Redes sociais da ABA:
Logo da 30ª Reunião Brasileira de Antropologia
3 a 6 de agosto de 2016
João Pessoa - PB
UFPB - Campus I
GT 005: Antropologia da Criança
Apresentação Oral em GT
Leonardo Carbonieri Campoy
A dependência ativa da criança autista: sobre cuidados e singularidades
O autismo, mesmo sendo objeto de controvérsias atuais que chegam até mesmo a questionar seu estatuto patológico, ainda é recorrentemente entendido como uma condição que implica a dependência e a nulidade social dos diagnosticados. Assim, a criança autista pode gerar – e ser alvo de – uma interpretação de dupla passividade, já que, à noção de criança como tábula rasa, um corpo e uma mente vazios que devem ser preenchidos para que ela se torne um agente social normal, soma-se o autismo, um estado que dificultaria ao máximo a socialização e a compreensão das regras da comunicação. Como a antropologia da criança pode realizar seu projeto com a criança autista? Será que é etnograficamente possível empreender o combate à percepção dos pequenos como incorporadores miméticos e passivos de papéis e comportamentos sociais conferindo agência criativa e autoral à criança autista? Ou será que o predicado autista abala o edifício ontológico da criança atuante, ao menos em contexto ocidental, obrigando o antropólogo a aceitar, em grande medida, a criança atuada? Exploro esses questionamentos a partir da etnografia de consultas médicas com crianças autistas e suas famílias que realizei em uma cidade grande do Brasil. Entre 2013 e 2015, acompanhei, dentro do consultório, uma neuropediatra diagnosticando crianças como autistas, tratando-os com remédios e encaminhamentos para terapias e orientando suas famílias sobre o cuidado geral, desde situações prosaicas até momentos críticos. Por meio de relatos dessas experiências, argumento que tanto a clínica da neuropediatra quanto a criação das famílias são, a um só tempo, produzidos por e produtores de um discernimento entre a infância, a individualidade e o autismo em cada criança. Para cuidar, os adultos entendem que é fundamental perceber a especificidade de cada menino e menina porque o autismo não padroniza, manifestando-se, ao contrário, em uma trama fractal com a infância e a individualidade histórica de cada criança. Uma vez que o objetivo do cuidado é o desenvolvimento da criança, essa espécie de saber conviver com seu autismo ao mesmo tempo em que consegue viver em coletivos humanos de maneira relativamente harmoniosa e produtiva, todo ato em prol da criança precisa se encaixar em sua especificidade enquanto realização única das relações entre infância, individualidade e autismo. Sustentando-se nessas indicações etnográficas, afirmo que, sim, é possível fazer uma antropologia da criança autista que a conceba como atuante em suas relações porque, na verdade, os próprios adultos que cuidam já tratam-na assim. Contudo, seguindo as reflexões de Eva Kittay, arremato a apresentação defendendo que a criança autista ativa precisa ser pensada em complementaridade, e não oposição, à condição de dependente dos adultos.