viável nessa nova modalidade militar. Pretendo trazer algumas reflexões sobre este problema a partir de uma perspectiva etnográfica sobre a ação política de militares no Brasil nos últimos 10 anos

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Manejos da água e da terra em transformação nos arquivos da Diocese de Juazeiro-BA e da Sudene
Sabrina Maria Gonçalves Luz Barros Bezerra (UFSCAR)
Resumo: Este trabalho propõe o exame do manejo das águas e de terras nos arquivos/acervos da Diocese de Juazeiro-BA e da Sudene, como elementos que lançam luz para relações de forças empregadas no enfrentamento, nas proposições e nas estratégias de desenvolvimento do Vale do Submédio São Francisco disparados após e em razão da construção da barragem de Sobradinho-BA (1979). Trata-se da temática da minha pesquisa de mestrado em curso; o seu argumento central, que venho desenhando, é que essas noções não foram postas ou mesmo convocadas para os mesmos problemas de manejo no semiárido e, portanto, não foram acionadas para os mesmos propósitos e efeitos nos arquivos. De um lado tem-se o acervo doado pela Sudene, que chamarei apenas de acervo Sudene, constituído por materiais e documentos doados em 2021 e em 2023, sendo boa parte publicações técnicas financiadas pela Superintendência para o delineamento das chamadas áreas de interesse, e seus variações, e para a prospecção de estratégias de armazenamento e distribuição de água. Do outro o arquivo da Diocese de Juazeiro que compreende o Acervo Dom José Rodrigues e o Arquivo da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Ambos correspondiam à biblioteca diocesana de Juazeiro criada em 19 de março de 1975 pelo então bispo Dom José Rodrigues, inspirada nos Projetos de Educação Popular de Paulo Freire, para o enfrentamento dos efeitos da barragem de Sobradinho. Pretendo defender que o manejar águas e terras apresenta e está posto nesses arquivos em escalas e condições enunciativas diferentes de (re)composição, proposição e de ação numa região em ebulição durante as décadas de 1970, 80 e 90. Da construção da barragem de Sobradinho produziu-se o deslocamento de mais de 70.000 pessoas, ao passo em que possibilitou, direta e indiretamente, a extensão de 93.900ha de terras irrigadas do polo Petrolina-PE e Juazeiro-BA. É com isso em mente que opero a abertura dos arquivos/acervos, pelo que anima o esforço de considerar nos escritos encaixotados e, ora, expelidos, condições em que forças distintas puderam enunciar - distintamente e conflitante - processos de manejo, produção e cercamento da terra e da água por convocações e arranjos com discursos geográfico, antropológico, técnico e dos agentes pastorais para compor a razão e a contra-razão desenvolvimentista. Por fim, este trabalho está situado na fronteira entre a antropologia de/com arquivos e documentos e a do desenvolvimento, além de estar imbuído na relação entre a antropologia e a história.