ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 031: Artes e crafts: composições, técnicas e trajetos criadores
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Coordenação
Fernanda Arêas Peixoto (USP), Thaís Fernanda Salves de Brito (UFRB)
Debatedor(a)
Fernanda Arêas Peixoto (USP), Thaís Fernanda Salves de Brito (UFRB)

Resumo:
Este grupo de trabalho propõe colocar em relação as chamadas produções “artístico-artesanais” e/ou “populares”, em suas diversas expressões e contextos. Trata-se de reunir pesquisas de caráter etnográfico que se debrucem sobre modalidades de fazer e feituras, criadores e criaturas, técnicas e trajetos criadores, com a atenção voltada para como se cria, com o quê se cria e com quem se cria. Em outros termos, a ideia é comparar modalidades de criação diferentes, do ponto de vista dos sujeitos (humanos e não-humanos), das técnicas, materiais e instrumentos que são mobilizados na confecção de artefatos, formas e composições heterogêneas. Sem esquecer os processos de aprendizagem e formação envolvidos nesses processos criadores que se dão em espaços diversos - casas, oficinas e mercados; associações profissionais, coletivos artísticos e políticos - nos quais são forjados vocações e projetos, corpos e pessoas. A ênfase está colocada, assim, menos nas coisas feitas e consideradas acabadas, e sobretudo nos trajetos criadores, que deixam ver seres, relações e concepções díspares. Além disso, interessa refletir, com a ajuda de exemplos precisos, o modo com as etnografias ensaiam novas formas de descrição e apresentação de seus resultados, convocados pelas criações sob escrutínio.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Poiesis fotográfica: aprendendo através da experiência do próprio fazer.
Alfredo Gresta Brant (Universidade Católica Portuguesa)
Resumo: A presente comunicação investiga o fazer fotográfico como estratégia de produção de conhecimento no contexto de uma residência artística organizada na ilha de São Vicente (Cabo Verde) e voltada para fotógrafo-a-s emergentes dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). O caráter etnográfico da pesquisa se manifesta através da metodologia de observação participante e da análise qualitativa das estratégias de produção fotográfica desse grupo. Privilegiando a visualidade em sua perspectiva cognitiva e com o objetivo de compreender a produção de fotografias como uma prática significante que descoloniza construções hegemônicas da epistemologia ocidental, essa apresentação propõe uma revisão conceitual do termo poética e a retomada do conceito de poiesis. Enquanto o primeiro representa uma sistematização da sensibilidade ao determinar leis e princípios que guiam a percepção e o entendimento das obras de arte, a poiesis representa uma forma de traduzir a realidade baseada na dinâmica do próprio fazer. Por se definir como a “passagem do não-ser à presença (Zambrano 2019, 44), a poiesis possibilita processos de aprendizagem através de estratégias decoloniais e de táticas específicas envolvendo a fabricação de imagens. Ao enfatizar o carácter processual ao invés do objeto final, propomos a noção de poiesis fotográfica como uma estratégia de literacia visual. Tal noção busca no próprio fazer uma relação cognitiva com a realidade que ultrapasse as particularidades da mídia e questione sua inserção numa história (supostamente linear ou universal) da arte. Assim, exploramos algumas possibilidades da poiesis fotográfica que remetem ao fazer fotográfico como prática transformadora tanto no nível pessoal quanto social. Por exemplo, como uma ferramenta de construção de mundos dotada de caráter autorreflexivo, através do potencial cognitivo que envolve a capacidade imaginativa, na fabricação e transmissão de micronarrativas ou em seu potencial pedagógico como prática emancipadora aplicável às produções artísticas-artesanais. Conclui-se que ao tornar porosa a linha que separa artes e "crafts", a própria ideia de conhecimento (knowledge) é desconstruída em benefício da noção de sabedoria (wisdom) onde o sentido emerge da ritualização do próprio fazer.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Criação e ornamentação do cotidiano: um olhar sobre as servilletas em Oaxaca (México)
Bianca Barbosa Chizzolini (USP)
Resumo: Minha pesquisa etnográfica investiga o papel social da servilleta, têxtil artesanal de uso cotidiano, que é, ao mesmo tempo, um detalhe trivial e vital das práticas alimentares ordinárias e festivas, centrais à reprodução da vida em Oaxaca de Juárez e alguns pueblos zapotecos dos Vales Centrais, no México. Deambulando entre casas, mercados, festas, cemitérios e barracas de comida de rua, as servilletas, peças quadradas tecidas em tear de cintura (técnica ancestral de tecelagem presente em distintos países do continente americano) ou adornadas com bordado e acabamento em crochê ou macramê, participam de modo ativo de um circuito predominantemente feminino, tradicional e popular que abrange dimensões econômicas, afetivas, criativas, relacionais, simbólicas, éticas e transformativas importantes para a sustentação da vida cotidiana. Apesar de sua notória presença na vida social e na estrutura alimentar de Oaxaca, a servilleta está quase ausente do debate entre especialistas, revelando a invisibilização da peça, de suas artífices e seus conhecimentos técnicos e referenciais estéticos, bem como dos trabalhos dos quais ela participa. Em 2022 realizei 8 meses de pesquisa etnográfica com duas famílias de mulheres artesãs em San Antonino Castillo Velasco e Ocotlán de Morelos (pueblos vizinhos entre si e distantes 40 min de Oaxaca de Juárez, capital do estado de Oaxaca) focada sobretudo nos circuitos de produção, uso e circulação da peça. O processo de pesquisa junto às artesãs foi documentado em diário de campo escrito e em um “diário de campo têxtil” que inscreve, em tecido, o processo de aprendizado técnico dos bordados e da relação entre as peças e suas artífices ao longo da etnografia Da exploração desses aspectos e dessa metodologia de pesquisa que associa texto e têxtil, palavra e fio, argumentarei de que maneira a criação, o uso e a circulação dessas peças estão emaranhadas à criação e sustentação da vida cotidiana entre espaços públicos e privados, ordinários e extraordinários e, sobretudo, coletivos. Interessa-me, assim, discutir como tais expressões estéticas do cuidado exercem um importante papel político na vida culturalmente compartilhada de algumas comunidades zapotecas de Oaxaca cuja ornamentação não é uma tarefa exclusivamente feminina, mas comunitária.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Arte e Consumo: localização e redistribuição de narrativas dissidentes
Farlley Santana Pereira (ESPM)
Resumo: Tomando como base as produções artísticas como parte de um importante fluxo informacional e cultural em sociedades, o presente artigo explora no mercado emergente de artes visuais em São Paulo, com foco na galeria Hoa, as fricções e motivações mercadológicas, de consumo e fazer artístico, isto é: identificar, construir e manter realidades antes não centralizadas. Para isso, utiliza-se a etnografia para explorar a relação entre arte, sociedade, mercado e cultura, destacando a importância da observação participante. A técnica etnometodológica fora empregada para compreender a construção de realidade social, dessa forma o campo revela que as práticas da galeria redistribui e reordena a comercialização de arte, impactando o consumo e narrativas em evidência no campo sociocultural, gerando sua localização e redistribuição.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Observando pátinas, perturbando estratigrafias: o uso de ferramentas artísticas na produção de uma didática contra colonial em antropologia e arqueologia
Lara de Paula Passos (UFMG)
Resumo: O trabalho pretende apresentar algumas experiências de ensino-aprendizagem envolvendo técnicas artísticas (em especial, a escrita poética e a collage) que vem sendo aplicadas pela autora a fim de construir uma prática pedagógica contra colonial de floração de pensamento crítico envolvendo as áreas de antropologia e arqueologia. Inicialmente, apresenta o universo arqueológico e seus atravessamentos colonialistas, ao passo em que desenvolve breve explanação acerca da importância da presença do lúdico nos sistemas de partilha de saberes. Por fim, apresenta os recursos teórico metodológicos aplicados enquanto referência e reflete acerca da importância das contribuições de vozes plurais dentro destas áreas, reivindicando o protagonismo de uma amefricanidade nos debates acadêmicos e espaços de produção de conhecimento.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Cadernos de bordado: A permanência de um saber-fazer
Leila Santana da Silva de Carvalho (UFRB)
Resumo: A presente pesquisa tem como objetivo geral o estudo sobre a produção dos cadernos de bordados da Fundação Instituto Feminino da Bahia. A partir do estudo de arquivo, interessa-nos a produção didática cultural inerente ao saber-fazer de um ofício ancestral, o ofício das bordadeiras e as formas de registro de um saber tanto pela ótica dos estudos do patrimônio quanto pelo impacto na produção artística contemporânea.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Linhas Pretas: Mapa Afrobrasileire de criadores de Moda
Lidyane Souza Querino (UFV), Larissa Sarmento Lira (UFPB)
Resumo: Nasce em 2022 a Coletiva Presentes Futuras, fruto do encontro de mulheres de diferentes regiões do Brasil que enxergam na arte a dimensão da força e do afeto como estratégia de produção de vidas. Composta por pesquisadoras, designers, stylists, costureiras e artistas, a moda é o que costura nossas histórias, trama nossos processos de criação e nos atravessa enquanto forma de luta por novas formas de ser e estar no mundo. Em 2024 lançamos o Mapa afrobrasileire de criadores de Moda. O incômodo que surge da invisibilização do trabalho de pessoas pretas foi a força motriz do projeto que teve como apoio e financiador, a FARM e o Instituto Precisa Ser. O objetivo da iniciativa, que está em sua primeira edição, foi criar uma ponte entre criadores, instituições, marcas e organizações, colocando esses nomes literalmente no mapa para futuras parcerias e presentes conexões, fortalecendo uma rede de apoio, por meio de uma plataforma online de acesso livre para consulta (https://mapalinhaspretas.com/). Mapeou-se 92 criatives pretes de 18 a 35 anos de diversos setores da moda, de todas as regiões brasileiras e que tem como pilares de seu trabalho: inovação, sustentabilidade, originalidade e decolonialidade. As inscrições foram recebidas via formulário online, estimulados por divulgação e abertura de diálogos estabelecidos nas nossas redes sociais. Para além dos elos estabelecidos, o projeto agora tem um valioso banco de dados que está em processo de análise de forma qualiquantitativa e pretende trazer informações importantes quando o assunto é a moda afrobrasileira. Leda Maria Martins (2021) nos fala que a vestimenta e o modo de vestir são integrantes das práticas corporais e acrescentam valores, movimentos, produzem imagens, esculpe gestos, marcam espacialidades e traduzem conceitos e hábitos, sendo assim, a composição vestuária é um veículo de mensagem. A moda, em seu caráter artístico (devido ao seu poder semiótico) e educador (devido a sistematizar de maneira organizada diversos saberes) permite que uma história seja contada sem proferir uma palavra. Na antropologia, a partir dos finais da década de 1980, a moda integra um outro quadro reflexivo sobre cultura material, que passa a considerar também as propostas conceituais, os objetos enquanto coisas que fazem as pessoas, tendo Daniel Miller (2013) e Karen Tranberg Hansen (2004) como algumas de suas figuras centrais. Por meio da análise desses dados, será possível identificar tendências, padrões e lacunas na representação e no reconhecimento dos criadores afrobrasileiros na indústria da moda. Essas informações podem servir como base para a formulação de políticas públicas, programas de incentivo, bem como para o desenvolvimento de estratégias que promovam a inclusão, a equidade e a diversidade dentro do setor.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A propósito da produção das pessoas e das coisas Nagô em Natal/RN
Marcos A. de S. Queiroz (IFRN)
Resumo: A pesquisa tem como proposta estudar a rede de casas religiosas de culto aos orixás Nagô na cidade de Natal/RN, por meio da sua produção material. O campo de pesquisa indicado apresenta um contexto religioso afro-indígena múltiplo com vertentes diversas em interação - o Nagô/Xangô, a Jurema, a Umbanda e diversas nações de Candomblé (ASSUNÇÃO 2022; QUEIROZ, 2013), muitas vezes entrecruzadas no interior de uma mesma casa religiosa. Para tanto, amparo-me numa perspectiva teórica que procura fazer uma interface entre os campos da Antropologia e da Arte, no sentido de pensar os processos de produção e manutenção das coisas e das pessoas produzidas (FERNADES DIAS, 2001; GELL, 2005; 2018; LAGROU, 2003). Procuro ressaltar os usos, as apropriações e as técnicas de produção desse contexto, pois tanto as coisas quanto as pessoas necessitam de cuidado e manutenção ao longo da vida. Na vivência etnográfica, pretendo tomar como material de análise as relações entre as pessoas e destas com os objetos, com o propósito de compreender como são agenciados os índices da identidade Nagô. Nesta perspectiva, os sinais identitários podem assumir uma forma concreta como artefato e agente causador de eventos verificáveis na vivência etnográfica, ou seja, na percepção do agenciamento do que é ser Nagô. A percepção desse agenciamento permitirá entender como são formalizados os procedimentos e técnicas que produzem e/ou transformam as coisas e pessoas de forma concreta evidenciando o estilo Nagô dessa rede (GELL, 2018).
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ativismos têxteis contemporâneos: uma cartografia de novas artes da política no Brasil
Milena de Oliveira Silva (USP)
Resumo: Esta comunicação visa apresentar resultados preliminares e caminhos de uma pesquisa que se dedica ao que é conhecido por ativismos têxteis contemporâneos no Brasil. As práticas dos coletivos têxteis podem ser sintetizadas no uso do tecido como forma de denúncia ou expressão política onde, geralmente, mulheres são as protagonistas; são elas quem fazem uma reapropriação estratégica do têxtil e do bordado, subvertendo concepções e estereótipos associados ao feminino. Se tais ativismos se fazem presentes na América Latina desde pelo menos as arpilleras chilenas - técnica de bordado realizada por mulheres que lutaram contra a ditadura de Augusto Pinochet no país, a partir de 1973 -, no Brasil, a atuação dos coletivos têxteis é bem mais recente e se dá de modo particular. Difundidos sobretudo nos anos 2000, no país tem destaque um conjunto de coletivos de mulheres que se identificam como “Linhas” – do Horizonte, de Sampa, do Rio etc. - coletivos que se dedicam à produção de panfletos bordados, produzidos com a intenção de serem distribuídos em espaços públicos (às vezes também produzidos no espaço público), com temáticas diversas associadas, em geral, às pautas de movimentos políticos de esquerda brasileiros. Interessada em conhecer os coletivos e a compreender como atuam, a pesquisa se organiza em dois tempos. Em um primeiro, trata-se de realizar uma cartografia dos coletivos, de modo a pensar quem são, onde se localizam e o que fazem. Em um segundo, o objetivo é colocar o foco da atenção em questões levantadas por uma etnografia iniciada com o Linhas de Sampa, por exemplo, as relações entre política e cuidado, e expressão artística e ativismo político.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Entre traços e riscados - um esboço dos modos de criar, desenhar e fazer sigilos mágicos
Milena dos Reis Rabelo (UFSC)
Resumo: Como descrever o terreno mágico e material do Paganismo Contemporâneo? A partir de experiências de prática e produção de pesquisa junto ao Círculo Piaga na Vila Pagã, no Piauí, o seguinte trabalho coloca em cena os modos de criar e fazer uma religião pagã na contemporaneidade. Traçando a magia como mediadora da experiência de estar num mundo “infundido de espíritos” (Greenwood, 2016), seguirei, nessa escrita, os traços riscados dos sigilos mágicos desenhados por um sacerdote-bruxo piaga inspirado por almas, bruxas, espíritos e encantados. Enquanto imagens gráficas de seres outros-que-humanos – geralmente feitas a partir de representações pictóricas e/ou rúnicas, ou criadas junto a experiências mediúnicas –, os sigilos fazem indagar: o que um sigilo faz? Como se faz um sigilo? O que media e o que é mediado por sigilos mágicos? Como os gestos de desenhar, inscrever e traduzir nomes, símbolos e imagens emergem reciprocamente com os sigilos? Essas indagações – que povoam minha atual pesquisa no mestrado sobre as materialidades da experiência da magia num contexto pagão –, nos levam a prestar atenção ao processo de criação e feitura desses traços mágicos-rituais e às dimensões criativas e materiais que os trazem à existência junto às pessoas em cujas vidas eles estão envolvidos. Entrelaçando rastros biográficos-sociais e mágico-rituais, riscarei nessa escrita o devir das pessoas e o devir das “coisas”, me concentrando nos fluxos materiais pelos quais “coisas” surgem e continuam como organismos que crescem a partir do que fazem (Ingold; Hallam, 2014). Desde pedras, madeiras, troncos, chão e giz, os sigilos riscam entidades e energias que agem durante rituais, mas, que antes, foram criados e feitos em processos que envolvem experiências mediúnicas; ao mesmo tempo que são riscados através do corpo do sacerdote-bruxo que está inspirado, irradiado, canalizado e/ou incorporado por entidades – que escrevem-inscrevem e traduzem as imagens nos/dos sigilos como participantes ativos na experiência da magia. Como uma simpoiese (Haraway, 2016), a relacionalidade provocada pelo ato de criar e fazer sigilos pode indicar modos de visualizar como acontece a intimidade de uma religião pagã na contemporaneidade desde uma escala situada e específica – mas que também está enredada na paisagem religiosa do Paganismo Contemporâneo no Brasil a partir da produção de um mundo mágico e religioso localizado –, como é o caso da tradição do Paganismo Piaga no Piauí.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Relatos artísticos-antropológicos com o barro preto de Goiás
Ralyanara Moreira Freire (Ciranda da Arte/Seduc-GO)
Resumo: O barro preto é tradicionalmente modelado pelas paneleiras do quilombo urbano Alto Santana, em Goiás (GO), cidade reconhecida, em 2001, pela UNESCO, como Patrimônio Cultural da Humanidade. As peças de cerâmica terracota são queimadas em fornos tradicionais, feitos também de barro. A lenha, oriunda de restos de construção e de árvores do Cerrado goiano, é capaz de gerar calor de 900º a 1.200º, temperatura esta suficiente para transformar o barro preto em cerâmica vermelha. A construção e manuseio do forno tradicional, bem como o controle do fogo são tarefas árduas conduzidas, sobretudo, por mulheres negras do quilombo, detentoras do saber-fazer na cidade. Desde 2021, dona Xica, mestra amplamente reconhecida em Goiás, vem me ensinando essas tarefas e me escolhendo como uma de suas aprendizes do ofício de ser paneleira. A priori, nesta proposta de comunicação, eu busco discorrer e refletir sobre as experimentações etnográficas e processos criativos que eu venho realizando com a cerâmica e a sua principal matéria orgânica. Assim, amparada pelos ensinamentos do barro e de dona Xica, discorro sobre conceitos de campo como a “ciência do barro”, o “tempo do forno”, o “cheiro de panela queimada”, o “amassar o barro”, o “alisar o barro” e outros. Também trago uma descrição visual que focaliza as etapas de construção das panelas de barro e técnicas de modelagem e escultura desenvolvidas por dona Xica bem como os materiais utilizados no ateliê/oficina como a espiga de milho, o pedaço de couro, e a ponta da chinela. Neste momento inicial da pesquisa, me interessa investigar as possibilidades inventivas a partir do barro e com pessoas detentoras do “pensar-saber-fazer” que, cotidianamente, modelam narrativas futuristas com vistas a um caminho ancestral. Fazendo uma relação com pesquisas anteriores de mestrado e de doutorado, sobre a materialidade têxtil e os bordados políticos, eu sigo criando conexões entre os ofícios do saber ancorados em técnicas tradicionais, tecnologias ancestrais, territorialidades, materialidades, processos criativos e mulheres plurais.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Pontos para alinhavar um método - Arquivos, repertórios e performances do tecido, corpo e espaço
Thiago Duarte Flores (UFMG)
Resumo: Ao investigar o universo dos fazeres têxteis, encontramos um limite em relação às fontes escritas tradicionais. Ingold lembra que “a fiação, torção e união das fibras estiveram entre as artes humanas mais antigas, das quais todas as demais derivaram, incluindo tanto as construções quanto os têxteis”. Apesar disso os fios nunca foram matéria de atenção aos estudos das artes, humanidades e ciências, por não levarem a sério os trabalhos compreendidos como femininos. Recorrer à oralidade seria a resposta mais rápida de um cientista social frente ao desafio de lidar com tal contexto não registrado pela escrita. No entanto, seria a voz suficiente para dar conta de um sistema permeado por gestos, imagens e silêncios? A autora Leda Maria Martins nomeia oralituras os movimentos performáticos grafados pela voz e pelo corpo na oralidade, nos quais o “gesto não é apenas uma representação mimética de um sentido possível (...) mas também institui e instaura a própria performance” (MARTINS, 2003,p. 65). Em extensão, o fazer se torna uma forma de contar, o artesanato uma expressão de um olhar subjetivo sobre o mundo. Podemos, com Diana Taylor, ir além e pensar nos mais diversos tecidos, mesmo aqueles à primeira vista ordinários, como registros, no sentido em que “tudo que tem significado se torna uma espécie de escrita”(TAYLOR, 2013, p. 57). Nesse fio, podemos pensar as performances que envolvem os fazeres têxteis como repertório, “maneiras como se produz e se transmite conhecimento por meio da ação incorporada" (TAYLOR, 2013, p. 55). Pensando com Diana e Leda, podemos “levar a sério o repertório de práticas incorporadas como um importante sistema de conhecer e de transmitir conhecimento.” (TAYLOR, 2013, p. 57). Nesta relação entre o dizer, o saber e o fazer, Porto-Gonçalves enxerga uma dimensão de disputa de poderes: “Há uma tradição que privilegia o discurso – o dizer – e não o fazer. Todo dizer, como representação do mundo, tenta construir / inventar / controlar mundos. Mas há sempre um fazer que pode não saber dizer, mas o não saber dizer não quer dizer que não sabe. Há sempre um saber inscrito no fazer.” (Porto-Gonçalves, 2017, P. 51). Não basta, assim, que escutemos apenas com os ouvidos às histórias que essas praticantes do tecido têm a nos contar, precisamos aprender a implicar nossos corpos e dialogar com suas performatividades. Há uma voz que não se manifesta da mesma forma que a palavra falada na vida política ou pública, pessoas que encontram outros meios para compartilhar suas subjetividades. Neste pequeno ensaio busco tatear, na interlocução de artesãs e pesquisadoras, os pontos que alinhavam uma inteligência própria dos fazeres têxteis: a textualidade dos arquivos têxteis; a leitura pelo avesso; os jogos de escala; os gestos que retramam o mundo.
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