Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 091: Religiões afro-brasileiras e mobilizações afrorreligiosas: enfoques etnográficos e metodológicos contemporâneos
"Arreda homem, que aí vem mulher": reflexões sobre sexualidade e transe a partir de terreiros de umbanda do interior de São Paulo
As religiões afro-brasileiras compõem um vasto universo de religiosidades, desde o candomblé da Bahia,
como o xangô de Pernambuco, o batuque do Rio Grande do Sul, a umbanda, entre outras. Na literatura das
ciências sociais, tais cultos foram estudados em diversas perspectivas. Dentro destes vastos estudos, a
preocupação em compreender a umbanda em um escopo de transformações da sociedade brasileira está presente
desde os primeiros estudos de Roger Bastide. Na década de 70, Renato Ortiz (1999[1978]) avança nos estudos
sobre a umbanda como uma religião que busca sua brasilidade, que deseja ser brasileira, como forma de
síntese de outras religiões, além do processo de embranquecimento dos cultos africanos realizado pela
umbanda. Nos anos 90, Lísias Nogueira Negrão (1996) retoma este debate, mas de forma diferente,
compreendendo a umbanda como uma religião que se desloca em dois polos, entre a cruz e a encruzilhada, por
ser fruto da síntese do catolicismo, espiritismo e candomblé, as práticas umbandistas estariam ora mais
próximas da encruzilhada-candomblé, ora mais próxima da cruz-catolicismo/espiritismo.
A proposta para o grupo de trabalho visa refletir, a partir do desenvolvimento de minha pesquisa de mestrado
com foco etnográfico em dois terreiros de umbanda de linhas diferentes, no interior de São Paulo, sobre as
relações entre a sexualidade e o transe, investigando em quais sentidos a heteronormatividade interfere no
transe, gerando uma recusa do transe com entidades femininas por parte dos homens heterossexuais. Tendo em
vista que os estudos sobre as religiões afro-brasileiras e sexualidade costumam privilegiar o candomblé,
analisando como a religião cria um espaço simbólico onde os homens homossexuais podem exercer papéis de
poder, estando em altos níveis da hierarquia dos terreiros, até mesmo como babalorixás (Landes, 2002[1947];
Fry, 1982; Birman, 1995), algo incomum nas religiões cristãs que costumam excluir os homossexuais tanto do
culto como da hierarquia religiosa. A construção da pesquisa em torno de um terreiro próximo do polo da cruz
e de outro próximo do polo da encruzilhada não é desinteressada, busco compreender se há menor presença da
heteronormatividade em terreiros mais próximos do candomblé, tendo em vista os diversos estudos sobre a
maior aceitação da homossexualidade no candomblé.
Sem dúvida, a pesquisa em campo coloca outros rumos para a pesquisa que não são previstos inicialmente.
Realizando observação participante, notei homens entram em transe com orixás femininos, como Iemanjá, Oxum,
Iansã, mas recusam o transe com Pombagira, entidade pertencente ao panteão da esquerda, relacionada com
desejo e sexualidade, desse modo, me questiono se, talvez, estivesse diante de performances de gênero.