ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 091: Religiões afro-brasileiras e mobilizações afrorreligiosas: enfoques etnográficos e metodológicos contemporâneos
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Coordenação
Ana Paula Mendes de Miranda (UFF), Stefania Capone (CNRS)

Resumo:
A ideia das religiões afro-brasileiras como patrimônio nacional é resultado da ação de sacerdotes e sacerdotisas, pesquisadores/as, gestores/as do patrimônio e militantes. Tal representação vem sendo posta em xeque devido aos ataques e atentados sofridos por essas religiões nas últimas décadas, em todo o país. O objetivo deste Grupo de Trabalho é contribuir para os estudos antropológicos a partir da análise contemporânea das religiões afro-brasileiras. Espera-se que sejam debatidos os estudos sobre as diferentes tradições fundantes - as matrizes africanas e indígenas, deram origem a diversas manifestações nos estados brasileiros, não se limitando aos cultos iorubanos; pesquisas voltadas para o impacto da transnacionalização religiosa que confronta as práticas locais aos cultos importados da Nigéria e de Cuba, transformando profundamente o campo afrorreligioso; os diálogos entre a religiosidade afro, a educação, as artes e as políticas de patrimônio; e os conflitos que se relacionam com as tradições cristãs (católica e protestante) e seus efeitos na construção da identidade da população brasileira e no desenvolvimento de uma mobilização afrorreligiosa. Pretende-se ainda priorizar a seleção de trabalhos que discutam os modos de fazer pesquisa de campo e a expansão das fronteiras, levando-se em consideração a difusão que as religiões de matriz africana têm vivenciado nos últimos anos se implantando em novos territórios (América Latina, Europa e Ásia).

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"Na Encruzilhada Do Mercado: Sagrado E Memória No Mercado Público De Porto Alegre"
Alicia Cima Rodriguez (IBGE)
Resumo: O Mercado Público é um dos locais mais importantes da cidade de Porto Alegre, localizado na área central, possui quatro entradas principais e os corredores se cruzam formando uma encruzilhada. No centro do local, segundo tradições do Batuque Gaúcho, foi assentada uma divindade Yorubá: o Bará do Mercado, orixá que recebe oferendas e saudações diariamente naquele espaço. Assentado por pessoas escravizadas durante a construção do prédio ou por Príncipe Custódio, príncipe oeste-africano que viveu parte de sua vida no Rio Grande do Sul no século XX, o fato é que, o assentamento da divindade potencializa a convergência sagrada do Mercado e os elos dos afro-religiosos com ele. Na encruzilhada, a morada de Bará é alimentada constantemente com saudações, moedas, pipocas, balas, palavras e mais uma série de oferendas que circulam a partir do cruzeiro. Ademais, ritualizações um pouco mais robustas também são frequentes, como a festa do Bará, os rituais de bate folhas, os rituais de passeio (ritual iniciático do Batuque), entre outras cerimônias e homenagens que envolvem o mosaico, uma marcação material que aponta publicamente para a presença da divindade. O comércio afro-religioso mediado pelas floras do Mercado, também movimenta trocas de produtos, conhecimentos e divulgações religiosas que tecem redes com os terreiros ou casas de religião da cidade. A pergunta que acompanhou esta pesquisa foi: como o sagrado se manifesta no cotidiano do Mercado Público de Porto Alegre? Este trabalho teve como objetivo analisar como as dimensões da memória e do sagrado se manifestam e se relacionam cotidianamente no Mercado Público. Foi realizada uma etnografia durante seis meses, indo a campo em média três vezes por semana, a etnografia contou com a descrição densa em diários de campo e a utilização de recursos audiovisuais para captar e refletir sobre as cenas do campo. Além disso, foram realizadas três entrevistas qualitativas semiestruturadas com Silvia de Iemanjá, religiosa que comercializa fitas e saquinhos repletos de axé em uma das entradas do Mercado, com Iara Rufino, única mercadeira negra do Mercado e com a Iyalorixá Vera Soares, mãe de santo e militante politicamente engajada. Em conclusão, atualmente Bará é um elo central nos processos de reterritorialização das populações negras em nível regional. Bará e o panteão de orixás africanos cultuados em uma Porto Alegre do século XXI são (re)feitos com o Mercado. Foi possível identificar e analisar que o sagrado manifesta-se de forma alargada, na encruzilhada, nas paredes, nas folhas, nos produtos, nos alimentos e ele é refeito através de rituais, encontros e celebrações que suscitam a memória coletiva negra que (re)territorializa o lugar.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Caminhos abertos para a reconstrução de um acervo sagrado
Ana Cecília Freitas de Oliveira (UFF)
Resumo: No dia 21 de setembro de 2020, o Acervo Nosso Sagrado, composto por peças de religiões afro-brasileiras, foi transferido do Museu da Polícia para o Museu da República. A transferência marcou o início de uma trajetória de acolhimento, cuidado e mudanças das representações simbólicas e culturais de suas narrativas. Até então, o acervo estava tombado sob o nome Coleção Magia Negra e as mais de 500 peças eram vistas como objetos apreendidos pela polícia carioca entre o final do século XIX e início do século XX. Dessa maneira, a presente pesquisa, fruto de um projeto PIBIC, tem como objetivo estudar os movimentos dos atores sociais para a reconstrução do acervo e os novos significados atribuídos às peças.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Representações de dor e sofrimento nas estratégias de preservação e resistência do território dos povos de terreiro
Andréia Soares Pinto (Gingauff)
Resumo: Este trabalho apresenta uma análise das relações conflituosas que se estabelecem entre os povos tradicionais religiões de matriz africana e os diversos atores sociais e políticos, com foco nas estratégias de instrumentos legais de disputa, acionados por essas comunidades tradicionais na resistência pela preservação de seus territórios. Dados de um levantamento feito em publicações de jornais, blogs, revistas e portais de notícias online, produzidos pelo grupo de pesquisa Ginga UFF, mostram o crescente interesse da mídia sobre esta temática, ao mesmo tempo em que as mobilizações políticas e sociais dos povos de terreiro se intensificam. Nas narrativas presentes nas publicações estão representações do terreiro como a materialização de corpos, sentidos e coisas produzidas em comunidade de acordo com tradições e preceitos culturais e religiosos. Assim como nas palavras de Roger Sansi (2013) ao falar sobre o processo de iniciação no candomblé, onde afirma que o santo é construído, tornado real no templo e no corpo”, o terreiro se constitui em corpo material e sagrado. As considerações iniciais da pesquisa em andamento indicam que as ameaças à permanência e existência de comunidades de terreiro em seus territórios não podem ser explicadas pelo um movimento natural das cidades em consequência do desenvolvimento urbano. Estudos de Feitosa Neto e Oliveira (2023) consideram que racismo religioso, neste contexto, é percebido a partir da participação ativa de grupos religiosos evangélico-pentecostais e neopentecostais, inseridos e atuantes tanto as esferas da administração pública, quanto dos grupos de domínio armado, com demonstram os trabalhos de Cristina Vital e Ana Paula Miranda, cujo objetivo comum seria a eliminação dessas formas de organização social e religiosa de tradições africana e afro-brasileira. A busca pelo reconhecimento desses territórios sagrados como patrimônios imateriais e materiais demanda um conjunto de práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas, até então pouco acionado por povos de terreiro. Entender e descrever a relação entre as pessoas e o terreiro, o sagrado e a sua materialidade, ajudam a contextualizar o campo de pesquisa para trabalhar com as representações de dor e sofrimento diante das ameaças e ações contra comunidades tradicionais de matriz africana.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
De uma busca ativa a construção de um sujeito político: o caso das religiões de matriz africana e afro-brasileira de Caruaru-PE.
Aristoteles Veloso da Silva Muniz (SEDUC)
Resumo: Em 2011, um grupo de jovens militantes assume uma secretaria na gestão municipal da cidade de Caruaru e dentro de sua estratégia de diálogo político democrático, inclusivo e participativo com os diversos atores político local, buscou de forma pioneira abrir um canal de diálogo com as lideranças das religiões de Matriz africana e afro-brasileira do município. Fui convidado para coordenar esse diálogo com a comunidade com o objetivo de mapear as casas, as lideranças e seus integrantes buscando abrir um espaço de participação e escuta para formulação de estratégias e ações políticas a partir das demandas indicadas neste diálogo. Cabe destacar que era a primeira vez na história da cidade, segundo lideranças mais antigas dos Terreiros, que tal abertura política havia acontecido. Realizamos o mapeamento, o levantamento de demandas e formulamos estratégias políticas com objetivos definidos pelo diálogo que foi estabelecido. Vimos surgir deste processo 04 associações de Terreiros que representam hoje, os interesses políticos deste grupo junto ao governo municipal da cidade. A luta pelo reconhecimento das demandas, que partiu de uma abertura do poder público junto as comunidades, possibilitou a construção de um sujeito político até então invisibilizado no cenário político local. Para tanto, busco na teoria do reconhecimento de Axel Honneth e Nancy Fraser a ferramenta conceitual no processo de compreensão e explicação desse movimento que, de antemão, entendo ter nascido de dentro do poder público, abrindo um diálogo que não foi iniciado por nenhuma liderança, nem integrante desta comunidade e que foi indispensável para o amadurecimento político e a construção de um sujeito coletivo que agora pauta e disputa a agenda política local com grupos religiosos majoritários e historicamente influenciadores da política local. A metodologia de pesquisa utilizada neste estudo é de natureza qualitativa e exploratória onde envolveu a interação entre o pesquisador e a comunidade aqui apresentada. Foram 04 anos de intensa interação entre o pesquisador/ator e a comunidade, onde iniciamos nossos primeiros contatos com apenas 02 Terreiros e conseguimos identificar 63 durante o primeiro ano de contato, e nenhuma associação ou entidade do tipo. De uma comunidade retraída e individualizada na comunicação com o poder público municipal, identificamos que o resultado deste processo de mobilização de dentro para fora do Estado, foi a formação de 04 associações representativas e articuladas que hoje, 2024, pautam dentro de suas limitações a política local e a inserção de sua agenda no debate e ações políticas do município.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A atuação da Defensoria Pública da União na assistência aos povos de terreiro: Uma discussão metodológica
Bruna Russel Salvador (UFF)
Resumo: A proposta de resumo deste trabalho é discutir algumas características metodológicas do trabalho que analisa a atuação das instituições públicas no atendimento e tratamento aos povos tradicionais de terreiro. A pesquisa, que vem sendo feita desde agosto de 2023, tem como objetivo investigar a Defensoria Pública da União (DPU) e como se caracteriza sua relação e atendimento voltado especificamente para comunidades tradicionais de matriz africana. A DPU foi criada a partir da Constituição de 1988 e tem como função a prestação integral e gratuita de assistência jurídica, judicial e extrajudicial ao cidadão carente. E, atende os povos de terreiro através dos Grupos de Trabalho (GTs). Os GTs buscam executar ações que exigem medidas imediatas para cessar violações de direito ou garantir direitos fundamentais para populações socialmente, organizacionalmente e informacionalmente vulnerabilizadas. No caso dos povos de terreiro, dois GTs podem atendê-los: os GT Comunidades Tradicionais e o GT Políticas Etnorraciais (GTPE). Os povos tradicionais de matriz africana são reconhecidos pela lei brasileira, se caracterizando por possuírem formas específicas de organização, e para sua reprodução cultural e religiosa necessitam ocupar um território e usar recursos naturais. Portanto, torna-se relevante uma discussão sobre os desafios metodológicos que se apresentam quando estamos preocupados em analisar o atendimento e relação de instituições públicas que lidam com povos de terreiro. Nesse sentido, uma parte da pesquisa tem sido feita com o acompanhamento de eventos públicos que possuem a participação ou a organização da DPU voltados para essa comunidade. Apresento aqui, a importância desses eventos públicos como uma área de fronteira que seria capaz de explicitar disputas e conflitos de interesse. A DPU é uma instituição que se coloca em muitos casos, contra as ações que têm o Estado como perpetrador de violações de direitos, ao mesmo tempo que é parte integrante e essencial da função jurisdicional desse Estado. Portanto, um dos desafios apresentados tem sido o de entender o processo de construção mútua, entre os atendidos, povos de terreiro e a instituição, DPU. Em que, essas populações são classificadas e vistas como vulnerabilizadas e de certa forma, precisam se construir como vulnerabilizadas para serem aptas a receber o atendimento. Pelo fato de a Defensoria ser uma instituição pública de acesso limitado, a entrada em campo demonstra ter seus próprios desafios. Por conta disso, o ponto principal de discussão é a abordagem escolhida para o trabalho etnográfico, voltada para o acompanhamento de eventos públicos que são capazes de demonstrar uma linguagem política específica para a assistência jurídica aos povos tradicionais de matriz africana.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"Arreda homem, que aí vem mulher": reflexões sobre sexualidade e transe a partir de terreiros de umbanda do interior de São Paulo
Bryan Henrique Pinto (UFSCAR)
Resumo: As religiões afro-brasileiras compõem um vasto universo de religiosidades, desde o candomblé da Bahia, como o xangô de Pernambuco, o batuque do Rio Grande do Sul, a umbanda, entre outras. Na literatura das ciências sociais, tais cultos foram estudados em diversas perspectivas. Dentro destes vastos estudos, a preocupação em compreender a umbanda em um escopo de transformações da sociedade brasileira está presente desde os primeiros estudos de Roger Bastide. Na década de 70, Renato Ortiz (1999[1978]) avança nos estudos sobre a umbanda como uma religião que busca sua brasilidade, que deseja ser brasileira, como forma de síntese de outras religiões, além do processo de embranquecimento dos cultos africanos realizado pela umbanda. Nos anos 90, Lísias Nogueira Negrão (1996) retoma este debate, mas de forma diferente, compreendendo a umbanda como uma religião que se desloca em dois polos, entre a cruz e a encruzilhada, por ser fruto da síntese do catolicismo, espiritismo e candomblé, as práticas umbandistas estariam ora mais próximas da encruzilhada-candomblé, ora mais próxima da cruz-catolicismo/espiritismo. A proposta para o grupo de trabalho visa refletir, a partir do desenvolvimento de minha pesquisa de mestrado com foco etnográfico em dois terreiros de umbanda de linhas diferentes, no interior de São Paulo, sobre as relações entre a sexualidade e o transe, investigando em quais sentidos a heteronormatividade interfere no transe, gerando uma recusa do transe com entidades femininas por parte dos homens heterossexuais. Tendo em vista que os estudos sobre as religiões afro-brasileiras e sexualidade costumam privilegiar o candomblé, analisando como a religião cria um espaço simbólico onde os homens homossexuais podem exercer papéis de poder, estando em altos níveis da hierarquia dos terreiros, até mesmo como babalorixás (Landes, 2002[1947]; Fry, 1982; Birman, 1995), algo incomum nas religiões cristãs que costumam excluir os homossexuais tanto do culto como da hierarquia religiosa. A construção da pesquisa em torno de um terreiro próximo do polo da cruz e de outro próximo do polo da encruzilhada não é desinteressada, busco compreender se há menor presença da heteronormatividade em terreiros mais próximos do candomblé, tendo em vista os diversos estudos sobre a maior aceitação da homossexualidade no candomblé. Sem dúvida, a pesquisa em campo coloca outros rumos para a pesquisa que não são previstos inicialmente. Realizando observação participante, notei homens entram em transe com orixás femininos, como Iemanjá, Oxum, Iansã, mas recusam o transe com Pombagira, entidade pertencente ao panteão da esquerda, relacionada com desejo e sexualidade, desse modo, me questiono se, talvez, estivesse diante de performances de gênero.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
AFRORRELIGIOSOS NAS PÓS-GRADUAÇÕES: o reconhecimento sócio-político e a mobilização pela visibilidade
Cleyde Rodrigues Amorim (UFES)
Resumo: Apresento aqui resultados da pesquisa etnográfica realizada durante estágio pós-doutoral (2021/22) a partir de trajetórias de estudantes e egressos de pós-graduação na área de ciências humanas, que se identificam como povos de terreiros e que obtiveram formação nos últimos 10 anos em cursos de ciências humanas. A pesquisa pautou-se pela interlocução com afrorreligiosas/os de 8 estados brasileiros e se constrói em perspectiva decolonial. Observamos que as ações afirmativas no ensino superior nos últimos 12 anos podem ter impactado positivamente adeptos de religiões afro-brasileiras, criando um ambiente mais favorável para as proposições de discussões e de pesquisas envolvendo as religiões de matriz africana. Entretanto, os relatos apontam para inúmeras evidências do racismo religioso e epistêmico, e também para a sobreposição de discriminações no ambiente acadêmico (raça, gênero, e outras). Nesse contexto, nossos interlocutores afrorreligiosos construíram diferentes estratégias de enfrentamento, buscando o reconhecimento sócio-político nas instituições em que estiveram em formação acadêmica. Também discutimos neste estudo sobre como os afrorreligiosos atuaram diante dos conflitos entre os diferentes tipos de saber (tradicional e o acadêmico), e, por outro lado, como esta formação acadêmica interferiu na constituição destes sujeitos junto às suas comunidades e na mobilização pela visibilidade das religiões de matriz africana.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"Nem tão familiar assim": Reflexões metodológicas sobre o lugar do pesquisador-êmico no terreiro Filhos de Oba(SE)
Leonardo Vieira Silva (UFF)
Resumo: O presente trabalho visa trazer reflexões metodológicas da etnografia realizada no terreiro Filhos de Obá, Laranjeiras–SE, sendo o pesquisador pertencente ao campo”, quais foram os acessos e limites impostos a ele, tendo em vista a dinâmica desta comunidade. Ressalto que a etnografia teve como objetivo compreender as formas de organização política do terreiro Filhos de Obá no processo de garantia de direitos. Desde o final do século XIX as religiões afro-brasileiras têm sido objeto de interesse dos antropólogos, sejam eles brasileiros ou estrangeiros. Muito embora ao longo dos anos tenha se construído um senso comum acadêmico de que para quem está dentro é mais fácil”, ou seja, esta pessoa teria acesso quase que ilimitado ao campo. Neste trabalho trago a problematização de que pertencer ao campo é uma classificação redutora da questão. Uma vez que os povos tradicionais de terreiro são detentores de uma diversidade étnica-religiosa. Diante disso, ser pertencente ou liderança de um segmento não confere ao mesmo conhecimento pleno sobre todas as nações, Axés, linhagens, ramas e famílias existentes dentro dessa cosmologia. Neste trabalho, tomo como ponto de analise, o lugar da liderança de um segmento. Uma vez que sujeito ocupa uma posição dentro da hierarquia, que é reconhecido por todos os segmentos das religiões afro-brasileiras. Isto posto, o passo seguinte é a construção dos acessos, cuja constituição faz emergir os limites. Desta forma, não é possível pensar acessos sem pensar também os limites postos ao pesquisador-êmico durante o trabalho de campo. Finalizo o trabalho tendo como perspectiva metodológica que o contexto etnográfico em questão fez com que repensasse o senso comum sobre o lugar do pesquisador-êmico nesta etnografia. Explícita ainda que o distanciamento é presente no campo, seja ele adotado pelos interlocutores do campo, quando limitam as ações do pesquisador. Assim como do próprio pesquisador que precisa se distanciar do aprendizado que ele detém, para aprender e compreender os conhecimentos que emergem durante a realização do trabalho de campo.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Recontando a história do nagô alagoano: a mobilização afro-religiosa e o processo de tombamento da coleção perseverança.
Matheus Winicius Silva Alves (UFAL)
Resumo: As reflexões aqui presentes decorrem de um estudo em andamento que visa colaborar para construção de um novo entendimento das religiões afro-brasileiras praticadas no estado de Alagoas. Visto que, nas entranhas da memória alagoana, reside uma ferida aberta de um dos episódios mais violentos que acometeram os terreiros e comunidades afro-religiosas do estado, período batizado popularmente como Quebra de Xangô, iniciado em 1912, que demarcou os sucessivos crimes acometidos aos terreiros que foram invadidos, violados e perseguidos até os dias atuais. Por consequência, as práticas afro-religiosas encontradas no estado são marcadas por um expressivo período de silenciamento e necessidade de reelaboração dos ritos. Como contrapartida, a mobilização de sacerdotes e sacerdotisas possibilitou a criação de uma rede composta por uma coletividade de grupos religiosos, militantes, representantes do Estado e pesquisadores empenhados em reconstruir uma narrativa acerca das religiões e suas práticas a partir dos sujeitos que a compõem, de modo a romper com a imagem negativa historicamente construída. Ocorre atualmente uma discussão acerca dos patrimônios culturais oriundos do candomblé e umbanda do estado. Dentre eles, encontra-se a Coleção Perseverança, composta de objetos religiosos roubados dos terreiros durante o episódio de 1912, que está em posse do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL). Tem sido tramitado a nível federal a proposta de tombamento desta coleção através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN/AL), o que resultou na mobilização e participação ativa das mais variadas camadas da sociedade civil. Os dados aqui contidos são frutos de um atencioso levantamento bibliográfico que tem sido elaborado durante a minha pesquisa de mestrado, bem como do trabalho de campo nas audiências públicas e momentos de reuniões que viabilizaram o processo de pedido de tombamento. Estimo estabelecer um diálogo profícuo através da participação no GT com a finalidade de circular os dados iniciais desta pesquisa, buscando romper com as narrativas estigmatizadas e positivistas pactuadas pela elite alagoana acerca dos xangôs do estado.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Em busca da identidade religiosa nos Candomblés: uma experiência de trânsito religioso entre jovens negros em Salvador-BA
Mossi Kuami Anoumou (UFBA)
Resumo: Ser negro no Brasil faz parte das dificuldades que enfrentam a maior parte da juventude negra. Com a ajuda da pastoral afro dentro da Igreja Católica, os jovens do bairro de Sussuarana em Salvador da Bahia conseguiram superar essa dificuldade, aceitando e assumindo a sua negritude, ou seja, a sua identidade negra. No entanto, dentro do próprio espaço religioso surge uma nova dificuldade: ser negro na Igreja. A descoberta da negritude parecia estar em dicotomia com as normas da Igreja e colocava-se o novo desafio de saber como a identidade negra poderia ganhar corpo e cor também nesse espaço. Trata-se de incluir os elementos diacríticos como tranças, turbante, vestimentas, penteados e alguns símbolos da religião de matrizes africanas como danças, tambor, músicas… Como esse novo jeito de ser e de viver a fé católica diverge das normas da Igreja, isso gerou conflito e acarretou a saída para outra experiência religiosa: o Candomblé como lugar perfeito de resgate da identidade negra. A identificação com o afro é realçada, não permitindo mais que esses jovens aceitem outras identidades e símbolos que não contemplem ou rechacem os valores africanos. Dalí surge a seguinte pergunta: será que o caminho necessário e inevitável de um jovem que se reconhece como negro ou negra, necessariamente, termina no candomblé? Essa apresentação, que é fruto de uma pesquisa de campo durante o mestrado, aborda algumas motivações que levam a juventude negra católica a adentrarem no Candomblé.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Incursões iniciais sobre o passeio do batuque gaúcho na região metropolitana de Porto Alegre
Rafael Cristaldo da Silva (UFRGS)
Resumo: No dia 18 de janeiro de 2020, foi publicado na plataforma Facebook um vídeo que mostra um impasse entre um pai de santo e o porteiro do Santuário Nossa Senhora do Rosário de Porto Alegre/RS. Na ocasião, Pai Maninho de Ogum, de Canoas/RS, e seus filhos, que estavam no Santuário para cumprir parte do ritual passeio, foram impedidos de subir ao altar principal da igreja. Em um primeiro momento inspirado pela abordagem material da religião, o vídeo desencadeou uma pesquisa sobre como os corpos batuqueiros ocupam o Santuário e o que acontece lá dentro. Observamos que há, grosso modo, dois modos polos quais os grupos circulam no Santuário: ou ficam sentados em um dos bancos ou percorrem os múltiplos altares da igreja em ordem anti-horária. Depois de mais desenvolvimento, a pesquisa tem dois enfoques: um sobre o que é o passeio e porque ele ocorre (seu papel dentro da religião) e outro sobre como diferentes pais de santo fazem diferentes passeios e quais são as suas experiências. Para isso, além de recorrer a uma bibliografia inicial, entrevistamos alguns sacerdotes do batuque sobre como eles realizam o passeio e por que e quando o ritual ocorre. Essa é uma pesquisa que se desenrolou em um ano de iniciação científica e que, agora, no mestrado, queremos ampliar para todo o passeio, além do Santuário do Rosário.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"Acima das nuvens e abaixo dos céus": uma análise da cosmologia dos encantados no tambor de mina em São Paulo
Yasmin Estrela (USP)
Resumo: Esta pesquisa tem por objetivo investigar a cosmologia dos encantados”, uma categoria específica de entidades que teve origem na região amazônica, mas hoje se encontra difundida em várias cidades do Brasil, inclusive naquelas mais urbanizadas, como São Paulo. Segundo os religiosos, o encantado é uma divindade que tendo vivido na terra não passou pelo processo de morte, se encantou”. Este processo de encantamento ocorre em diversos espaços da natureza, como rios, praias e florestas, criando um espaço mitológico chamado encantaria”, localizado, ainda segundo os religiosos, acima das nuvens e abaixo dos céus”. Neste sentido, o encantado coloca em perspectiva algumas categorias sociais fundamentais como vida e morte, por não estarem localizados em nenhuma das duas lógicas, ou tempo e espaço, por estarem associados a um tempo fora do tempo e a um espaço mítico (encantaria) que embora possa se referir a lugares geograficamente identificáveis (como rios e florestas) fazem alusão a eles enquanto portais ou passagens para outras dimensões cosmológicas. A pesquisa atualmente está em desenvolvimento trabalhando com esta categoria de entidades na cidade de São Paulo trazida de Belém do Pará por Pai Francelino de Xapanã, primeiro fundador da Casa de Minas de Thoya Jarina atualmente dirigida por Márcio Adriano. Com base nos dados bibliográficos e de campo, temos uma nova perspectiva destas entidades ao chegarem na capital paulista partindo de uma ideia de noção de pessoa, no qual uma mesma categoria de entidades possui um comportamento em seus cavalos em determinadas regiões. Investigar a cosmologia e a adaptação destas entidades torna-se fundamental para compreender a difusão e as mudanças culturais que estas religiosidades apresentam ao transitarem por diferentes territórios.