ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 091: Religiões afro-brasileiras e mobilizações afrorreligiosas: enfoques etnográficos e metodológicos contemporâneos
"Na Encruzilhada Do Mercado: Sagrado E Memória No Mercado Público De Porto Alegre"
O Mercado Público é um dos locais mais importantes da cidade de Porto Alegre, localizado na área central, possui quatro entradas principais e os corredores se cruzam formando uma encruzilhada. No centro do local, segundo tradições do Batuque Gaúcho, foi assentada uma divindade Yorubá: o Bará do Mercado, orixá que recebe oferendas e saudações diariamente naquele espaço. Assentado por pessoas escravizadas durante a construção do prédio ou por Príncipe Custódio, príncipe oeste-africano que viveu parte de sua vida no Rio Grande do Sul no século XX, o fato é que, o assentamento da divindade potencializa a convergência sagrada do Mercado e os elos dos afro-religiosos com ele. Na encruzilhada, a morada de Bará é alimentada constantemente com saudações, moedas, pipocas, balas, palavras e mais uma série de oferendas que circulam a partir do cruzeiro. Ademais, ritualizações um pouco mais robustas também são frequentes, como a festa do Bará, os rituais de bate folhas, os rituais de passeio (ritual iniciático do Batuque), entre outras cerimônias e homenagens que envolvem o mosaico, uma marcação material que aponta publicamente para a presença da divindade. O comércio afro-religioso mediado pelas floras do Mercado, também movimenta trocas de produtos, conhecimentos e divulgações religiosas que tecem redes com os terreiros ou casas de religião da cidade. A pergunta que acompanhou esta pesquisa foi: como o sagrado se manifesta no cotidiano do Mercado Público de Porto Alegre? Este trabalho teve como objetivo analisar como as dimensões da memória e do sagrado se manifestam e se relacionam cotidianamente no Mercado Público. Foi realizada uma etnografia durante seis meses, indo a campo em média três vezes por semana, a etnografia contou com a descrição densa em diários de campo e a utilização de recursos audiovisuais para captar e refletir sobre as cenas do campo. Além disso, foram realizadas três entrevistas qualitativas semiestruturadas com Silvia de Iemanjá, religiosa que comercializa fitas e saquinhos repletos de axé em uma das entradas do Mercado, com Iara Rufino, única mercadeira negra do Mercado e com a Iyalorixá Vera Soares, mãe de santo e militante politicamente engajada. Em conclusão, atualmente Bará é um elo central nos processos de reterritorialização das populações negras em nível regional. Bará e o panteão de orixás africanos cultuados em uma Porto Alegre do século XXI são (re)feitos com o Mercado. Foi possível identificar e analisar que o sagrado manifesta-se de forma alargada, na encruzilhada, nas paredes, nas folhas, nos produtos, nos alimentos e ele é refeito através de rituais, encontros e celebrações que suscitam a memória coletiva negra que (re)territorializa o lugar.