Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 102: Transições democráticas e controle social: repensando marcações temporais
Territorialidade, segurança pública e crime no Rio de Janeiro
Na presente comunicação busco revisitar algumas reflexões sobre a produção discursiva e imagética das
favelas e periferias do Rio de Janeiro como espaços da insegurança e do descontrole (em termos das garantias
estatais), uma vez atravessados por modos de governo das condutas, contenção e contorno fronteiriço por
parte de grupos milicianos e das chamadas facções do tráfico. A isso podemos adicionar as operações
policiais que criam territórios de exceção, conduzidas pelos corpos especiais das Polícias Militar e Civil,
mas hoje também realizadas pela PRF e PF; operações que visam a poda das pontas soltas de uma anomalia
concebida como extirpável - como cansa de conclamar parte do jornalismo policial - se houver interesse
político. Que tal tanatopolítica tenha como alvos privilegiados os corpos negros, é o que muitas vezes
escapa às discussões sobre biopolítica e racismo e, no mesmo movimento, reforça o apagamento das lutas pelo
reconhecimento da existência de territórios negros na cidade do Rio de Janeiro. E que tais operações sirvam
para transformar tais localidades em campos de treinamento de uma elite de assassinos a serviço de
interesses corporativos é muitas vezes esquecido (vamos borrar a partição dura entre legal/ilegal; vide
escritório do crime). A isso podemos adicionar, lá onde se misturam segurança nacional e segurança pública,
as sucessivas experiências GLO na cidade do Rio de Janeiro. Tal produção enunciativa se deixa ver numa
cascata de adjetivações: territórios do crime, minados, precarizados, marginais, territórios sob controle de
grupos armados, entre outros. A cada uma delas corresponde um direcionamento dos problemas (e escalonada
pressão política): seja por parte das análises acadêmicas; seja nos diagnósticos (que se querem
propositivos) dos formuladores das políticas de segurança pública; seja nas justificativas e valorações
policiais. Sem pretender expandir a análise para fora do Rio de Janeiro, contrastando com outros modos de
territorialização, o quadro ganha ainda em complexidade ao considerar a passagem e composição entre
tecnologias de poder: disciplinares, com sua modelagem que fixa territórios fechados e faculta a passagem
entre eles; e as tecnologias do controle ou da segurança, que operam a partir de redes flexíveis e
sobrepostas (o recente ENFOC, de Flávio Dino, sua preocupação com o crime que não respeita fronteiras, é
exemplar nesse sentido; no cotidiano das ruas, as duras policiais em celulares também servem de exemplo da
captura em rede como dispositivo micropolítico do controle). Todavia, tal discussão não pode prescindir,
como lastro valorativo, ancoragem analítica e exigência política, das avaliações e lutas por parte de quem
habita esses territórios. E é daí que se começa.