Grupos de Trabalho (GT)
GT 091: Religiões afro-brasileiras e mobilizações afrorreligiosas: enfoques etnográficos e metodológicos contemporâneos
Coordenação
Ana Paula Mendes de Miranda (UFF), Stefania Capone (CNRS)
Resumo:
A ideia das religiões afro-brasileiras como patrimônio nacional é resultado da ação de sacerdotes e sacerdotisas, pesquisadores/as, gestores/as do patrimônio e militantes. Tal representação vem sendo posta em xeque devido aos ataques e atentados sofridos por essas religiões nas últimas décadas, em todo o país.
O objetivo deste Grupo de Trabalho é contribuir para os estudos antropológicos a partir da análise contemporânea das religiões afro-brasileiras. Espera-se que sejam debatidos os estudos sobre as diferentes tradições fundantes - as matrizes africanas e indígenas, deram origem a diversas manifestações nos estados brasileiros, não se limitando aos cultos iorubanos; pesquisas voltadas para o impacto da transnacionalização religiosa que confronta as práticas locais aos cultos importados da Nigéria e de Cuba, transformando profundamente o campo afrorreligioso; os diálogos entre a religiosidade afro, a educação, as artes e as políticas de patrimônio; e os conflitos que se relacionam com as tradições cristãs (católica e protestante) e seus efeitos na construção da identidade da população brasileira e no desenvolvimento de uma mobilização afrorreligiosa. Pretende-se ainda priorizar a seleção de trabalhos que discutam os modos de fazer pesquisa de campo e a expansão das fronteiras, levando-se em consideração a difusão que as religiões de matriz africana têm vivenciado nos últimos anos se implantando em novos territórios (América Latina, Europa e Ásia).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Alicia Cima Rodriguez (IBGE)
Resumo: O Mercado Público é um dos locais mais importantes da cidade de Porto Alegre, localizado na área
central, possui quatro entradas principais e os corredores se cruzam formando uma encruzilhada. No centro do
local, segundo tradições do Batuque Gaúcho, foi assentada uma divindade Yorubá: o Bará do Mercado, orixá que
recebe oferendas e saudações diariamente naquele espaço. Assentado por pessoas escravizadas durante a
construção do prédio ou por Príncipe Custódio, príncipe oeste-africano que viveu parte de sua vida no Rio
Grande do Sul no século XX, o fato é que, o assentamento da divindade potencializa a convergência sagrada do
Mercado e os elos dos afro-religiosos com ele.
Na encruzilhada, a morada de Bará é alimentada constantemente com saudações, moedas, pipocas, balas,
palavras e mais uma série de oferendas que circulam a partir do cruzeiro. Ademais, ritualizações um pouco
mais robustas também são frequentes, como a festa do Bará, os rituais de bate folhas, os rituais de passeio
(ritual iniciático do Batuque), entre outras cerimônias e homenagens que envolvem o mosaico, uma marcação
material que aponta publicamente para a presença da divindade. O comércio afro-religioso mediado pelas
floras do Mercado, também movimenta trocas de produtos, conhecimentos e divulgações religiosas que tecem
redes com os terreiros ou casas de religião da cidade.
A pergunta que acompanhou esta pesquisa foi: como o sagrado se manifesta no cotidiano do Mercado Público de
Porto Alegre? Este trabalho teve como objetivo analisar como as dimensões da memória e do sagrado se
manifestam e se relacionam cotidianamente no Mercado Público. Foi realizada uma etnografia durante seis
meses, indo a campo em média três vezes por semana, a etnografia contou com a descrição densa em diários de
campo e a utilização de recursos audiovisuais para captar e refletir sobre as cenas do campo. Além disso,
foram realizadas três entrevistas qualitativas semiestruturadas com Silvia de Iemanjá, religiosa que
comercializa fitas e saquinhos repletos de axé em uma das entradas do Mercado, com Iara Rufino, única
mercadeira negra do Mercado e com a Iyalorixá Vera Soares, mãe de santo e militante politicamente engajada.
Em conclusão, atualmente Bará é um elo central nos processos de reterritorialização das populações negras em
nível regional. Bará e o panteão de orixás africanos cultuados em uma Porto Alegre do século XXI são
(re)feitos com o Mercado. Foi possível identificar e analisar que o sagrado manifesta-se de forma alargada,
na encruzilhada, nas paredes, nas folhas, nos produtos, nos alimentos e ele é refeito através de rituais,
encontros e celebrações que suscitam a memória coletiva negra que (re)territorializa o lugar.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ana Cecília Freitas de Oliveira (UFF)
Resumo: No dia 21 de setembro de 2020, o Acervo Nosso Sagrado, composto por peças de religiões afro-brasileiras,
foi transferido do Museu da Polícia para o Museu da República. A transferência marcou o início de uma
trajetória de acolhimento, cuidado e mudanças das representações simbólicas e culturais de suas narrativas.
Até então, o acervo estava tombado sob o nome Coleção Magia Negra e as mais de 500 peças eram vistas como
objetos apreendidos pela polícia carioca entre o final do século XIX e início do século XX. Dessa maneira, a
presente pesquisa, fruto de um projeto PIBIC, tem como objetivo estudar os movimentos dos atores sociais
para a reconstrução do acervo e os novos significados atribuídos às peças.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Andréia Soares Pinto (Gingauff)
Resumo: Este trabalho apresenta uma análise das relações conflituosas que se estabelecem entre os povos
tradicionais religiões de matriz africana e os diversos atores sociais e políticos, com foco nas estratégias
de instrumentos legais de disputa, acionados por essas comunidades tradicionais na resistência pela
preservação de seus territórios. Dados de um levantamento feito em publicações de jornais, blogs, revistas e
portais de notícias online, produzidos pelo grupo de pesquisa Ginga UFF, mostram o crescente interesse da
mídia sobre esta temática, ao mesmo tempo em que as mobilizações políticas e sociais dos povos de terreiro
se intensificam. Nas narrativas presentes nas publicações estão representações do terreiro como a
materialização de corpos, sentidos e coisas produzidas em comunidade de acordo com tradições e preceitos
culturais e religiosos. Assim como nas palavras de Roger Sansi (2013) ao falar sobre o processo de iniciação
no candomblé, onde afirma que o santo é construído, tornado real no templo e no corpo, o terreiro se
constitui em corpo material e sagrado. As considerações iniciais da pesquisa em andamento indicam que as
ameaças à permanência e existência de comunidades de terreiro em seus territórios não podem ser explicadas
pelo um movimento natural das cidades em consequência do desenvolvimento urbano. Estudos de Feitosa Neto e
Oliveira (2023) consideram que racismo religioso, neste contexto, é percebido a partir da participação ativa
de grupos religiosos evangélico-pentecostais e neopentecostais, inseridos e atuantes tanto as esferas da
administração pública, quanto dos grupos de domínio armado, com demonstram os trabalhos de Cristina Vital e
Ana Paula Miranda, cujo objetivo comum seria a eliminação dessas formas de organização social e religiosa de
tradições africana e afro-brasileira. A busca pelo reconhecimento desses territórios sagrados como
patrimônios imateriais e materiais demanda um conjunto de práticas, representações, expressões,
conhecimentos e técnicas, até então pouco acionado por povos de terreiro. Entender e descrever a relação
entre as pessoas e o terreiro, o sagrado e a sua materialidade, ajudam a contextualizar o campo de pesquisa
para trabalhar com as representações de dor e sofrimento diante das ameaças e ações contra comunidades
tradicionais de matriz africana.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Aristoteles Veloso da Silva Muniz (SEDUC)
Resumo: Em 2011, um grupo de jovens militantes assume uma secretaria na gestão municipal da cidade de Caruaru e
dentro de sua estratégia de diálogo político democrático, inclusivo e participativo com os diversos atores
político local, buscou de forma pioneira abrir um canal de diálogo com as lideranças das religiões de Matriz
africana e afro-brasileira do município. Fui convidado para coordenar esse diálogo com a comunidade com o
objetivo de mapear as casas, as lideranças e seus integrantes buscando abrir um espaço de participação e
escuta para formulação de estratégias e ações políticas a partir das demandas indicadas neste diálogo. Cabe
destacar que era a primeira vez na história da cidade, segundo lideranças mais antigas dos Terreiros, que
tal abertura política havia acontecido. Realizamos o mapeamento, o levantamento de demandas e formulamos
estratégias políticas com objetivos definidos pelo diálogo que foi estabelecido. Vimos surgir deste processo
04 associações de Terreiros que representam hoje, os interesses políticos deste grupo junto ao governo
municipal da cidade. A luta pelo reconhecimento das demandas, que partiu de uma abertura do poder público
junto as comunidades, possibilitou a construção de um sujeito político até então invisibilizado no cenário
político local. Para tanto, busco na teoria do reconhecimento de Axel Honneth e Nancy Fraser a ferramenta
conceitual no processo de compreensão e explicação desse movimento que, de antemão, entendo ter nascido de
dentro do poder público, abrindo um diálogo que não foi iniciado por nenhuma liderança, nem integrante desta
comunidade e que foi indispensável para o amadurecimento político e a construção de um sujeito coletivo que
agora pauta e disputa a agenda política local com grupos religiosos majoritários e historicamente
influenciadores da política local. A metodologia de pesquisa utilizada neste estudo é de natureza
qualitativa e exploratória onde envolveu a interação entre o pesquisador e a comunidade aqui apresentada.
Foram 04 anos de intensa interação entre o pesquisador/ator e a comunidade, onde iniciamos nossos primeiros
contatos com apenas 02 Terreiros e conseguimos identificar 63 durante o primeiro ano de contato, e nenhuma
associação ou entidade do tipo. De uma comunidade retraída e individualizada na comunicação com o poder
público municipal, identificamos que o resultado deste processo de mobilização de dentro para fora do
Estado, foi a formação de 04 associações representativas e articuladas que hoje, 2024, pautam dentro de suas
limitações a política local e a inserção de sua agenda no debate e ações políticas do município.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Bruna Russel Salvador (UFF)
Resumo: A proposta de resumo deste trabalho é discutir algumas características metodológicas do trabalho que
analisa a atuação das instituições públicas no atendimento e tratamento aos povos tradicionais de terreiro.
A pesquisa, que vem sendo feita desde agosto de 2023, tem como objetivo investigar a Defensoria Pública da
União (DPU) e como se caracteriza sua relação e atendimento voltado especificamente para comunidades
tradicionais de matriz africana. A DPU foi criada a partir da Constituição de 1988 e tem como função a
prestação integral e gratuita de assistência jurídica, judicial e extrajudicial ao cidadão carente. E,
atende os povos de terreiro através dos Grupos de Trabalho (GTs).
Os GTs buscam executar ações que exigem medidas imediatas para cessar violações de direito ou garantir
direitos fundamentais para populações socialmente, organizacionalmente e informacionalmente
vulnerabilizadas. No caso dos povos de terreiro, dois GTs podem atendê-los: os GT Comunidades Tradicionais e
o GT Políticas Etnorraciais (GTPE). Os povos tradicionais de matriz africana são reconhecidos pela lei
brasileira, se caracterizando por possuírem formas específicas de organização, e para sua reprodução
cultural e religiosa necessitam ocupar um território e usar recursos naturais.
Portanto, torna-se relevante uma discussão sobre os desafios metodológicos que se apresentam quando estamos
preocupados em analisar o atendimento e relação de instituições públicas que lidam com povos de terreiro.
Nesse sentido, uma parte da pesquisa tem sido feita com o acompanhamento de eventos públicos que possuem a
participação ou a organização da DPU voltados para essa comunidade. Apresento aqui, a importância desses
eventos públicos como uma área de fronteira que seria capaz de explicitar disputas e conflitos de interesse.
A DPU é uma instituição que se coloca em muitos casos, contra as ações que têm o Estado como perpetrador de
violações de direitos, ao mesmo tempo que é parte integrante e essencial da função jurisdicional desse
Estado. Portanto, um dos desafios apresentados tem sido o de entender o processo de construção mútua, entre
os atendidos, povos de terreiro e a instituição, DPU. Em que, essas populações são classificadas e vistas
como vulnerabilizadas e de certa forma, precisam se construir como vulnerabilizadas para serem aptas a
receber o atendimento.
Pelo fato de a Defensoria ser uma instituição pública de acesso limitado, a entrada em campo demonstra ter
seus próprios desafios. Por conta disso, o ponto principal de discussão é a abordagem escolhida para o
trabalho etnográfico, voltada para o acompanhamento de eventos públicos que são capazes de demonstrar uma
linguagem política específica para a assistência jurídica aos povos tradicionais de matriz africana.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Bryan Henrique Pinto (UFSCAR)
Resumo: As religiões afro-brasileiras compõem um vasto universo de religiosidades, desde o candomblé da Bahia,
como o xangô de Pernambuco, o batuque do Rio Grande do Sul, a umbanda, entre outras. Na literatura das
ciências sociais, tais cultos foram estudados em diversas perspectivas. Dentro destes vastos estudos, a
preocupação em compreender a umbanda em um escopo de transformações da sociedade brasileira está presente
desde os primeiros estudos de Roger Bastide. Na década de 70, Renato Ortiz (1999[1978]) avança nos estudos
sobre a umbanda como uma religião que busca sua brasilidade, que deseja ser brasileira, como forma de
síntese de outras religiões, além do processo de embranquecimento dos cultos africanos realizado pela
umbanda. Nos anos 90, Lísias Nogueira Negrão (1996) retoma este debate, mas de forma diferente,
compreendendo a umbanda como uma religião que se desloca em dois polos, entre a cruz e a encruzilhada, por
ser fruto da síntese do catolicismo, espiritismo e candomblé, as práticas umbandistas estariam ora mais
próximas da encruzilhada-candomblé, ora mais próxima da cruz-catolicismo/espiritismo.
A proposta para o grupo de trabalho visa refletir, a partir do desenvolvimento de minha pesquisa de mestrado
com foco etnográfico em dois terreiros de umbanda de linhas diferentes, no interior de São Paulo, sobre as
relações entre a sexualidade e o transe, investigando em quais sentidos a heteronormatividade interfere no
transe, gerando uma recusa do transe com entidades femininas por parte dos homens heterossexuais. Tendo em
vista que os estudos sobre as religiões afro-brasileiras e sexualidade costumam privilegiar o candomblé,
analisando como a religião cria um espaço simbólico onde os homens homossexuais podem exercer papéis de
poder, estando em altos níveis da hierarquia dos terreiros, até mesmo como babalorixás (Landes, 2002[1947];
Fry, 1982; Birman, 1995), algo incomum nas religiões cristãs que costumam excluir os homossexuais tanto do
culto como da hierarquia religiosa. A construção da pesquisa em torno de um terreiro próximo do polo da cruz
e de outro próximo do polo da encruzilhada não é desinteressada, busco compreender se há menor presença da
heteronormatividade em terreiros mais próximos do candomblé, tendo em vista os diversos estudos sobre a
maior aceitação da homossexualidade no candomblé.
Sem dúvida, a pesquisa em campo coloca outros rumos para a pesquisa que não são previstos inicialmente.
Realizando observação participante, notei homens entram em transe com orixás femininos, como Iemanjá, Oxum,
Iansã, mas recusam o transe com Pombagira, entidade pertencente ao panteão da esquerda, relacionada com
desejo e sexualidade, desse modo, me questiono se, talvez, estivesse diante de performances de gênero.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Cleyde Rodrigues Amorim (UFES)
Resumo: Apresento aqui resultados da pesquisa etnográfica realizada durante estágio pós-doutoral (2021/22) a
partir de trajetórias de estudantes e egressos de pós-graduação na área de ciências humanas, que se
identificam como povos de terreiros e que obtiveram formação nos últimos 10 anos em cursos de ciências
humanas. A pesquisa pautou-se pela interlocução com afrorreligiosas/os de 8 estados brasileiros e se
constrói em perspectiva decolonial. Observamos que as ações afirmativas no ensino superior nos últimos 12
anos podem ter impactado positivamente adeptos de religiões afro-brasileiras, criando um ambiente mais
favorável para as proposições de discussões e de pesquisas envolvendo as religiões de matriz africana.
Entretanto, os relatos apontam para inúmeras evidências do racismo religioso e epistêmico, e também para a
sobreposição de discriminações no ambiente acadêmico (raça, gênero, e outras). Nesse contexto, nossos
interlocutores afrorreligiosos construíram diferentes estratégias de enfrentamento, buscando o
reconhecimento sócio-político nas instituições em que estiveram em formação acadêmica. Também discutimos
neste estudo sobre como os afrorreligiosos atuaram diante dos conflitos entre os diferentes tipos de saber
(tradicional e o acadêmico), e, por outro lado, como esta formação acadêmica interferiu na constituição
destes sujeitos junto às suas comunidades e na mobilização pela visibilidade das religiões de matriz
africana.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Leonardo Vieira Silva (UFF)
Resumo: O presente trabalho visa trazer reflexões metodológicas da etnografia realizada no terreiro Filhos de
Obá, LaranjeirasSE, sendo o pesquisador pertencente ao campo, quais foram os acessos e limites impostos a
ele, tendo em vista a dinâmica desta comunidade. Ressalto que a etnografia teve como objetivo compreender as
formas de organização política do terreiro Filhos de Obá no processo de garantia de direitos. Desde o final
do século XIX as religiões afro-brasileiras têm sido objeto de interesse dos antropólogos, sejam eles
brasileiros ou estrangeiros. Muito embora ao longo dos anos tenha se construído um senso comum acadêmico de
que para quem está dentro é mais fácil, ou seja, esta pessoa teria acesso quase que ilimitado ao campo.
Neste trabalho trago a problematização de que pertencer ao campo é uma classificação redutora da questão.
Uma vez que os povos tradicionais de terreiro são detentores de uma diversidade étnica-religiosa. Diante
disso, ser pertencente ou liderança de um segmento não confere ao mesmo conhecimento pleno sobre todas as
nações, Axés, linhagens, ramas e famílias existentes dentro dessa cosmologia. Neste trabalho, tomo como
ponto de analise, o lugar da liderança de um segmento. Uma vez que sujeito ocupa uma posição dentro da
hierarquia, que é reconhecido por todos os segmentos das religiões afro-brasileiras. Isto posto, o passo
seguinte é a construção dos acessos, cuja constituição faz emergir os limites. Desta forma, não é possível
pensar acessos sem pensar também os limites postos ao pesquisador-êmico durante o trabalho de campo.
Finalizo o trabalho tendo como perspectiva metodológica que o contexto etnográfico em questão fez com que
repensasse o senso comum sobre o lugar do pesquisador-êmico nesta etnografia. Explícita ainda que o
distanciamento é presente no campo, seja ele adotado pelos interlocutores do campo, quando limitam as ações
do pesquisador. Assim como do próprio pesquisador que precisa se distanciar do aprendizado que ele detém,
para aprender e compreender os conhecimentos que emergem durante a realização do trabalho de campo.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Matheus Winicius Silva Alves (UFAL)
Resumo: As reflexões aqui presentes decorrem de um estudo em andamento que visa colaborar para construção de um
novo entendimento das religiões afro-brasileiras praticadas no estado de Alagoas. Visto que, nas entranhas
da memória alagoana, reside uma ferida aberta de um dos episódios mais violentos que acometeram os terreiros
e comunidades afro-religiosas do estado, período batizado popularmente como Quebra de Xangô, iniciado em
1912, que demarcou os sucessivos crimes acometidos aos terreiros que foram invadidos, violados e perseguidos
até os dias atuais. Por consequência, as práticas afro-religiosas encontradas no estado são marcadas por um
expressivo período de silenciamento e necessidade de reelaboração dos ritos. Como contrapartida, a
mobilização de sacerdotes e sacerdotisas possibilitou a criação de uma rede composta por uma coletividade de
grupos religiosos, militantes, representantes do Estado e pesquisadores empenhados em reconstruir uma
narrativa acerca das religiões e suas práticas a partir dos sujeitos que a compõem, de modo a romper com a
imagem negativa historicamente construída. Ocorre atualmente uma discussão acerca dos patrimônios culturais
oriundos do candomblé e umbanda do estado. Dentre eles, encontra-se a Coleção Perseverança, composta de
objetos religiosos roubados dos terreiros durante o episódio de 1912, que está em posse do Instituto
Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL). Tem sido tramitado a nível federal a proposta de tombamento desta
coleção através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN/AL), o que resultou na
mobilização e participação ativa das mais variadas camadas da sociedade civil. Os dados aqui contidos são
frutos de um atencioso levantamento bibliográfico que tem sido elaborado durante a minha pesquisa de
mestrado, bem como do trabalho de campo nas audiências públicas e momentos de reuniões que viabilizaram o
processo de pedido de tombamento. Estimo estabelecer um diálogo profícuo através da participação no GT com a
finalidade de circular os dados iniciais desta pesquisa, buscando romper com as narrativas estigmatizadas e
positivistas pactuadas pela elite alagoana acerca dos xangôs do estado.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Mossi Kuami Anoumou (UFBA)
Resumo: Ser negro no Brasil faz parte das dificuldades que enfrentam a maior parte da juventude negra. Com a
ajuda da pastoral afro dentro da Igreja Católica, os jovens do bairro de Sussuarana em Salvador da Bahia
conseguiram superar essa dificuldade, aceitando e assumindo a sua negritude, ou seja, a sua identidade
negra. No entanto, dentro do próprio espaço religioso surge uma nova dificuldade: ser negro na Igreja. A
descoberta da negritude parecia estar em dicotomia com as normas da Igreja e colocava-se o novo desafio de
saber como a identidade negra poderia ganhar corpo e cor também nesse espaço. Trata-se de incluir os
elementos diacríticos como tranças, turbante, vestimentas, penteados e alguns símbolos da religião de
matrizes africanas como danças, tambor, músicas
Como esse novo jeito de ser e de viver a fé católica
diverge das normas da Igreja, isso gerou conflito e acarretou a saída para outra experiência religiosa: o
Candomblé como lugar perfeito de resgate da identidade negra. A identificação com o afro é realçada, não
permitindo mais que esses jovens aceitem outras identidades e símbolos que não contemplem ou rechacem os
valores africanos. Dalí surge a seguinte pergunta: será que o caminho necessário e inevitável de um jovem
que se reconhece como negro ou negra, necessariamente, termina no candomblé? Essa apresentação, que é fruto
de uma pesquisa de campo durante o mestrado, aborda algumas motivações que levam a juventude negra católica
a adentrarem no Candomblé.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Rafael Cristaldo da Silva (UFRGS)
Resumo: No dia 18 de janeiro de 2020, foi publicado na plataforma Facebook um vídeo que mostra um impasse entre
um pai de santo e o porteiro do Santuário Nossa Senhora do Rosário de Porto Alegre/RS. Na ocasião, Pai
Maninho de Ogum, de Canoas/RS, e seus filhos, que estavam no Santuário para cumprir parte do ritual passeio,
foram impedidos de subir ao altar principal da igreja. Em um primeiro momento inspirado pela abordagem
material da religião, o vídeo desencadeou uma pesquisa sobre como os corpos batuqueiros ocupam o Santuário e
o que acontece lá dentro. Observamos que há, grosso modo, dois modos polos quais os grupos circulam no
Santuário: ou ficam sentados em um dos bancos ou percorrem os múltiplos altares da igreja em ordem
anti-horária. Depois de mais desenvolvimento, a pesquisa tem dois enfoques: um sobre o que é o passeio e
porque ele ocorre (seu papel dentro da religião) e outro sobre como diferentes pais de santo fazem
diferentes passeios e quais são as suas experiências. Para isso, além de recorrer a uma bibliografia
inicial, entrevistamos alguns sacerdotes do batuque sobre como eles realizam o passeio e por que e quando o
ritual ocorre. Essa é uma pesquisa que se desenrolou em um ano de iniciação científica e que, agora, no
mestrado, queremos ampliar para todo o passeio, além do Santuário do Rosário.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Yasmin Estrela (USP)
Resumo: Esta pesquisa tem por objetivo investigar a cosmologia dos encantados, uma categoria específica de
entidades que teve origem na região amazônica, mas hoje se encontra difundida em várias cidades do Brasil,
inclusive naquelas mais urbanizadas, como São Paulo. Segundo os religiosos, o encantado é uma divindade que
tendo vivido na terra não passou pelo processo de morte, se encantou. Este processo de encantamento ocorre
em diversos espaços da natureza, como rios, praias e florestas, criando um espaço mitológico chamado
encantaria, localizado, ainda segundo os religiosos, acima das nuvens e abaixo dos céus. Neste sentido, o
encantado coloca em perspectiva algumas categorias sociais fundamentais como vida e morte, por não estarem
localizados em nenhuma das duas lógicas, ou tempo e espaço, por estarem associados a um tempo fora do tempo
e a um espaço mítico (encantaria) que embora possa se referir a lugares geograficamente identificáveis (como
rios e florestas) fazem alusão a eles enquanto portais ou passagens para outras dimensões cosmológicas. A
pesquisa atualmente está em desenvolvimento trabalhando com esta categoria de entidades na cidade de São
Paulo trazida de Belém do Pará por Pai Francelino de Xapanã, primeiro fundador da Casa de Minas de Thoya
Jarina atualmente dirigida por Márcio Adriano. Com base nos dados bibliográficos e de campo, temos uma nova
perspectiva destas entidades ao chegarem na capital paulista partindo de uma ideia de noção de pessoa, no
qual uma mesma categoria de entidades possui um comportamento em seus cavalos em determinadas regiões.
Investigar a cosmologia e a adaptação destas entidades torna-se fundamental para compreender a difusão e as
mudanças culturais que estas religiosidades apresentam ao transitarem por diferentes territórios.
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