Grupos de Trabalho (GT)
GT 005: Antropologia da Criança
Flávia Ferreira Pires (Universidade Federal da Paraíba) e Levi Marques Pereira (Universidade Federal da Grande Dourados) - Coordenação
Claudia Fonseca (UFRGS) - Debatedor/a
Antonella Maria Imperatriz Tassinari (Universidade Federal de Santa Catarina) - Debatedor/a
Resumo:
O objetivo GT Antropologia da Criança é reunir a produção antropológica focada na criança como sujeito social a fim de mapear o campo e também dar visibilidade à temática. Nossa aposta é que há um número considerável de pesquisadores que têm focado discussões teóricas e metodológicas que incluem as crianças como sujeitos sociais, mas que encontram-se em diferentes instituições da federação, muitas vezes com pouca interlocução local e que beneficiaram-se de espaços de discussão sistemática, como esse GT. Assim como a Mesa Redonda “Antropologia da Criança no Brasil”, o GT é um esforço na construção de uma Antropologia (brasileira) da Criança (mas não necessariamente da criança brasileira), que honre seus/ suas pais/mães fundadores/as, pavimente sua trajetória e escolha suas temáticas privilegiadas, a partir do diálogo com outras antropologias, nacionais e estrangeiras. Haverá um foco em pesquisas etnográficas recentes que suscitem discussões metodológicas, éticas e teóricas a partir de contextos diversos. Privilegiaremos discussões que tenham um recorte teórico claro em diálogo com os Novos Estudos da Infância e a Sociologia da Criança e que possam realmente contribuir para a construção do campo temático dos estudos de Antropologia da Criança.
Apresentação Oral em GT
Betânia Mueller
Resumo: Esse work é um recorte de minha pesquisa de Mestrado em Antropologia na Universidade Federal Fluminense, uma pesquisa etnográfica de cerca de um ano junto a um projeto social no Morro da Boa Vista, Niterói – RJ. O projeto tinha como objetivo prevenir o envolvimento das crianças e adolescentes com atividades ilícitas, como o tráfico de drogas, bastante presente entre os jovens da comunidade. Nesse sentido, apesar de ser iniciativa dos próprios moradores, o projeto reproduzia um conhecido discurso moralizante sobre a necessidade de “tirar os jovens da rua” e dos jovens de contextos periféricos como “futuros criminosos”. Sua principal atividade era o ensino e prática da arte marcial Jiu Jitsu, e seu fundador era membro de uma pequena igreja evangélica local, tendo o projeto também um forte viés religioso. Meu objetivo desde o início foi me aproximar dos jovens, sobretudo das crianças, considerando-as sujeitos ainda pouco valorizados na Antropologia, conforme ilustra bem o artigo denominado “por que os antropólogos não gostam de crianças?” (HIRSHFELD, 2002). Assim, busquei conhecer seus próprios pontos de vista sobre o contexto a sua volta, incluindo questões relativas ao esporte, à desigualdade social, ao tráfico de drogas, polícia e conflitos decorrentes, além de questões relativas à gênero e relacionamentos afetivos. Após iniciar com a técnica da observação direta, decidi praticar a observação participante, treinando junto com elas, o que fez com que eu pudesse me aproximar de forma mais intensa. Segundo Cohn (2002), a observação participante é uma alternativa enriquecedora nesse empreendimento, por permitir uma interação direta com as crianças, tratando-as em condições de igualdade. Além disso, utilizei outras técnicas como a confecção de desenhos e registros fotográficos. Durante toda a pesquisa, busquei analisar os assuntos que surgissem espontaneamente, evitando introduzir meus temas de interesse, ou fazendo-o de forma cuidadosa, dando espaço para respostas mais autênticas. Afinal, como bem observa Szulc (2006), é preciso estar atento para o fato de que as crianças também são capazes de mentir, de dizer o que queremos ouvir, tendo cuidado para não naturalizar a concepção contemporânea a respeito da pureza infantil. Nesse work abordarei questões referentes a assimetria pesquisadora/crianças - incluindo o fator geracional, de origem e classe social -, o ponto de vista das crianças sobre diversas questões, narrando alguns envolvimentos e suas delicadezas, desafios éticos e metodológicos, além de problematizar diferentes concepções de infância. Apesar dos desafios, considero minha experiência enriquecedora para o campo de estudos da Antropologia da Crianças, em expansão no Brasil.
Palavras-chave: Etnografia; Crianças; Comunidade;
Apresentação Oral em GT
Bruna Santos de Andrade, Silvana Jesus do Nascimento
Resumo: Neste artigo propomos discutir o direito à terra como um direito da criança indígena que está ausente no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069/90), mas que entendemos ser fundamental para que os demais direitos da criança indígena seja garantido. Este paper será elaborado em coautoria e pretende trazer as experiências de pesquisa de campo, das duas autoras, envolvendo as mitã (crianças indígenas kaiowá), em cidades do sul, do Mato Grosso do Sul, na região Centro Oeste, do Brasil. Uma das autoras, no período de 2011 a 2013, fez o acompanhamento dos noticiários jornalístico, observações e audições de eventos organizados por instituições com a Secretaria de Saúde Indígena (SESAI) e a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) - para discutir as violações dos direitos das crianças indígenas e entrevistas com os agentes da rede de proteção à criança. Esta problematiza o modo como esta rede percebe as mitã e as tensões que enfrentam no desafio de compatibilizar o direito da criança com o direito do indígena em um contexto socioeconômico e político de desigualdade e extrema pobreza. A outra autora, desde 2014 vem acompanhando uma área de retomada, no município de Naviraí/MS e tem compreendido que falar sobre a luta Kaiowá pelo tekoha, neste estado é também falar das mitã que nascem, crescem e vivem num contexto de constantes conflitos e ameaças motivadas pelas disputas entre indígenas e proprietários rurais pela posse da terra. Para esta, a situação de acampamento pode ser entendida, de um lado, como de violação dos direitos da criança, e de outro como uma forma de cuidado que tem como fundamento a preocupação com o futuro das mitã. Os referenciais teóricos utilizados são da antropologia da criança e da etnologia produzida no contexto brasileiro e, especificamente, na região de MS. Um dos resultados desse encontro de pesquisas a que chegamos é que enquanto para uma parte significativa da rede de proteção à criança é possível tratar dos direitos das crianças indígenas sem discutir a questão territorial, para os nossos interlocutores indígenas não há essa separação. Entendemos que esta é uma reflexão necessária para avançarmos no debate da criança e da infância como uma categoria sociocultural e na compreensão das disputas políticas feitas pela criança e em nome da criança.
Apresentação Oral em GT
Deiziane Pinheiro Aguiar
Resumo: O objetivo deste paper é descrever e problematizar a construção de um acesso etnográfico com crianças moradoras de uma favela à beira-mar em Fortaleza. Desde que iniciei etnografia com crianças, em 2014, tenho me questionado sobre como elaborar a inserção com esses sujeitos sociais. Atualmente, estou acompanhando uma família que perdeu um jovem chacinado-Sérgio,22 anos- em agosto de 2015 no Serviluz, no segmento da Estiva, área de conflito armado classificada localmente como uma das mais bem armadas e com o “comando” de tráfico mais organizado e equipado. A mãe e os três irmãos do jovem presenciaram a execução dentro de casa. Rosa(8 anos), Eduardo(11 anos) e Carlos(12 anos) relataram suas lembranças, saudades e possibilidades de um futuro distinto do irmão assassinado, que era reconhecido como estando envolvido no crime. Rosa é a que mais se expressa sobre isso, narrando as brincadeiras que tinha com Sérgio e não crê no evento: “Eu me belisquei para saber se era verdade”. Eduardo raramente se manifesta, quase sempre em silêncio quando a família comenta sobre o fato. Carlos problematiza a questão num outro aspecto: “O crime não compensa, o crime é mau”. Foi nesse contexto de interação que duas ferramentas metodológicas foram sendo elaboradas: a brincadeira e a conversação com as crianças. Na busca de acessar seus modos de falar, silêncios e manifestações em situações de perda por violência letal e de esgarçamento da rede de relações sociais, mas também do laço parental. Ao me dispor a escutar, brincar e conversar com as crianças, seja na casa dos três irmãos ou em outros espaços da favela, além da interação com outras crianças de sua vicinalidade, que venho construindo meu campo, ampliando a compreensão dos eventos críticos ocorridos cotidianamente no Serviluz. A brincadeira, que pode ser pensada alternadamente como objeto e metodologia, facilita a aproximação com as crianças e também permite compreender como elas pensam as situações dos ameaçados de morte a partir de suas práticas narrativas. A brincadeira tornou-se recurso sério para a pesquisa do ponto de vista metodológico e também das condições existenciais, intersubjetivas, de convívio humano em campo. Na conversação, utilizo duas maneiras de trabalhar, as registradas por um gravador de voz ou as livres (ambas conversas informais). A convergência entre brincadeira e conversação tem possibilitado uma ampliação da experiência de campo, principalmente, no que tange à construção do difícil acesso aos eventos críticos de violência letal sofrido e presenciado pelos sujeitos. Os discursos com seus silêncios e as práticas socioculturais das crianças, como avaliam os eventos e como tais situações influenciam no imaginário infantil são os elementos principais da análise da agência simbólica e moral delas.
Palavras-chave: Etnografia; Crianças; Violência.
Apresentação Oral em GT
Emilene Leite de Sousa
Resumo: Este work analisa a produção da pessoa Capuxu através da fabricação dos corpos das crianças. Esta pesquisa se realizou no Sítio Santana-Queimadas, sertão da Paraíba, onde mora o povo Capuxu, um grupo camponês endogâmico cuja identidade se define pelo sentimento de pertença a um grupo com sinais diacríticos definidores de fronteiras que se estabelece entre o povo e os outsiders. Com o intuito de desvendar a construção da pessoa Capuxu através da análise da produção dos corpos das crianças, descobri que processos individuais e coletivos de construção do corpo e da pessoa desembocam na formulação de uma identidade coletiva de um povo que se autodefine e é definido como Capuxu. Além disso, alguns destes aspectos enunciadores da pessoa Capuxu – especificamente os sistemas de parentesco, nominação e apadrinhamento – são modificados através da ação das crianças. Assim, o sistema onomástico lhe designa nomes na infância que são substituídos pelos apelidos colocados pelas crianças umas nas outras, perdurando estes apelidos por toda a vida, e se tornando os desígnios formais de seus portadores. São também as crianças as responsáveis por nomear animais, diluindo as fronteiras entre as pessoas e os animais. Embora o sistema de apadrinhamento lhe confira padrinhos escolhidos pelos seus pais ainda na infância, as crianças mais tarde participam de rituais alternativos de apadrinhamento substituindo seus padrinhos formais por aqueles que eles mesmos escolheram e burlando mais uma vez o sistema Capuxu. E, por fim, o sistema endogâmico de parentesco delimita os cônjuges possíveis para as crianças com a determinação de uma união preferencial entre primos, mas este sistema depende inteiramente das relações que estas crianças desenvolverão com seus cônjuges em potencial. Diante disso, este work visa refletir sobre a agência das crianças e as relações intergeracionais que esta agência faz estabelecer, enfatizando a importância desta agência para a harmonia e funcionamento da reciprocidade e da solidariedade do povo Capuxu e a perpetuação de sua identidade coletiva.
Palavras-chave: Agência; Capuxu; Sistemas
Apresentação Oral em GT
Flora Botelho
Resumo: O work explora o que é criado em brincadeiras de criança e como a infância pode ser entendida através da brincadeira, baseado em campo etnográfico em um jardim de infância em Copenhagen, Dinamarca. Através da observação de e envolvimento nas brincadeiras das crianças, venho a perceber que em tais atividades, elementos são manipulados e transformados, promovendo construções curiosas e muitas vezes paradoxais. Independente de quão fantásticas tais construções se apresentam, as crianças raramente definem o que elas fazem como brincar; pelo contrário, elas expressam considerar as atividades nas quais se envolvem como sérias. Ao levá-las a sério, as crianças vivem o que é criado na brincadeira como real. Ao mesmo tempo, as crianças brincam com coisas sérias, as tratando como elementos maleáveis que podem ser transformados. As atividades das crianças ofuscam assim os limites entre brincadeira e seriedade, assim como entre o real e o fantástico.
Com isso em mente, eu sigo a forma como os meus informantes abordam a brincadeira e procuro entender como brincar pode ser sério e como o que é criado na brincadeira pode ser real. Isso me leva a entender que as crianças se relacionam com elementos virtuais de forma semelhante a como elas se relacionam com elementos atuais. Por isso, trato virtualidade como um aspecto da realidade (Deleuze 1988) e argumento que através da brincadeira elementos virtuais são atualizados e novas realidades são assim criadas.
A partir daí, exploro especificamente como a temporalidade aparece como uma virtualidade que pode ser atualizada na brincadeira. Ações e expressões das crianças desconsideram o tempo enquanto sequencia linear irreversível e parecem tratar passado e futuro como elementos que podem ser manipulados no presente. Investigando como tais manipulações se dão, descubro que o tempo no jardim de infância é melhor entendido como durações, i. e., temporalidades que ocorrem através de atualizações (Deleuze 1988).
As conclusões desse work abrem para uma discussão das formas convencionais de se conceber a infância e possibilitam contestar abordagens desenvolvimentistas da infância e da brincadeira. Alternativamente, o work promove uma concepção de infância que não está ligada à categorias de idade, e propõe uma abordagem que acomoda a imprevisibilidade e a inovação. Apoiada no conceito de devir de Deleuze e Guattari (1995) proponho tratar tanto crianças quanto adultos como constitutivamente inacabados. Partindo das concepções sobre crescer apresentadas pelas crianças, e levando em consideração a forma como o tempo e a virtualidade são tratados em suas atividades, argumento que no jardim de infância, a infância se apresenta como uma categoria mais ampla que inclui a fase adulta.
Pôster em GT
Jannine Jolanda Araújo Diniz
Resumo: O presente work objetiva realizar algumas reflexões sobre vivências de crianças e seus cuidadores acerca das implicações do que significa viver/conviver com o vírus do HIV. Longe de ser um estudo exaustivo, proponho discutir, de maneira analítica, alguns aspectos observados ao longo do desenvolvimento da minha dissertação, uma pesquisa qualitativa, de natureza exploratória e descritiva, realizada com pessoas atendidas em dois serviços de referência do SUS no tratamento da aids em João Pessoa-PB, a saber: Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW) e Hospital Clementino Fraga (CHCF). O desenvolvimento da pesquisa se deu em um período de 8 meses e contou com a participação de 5 famílias. Foi feita uma adaptação do método relatos de vida, de Daniel Bertaux (1980). As história de vida analisadas foram contadas por muitas vozes (polifonias) de pessoas que vivenciaram os episódios narrados. O termo "polifonias" aqui é empregado num sentido semelhante ao usado por Clifford (1998). Busquei realizar uma integração metodológica, a fim de possibilitar uma compreensão do processo estudado a partir de ângulos e perspectivas diversas dos atores envolvidos. Assim, foi possível uma imersão nessas experiências, respeitando as ambiguidades advindas dos diversos pontos de vista. Os instrumentos utilizados na pesquisa foram múltiplos, tais como: entrevistas em profundidade; perguntas abertas; observação direta; produção de desenhos-estórias com títulos, filmes, e encenações. Através da imersão em diálogos foi possível construir categorias analíticas, as quais foram analisadas à luz de um referencial teórico socioantropológico. Há, atualmente, um crescente interesse em investigar crianças/infâncias no contexto da saúde, a partir de seus próprios olhares, concepções e perspectivas. Porém, estudos socioantropológicos acerca das questões ligadas à aids pediátrica ainda são incipientes, constituindo, assim, um importante desafio teórico-metodológico aos estudos na área. A visão das crianças, nesse estudo, tem um papel de destaque, pois elas atuam como interlocutoras e são compreendidas aqui como agentes capazes de produzir, atualizar e preencher lacunas acerca de aspectos relativos à sua condição de saúde. Defendo que as crianças revelam fragmentos de narrativas que representam experiências sociais significativas, e que é imprescindível considerar também as características individuais, familiares e o contexto sócio-histórico-cultural mais amplo do qual a criança participa. Portanto, faz-se necessário o reconhecimento de que as crianças são sujeitos que precisam ser ouvidos para além do direito que possuem de se expressar, uma vez que têm muito a nos dizer e a colaborar a respeito de questões que lhes afetam cotidianamente.
Apresentação Oral em GT
Leonardo Carbonieri Campoy
Resumo: O autismo, mesmo sendo objeto de controvérsias atuais que chegam até mesmo a questionar seu estatuto patológico, ainda é recorrentemente entendido como uma condição que implica a dependência e a nulidade social dos diagnosticados. Assim, a criança autista pode gerar – e ser alvo de – uma interpretação de dupla passividade, já que, à noção de criança como tábula rasa, um corpo e uma mente vazios que devem ser preenchidos para que ela se torne um agente social normal, soma-se o autismo, um estado que dificultaria ao máximo a socialização e a compreensão das regras da comunicação.
Como a antropologia da criança pode realizar seu projeto com a criança autista? Será que é etnograficamente possível empreender o combate à percepção dos pequenos como incorporadores miméticos e passivos de papéis e comportamentos sociais conferindo agência criativa e autoral à criança autista? Ou será que o predicado autista abala o edifício ontológico da criança atuante, ao menos em contexto ocidental, obrigando o antropólogo a aceitar, em grande medida, a criança atuada?
Exploro esses questionamentos a partir da etnografia de consultas médicas com crianças autistas e suas famílias que realizei em uma cidade grande do Brasil. Entre 2013 e 2015, acompanhei, dentro do consultório, uma neuropediatra diagnosticando crianças como autistas, tratando-os com remédios e encaminhamentos para terapias e orientando suas famílias sobre o cuidado geral, desde situações prosaicas até momentos críticos. Por meio de relatos dessas experiências, argumento que tanto a clínica da neuropediatra quanto a criação das famílias são, a um só tempo, produzidos por e produtores de um discernimento entre a infância, a individualidade e o autismo em cada criança. Para cuidar, os adultos entendem que é fundamental perceber a especificidade de cada menino e menina porque o autismo não padroniza, manifestando-se, ao contrário, em uma trama fractal com a infância e a individualidade histórica de cada criança. Uma vez que o objetivo do cuidado é o desenvolvimento da criança, essa espécie de saber conviver com seu autismo ao mesmo tempo em que consegue viver em coletivos humanos de maneira relativamente harmoniosa e produtiva, todo ato em prol da criança precisa se encaixar em sua especificidade enquanto realização única das relações entre infância, individualidade e autismo.
Sustentando-se nessas indicações etnográficas, afirmo que, sim, é possível fazer uma antropologia da criança autista que a conceba como atuante em suas relações porque, na verdade, os próprios adultos que cuidam já tratam-na assim. Contudo, seguindo as reflexões de Eva Kittay, arremato a apresentação defendendo que a criança autista ativa precisa ser pensada em complementaridade, e não oposição, à condição de dependente dos adultos.
Apresentação Oral em GT
Patrícia Maria Uchôa Simões, Patrícia Maria Uchôa Simões
Maira Streithorst Fígoli
Milene Morais Ferreira
Resumo: O conceito de culturas infantis ou culturas de pares foi proposto por William Corsaro e se refere às ações compartilhadas entre as crianças segundo suas formas de interpretar o mundo e o significado atribuído por elas, diferentemente das ações e interpretações dos adultos. Esse conceito assumiu uma centralidade no debate dos novos estudos sociais da infância e coloca a criança como protagonista das interações que estabelece com os seus pares e com os adultos, bem como do seu próprio desenvolvimento social, afetivo e cognitivo. Muitos estudiosos da Sociologia da Infância vêm utilizando esse conceito nas análises dos resultados de suas pesquisas que auxiliam a compreender a infância como uma categoria estrutural, a partir da perspectiva geracional. Por outro lado, na Antropologia moderna, o conceito de cultura vem sendo debatido no sentido de buscar uma ressignificação, a partir da fragmentação que vem acontecendo resultante das numerosas formulações que esse termo tem sofrido. A visão crítica de cultura tem como pressuposto que os sujeitos falam de determinados lugares e posições, estando, portanto, intimamente ligado ao conceito de identidade. Diante desse novo paradigma para as ciências sociais e compreendendo a relavância do debate epistemológico, conceitual, teórico e metodológico, o presente estudo pretendeu analisar a produção científica em periódicos na base de dados Scielo Brazil sobre o conceito de cultura nesses estudos. Para tanto, foi feito um levantamento de artigos, utilizando os descritores: infância e cultura. Foram identificados 109 artigos inicialmente, e, desse total, foram excluídos 8 artigos por utilizarem o termo cultura no seu sentido biológico (como propagação de microrganismos ou cultivação de tecido vivo em um meio nutritivo preparado). Foram analisados, então, 101 artigos publicados entre os anos de 1999 e 2015. A grande maioria dos estudos foi publicada em periódicos da área da educação, 37 artigos, seguida dos periódicos em Psicologia, 23 artigos. Apenas um artigo em um periódico na área especificamente da Antropologia. A análise apontou o crescimento da discussão das temáticas no período observado. Também evidenciou a predominância dos estudos fora da área das ciências sociais. Como conclusão, ressalta-se a diversidade de uso do termo cultura, muitas vezes, sem qualquer fundamentação epistemológica ou referência a um quadro teórico. Por fim, este estudo pretende apontar para a necessidade de estudos que, aprofundando a discussão conceitual das culturas infantis, desenvolvam um arcabouço teórico-metodológico capaz de avançar na compreensão desse tema.
Apresentação Oral em GT
Patrícia Oliveira Santana dos Santos, Antonio Luiz da Silva
Denise Cristina Ferreira
Resumo: Neste artigo temos por objetivo discutir algumas das transformações que vêm ocorrendo no bojo da geracionalidade nas últimas décadas em Feira Nova – Orobó, uma pequena comunidade rural do agreste pernambucano. Sob a égide da perspectiva etnográfica, tendo como pano de fundo o Programa Bolsa Família e as suas condicionalidades, realizamos observação participante, entrevistas semi-estruturadas, conversas informais além de técnicas como desenhos, redações e dinâmicas infantis. Como resultado, destacaremos que naquela comunidade a vivência da infância vem passando ao longo dos tempos por significativas diferenciações. Num quadro comparativo, mostraremos que muitas das crianças do passado, hoje avós, pais, mães, tios, tiveram parte de sua realidade infantil prejudicada pela entrada precoce no mundo do work ao passo que as crianças da atualidade são fortemente incentivadas à escolarização e à ludicidade. Concluiremos que a agência infantil na referida comunidade indica ser fruto de uma longa transformação histórica geracional, para a qual muito tem contribuído a intervenção da política pública nacional.
Apresentação Oral em GT
Rafael Rondis Nunes de Abreu, Silvana Jesus do Nascimento
Resumo: Neste work pretendemos discutir os usos e efeitos políticos de um dos conceitos mais antigos da antropologia, “cultura”, a partir da sua circulação e legitimidade fora dos debates internos à disciplina. Tomamos como material de análise uma série de 17 textos jornalístico publicados, entre 21 de janeiro de 2016 à 26 de fevereiro de 2016, por um dos principais jornais de circulação virtual de Mato Grosso do Sul, no Brasil. O protagonista das notícias foi um menino indígena, que não teve a etnia na qual ele pertence divulgada, Edemar Gonçalves da Silva, de 4 anos, apelidado pela imprensa local de "indiozinho". A breve e intensa espetacularização da história pessoal da criança, da família e a acusação de omissão por parte de outros órgãos de atendimento ao indígena ocorreu enquanto este estava na Santa Casa em situação de internamento social, para ser submetido a uma cirurgia cardíaca. As narrativas construídas e veiculadas pelo jornal culpabilizaram a "cultura", que de acordo com a jornalista, poderia matá-lo, pois era um entrave para a realização da operação cardíaca. Em um dos textos o jornal reproduz fragmentos de uma carta do pai da criança que teria proibido a operação, sob o argumento de que o "coração é sagrado". Em meio à exacerbada exposição da história e da imagem da criança, apareceram, nas matérias, opiniões divergentes de familiares e profissionais de diversas áreas, inclusive de antropólogos cujas participações foram utilizadas para corroborar com o argumento da “cultura como problema”. A análise dos discursos presente nos jornais será cruzada com entrevistas com as personagens citadas nas notícias, com profissionais e instituições que tiveram contato com a criança e com a sua parentela, assim como os próprios parentes serão ouvidos. O objetivo é trazer para o bojo da discussão a atuação dos profissionais envolvidos neste caso específico, principalmente aqueles ligados à imprensa, a saúde pública e à assistência social, com o intuito de refletir sobre a atuação das distintas áreas frente à criança indígena. Um dos resultados a que chegamos a partir deste caso é que o processo de visibilização da criança indígena acompanhada do conceito de “cultura” tem o efeito de sensibilização para o sofrimento infantil, mas também de controle e de violência contra as “práticas culturais” dos povos indígenas. Com esta reflexão pensamos ser possível avançarmos no debate em torno das disputas políticas feitas pela e em nome da criança, além dos efeitos da criação de uma comunidade emocional em torno da criança vítima.
Apresentação Oral em GT
Renata Silva Bergo
Resumo: Nesse texto abordo as primeiras reflexões sobre os dados produzidos no estudo que venho realizando no município de Angra dos Reis (RJ). Trata-se de uma pesquisa etnográfica interdisciplinar, que busca colocar em diálogo a Antropologia da Criança e os Estudos do Lazer, tendo como temas centrais a ludicidade e o lazer como direito social. Investigar essas temáticas se faz relevante na medida em que se constata a existência de um discurso esvaziado de maior reflexão sobre a “importância do brincar” para desenvolvimento infantil, sobretudo entre os profissionais da educação. Os dados mostram um cenário preocupante de falha na formação de professores, desinformação por parte dos pais e desinteresse do poder público, no que diz respeito à garantia do direito das crianças de brincar e de ter acesso a tempos e espaços de lazer.
Na primeira fase da pesquisa exploratória, constatou-se a existência de uma percepção bastante negativa sobre o tema ente os adultos (pais e docentes), e que se torna ainda mais forte quando se referem as brincadeiras que acontecem em espaços públicos. Diferentes de outros tempos, ser criança parece não combinar mais com brincar na rua ou na pracinha. Em nossa sociedade, marcada pelos altos índices de violência e pela lógica mercadológica, o espaço da rua se torna cada vez mais o território do medo e as atividades lúdicas e de lazer são consideradas “perda de tempo”.
Nesse cenário, aliando a noção de tempo livre à noção de tempo perigoso, políticas públicas e ações sociais voltadas para o público infantil têm sido pensadas na perspectiva da “ocupação do tempo” das crianças, e não como garantia de direitos. Seguindo essa lógica, atualmente oferecer aos pequenos oportunidades de lazer tem significado direciona-las para espaços fechados, privados, restritivos, inclusive em termos de políticas públicas.
Tendo sempre a criança como categoria central na condução da investigação e análise, a segunda fase do estudo aqui referido busca compreender a presença/ocupação dos espaços públicos de lazer do município de Angra dos Reis pelos sujeitos da primeira infância. Nesse processo, um aspecto fundamental da metodologia é a escuta atenda desses sujeitos a fim conhecer suas percepções sobre o tema.
Apresentação Oral em GT
Rogerio Correia da Silva, Erica DUMONT-PENA
Resumo: O presente texto propõe caracterizar a infância das crianças pequenas do grupo indígena Xakriabá. Em torno de 9 mil indivíduos, os Xakriabá habitam a região norte de Minas Gerais, município de São João das Missões. Do nascimento aos 6 anos, a educação das crianças Xacriabá, ocorre a maior parte do tempo em seu grupo doméstico, no ambiente da casa. É exercida principalmente pelas mulheres e pelas crianças maiores, marcada pelos cuidados com seu alimentar, sua limpeza, no acompanhar e no intervir em seu desenvolvimento, na realização de brincadeiras e na manutenção da sua saúde. Ao caracterizarmos o lugar da criança nesta sociedade analisamos as práticas de educação e cuidados embasados pela discussão sobre a noção de pessoa e fabricação do corpo, tema bastante recorrente nos estudos sobre crianças indígenas (COHN, 2002, 2013; TASSINARI, 2007). Caracterizamos assim tais práticas a partir da ideia de técnicas de cuidado corporal (DUMONT-PENA, 2015). As orientações quanto as práticas de alimentação próprias a idade, os banhos, as massagens e simpatias tendo as crianças como centro das atenções nos revelam as noções do grupo sobre o seu desenvolvimento, frente ao ideal de corpo belo e saudável. Um segundo ponto a ser abordado diz respeito as imagens e representações ambíguas que circulam sobre as crianças pequenas. A primeira que analisamos é a imagem da criança-anjo ou, simplesmente “anjinho”. Podemos identifica-las em duas práticas: “a festa dos anjinhos” (culto da Virgem Maria) e o ritual de sepultamento das crianças pequenas. Tal imagem nos conecta àquela criada pela igreja católica e difundida no Brasil desde o período colonial (DEL PRIORE, 1991), e que persiste também em outras regiões, como no nordeste brasileiro (SANTOS, 2014). Em contraponto ao anjinho e seu significado de pureza e inocência, duas outras expressões revelam a percepção do grupo para o comportamento infantil: “malinar” e “bestar”. Estas, sintetizam a imagem do menino que faz maldades, curioso e voluntarioso e que muito longe da figura angelical, pode deixar de ser humano, por adotar o ócio como forma de vida. Tais representações e práticas atestam a forte influência da religião católica nas práticas cotidianas da educação das crianças. Por fim, trabalhar com grupo indígena do sertão mineiro nos traz alguns desafios e contribuições, a saber: considerar mais atentamente as relações entre infância e religião (PIRES, 2011); ampliar a discussão sobre corporalidade e infância a outros grupos não-indígenas; buscar uma literatura que analise os processos históricos de trocas, mudanças e apropriações; problematizar a noção de infância utilizada para definir a vida das crianças não só de grupos como Xakriabá mas também de outras populações do campo.
Apresentação Oral em GT
Sônia Rocha Lucas, Antonio Hilario Aguilera Urquiza
Resumo: O texto apresenta o resultado parcial de pesquisa mestrado, em andamento, em Antropologia (UFGD) e tem como objetivo apresentar a percepção das crianças Kaiowá e Guarani diante da situação de acampamento em que estão inseridas, levando em consideração o atual processo de regulamentação fundiária de território tradicional da aldeia Pakurity. Tem como aporte teórico-metodológico o utilizado na própria Antropologia, que abrange o work de campo e a partir dele, a observação participante, diário de campo, técnica do uso de desenhos e outras formas de registros. Ancoramos em autores como Pacheco de Oliveira (1998), Brand (1993, 1997), Pereira (2002, 2007 e 2010), Cavalcante (2013), Conh (2005), Lutti (2009) e Aguilera Urquiza (2011). Diante disto podemos afirmar que as crianças entendem que o território é fundamental para reproduzir o teko, o verdadeiro modo de ser de um Kaiowá e Guarani, o que nos faz concluir que as crianças entendem que o território é imprescindível à preservação e a reprodução de sua cultura.
Palavras-chave: Crianças; Acampamento; Territótio
Pôster em GT
Veronica Monachini de Carvalho
Resumo: Partindo da literatura que passa a revisar o conceito de sociedade - e, portanto, a própria dicotomia entre indivíduo e sociedade -, sobretudo a partir das discussões sobre a produção da Pessoa, este work pretende discutir os processos próprios de formação da pessoa entre os Kalapalo (um povo de língua karib do Alto Xingu), para compreender como as crianças, enquanto protagonistas de sua própria história, percebem tais processos e atuam neles, se apropriando e reformulando constantemente os conhecimentos tradicionais. Para tanto, me apoio em uma etnografia inicial de formas de sociabilidade infantil entre os Kalapalo da aldeia Aiha