ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 007: Antropologia Biológica e interfaces biologia e cultura: história, pesquisas atuais e perspectivas futuras
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Coordenação
Verlan Valle Gaspar Neto (UFRRJ), Pedro Jose Tótora da Glória (UFPA)

Resumo:
Desde suas primeiras investigações, na primeira metade do século XIX, até o presente, a Antropologia Biológica brasileira tem se apresentado multifacetada, com uma profusão de estudos com reconhecida inserção na comunidade antropológica internacional. Não obstante, são ainda escassos os espaços de discussão que abordem as interfaces entre Ciências Biológicas e as Ciências Humanas no país, marca da Bioantropologia contemporânea, incluindo em um mesmo fórum pesquisas realizadas em Etnobiologia, Antropologia Ecológica, evolução biocultural, Antropologia Forense, Bioarqueologia, Antropologia Genética, Socioecologia da Saúde, Primatologia, entre outros campos correlatos. Sempre orientado pelas recentes e cada vez mais proeminentes discussões em torno do que se tem chamado internacionalmente de uma Antropologia Integrada, em que perspectivas teórico-metodológicas de mais de um campo da Antropologia e áreas afins são postas em diálogo, este GT, nesta terceira edição, segue com o propósito de se consolidar como um espaço aberto, dentro das RBAs, a investigações de natureza teórica, experiências em trabalho de campo, bem como relatos de iniciativas institucionais, que contemplem os aspectos históricos, os múltiplos temas atuais, as perspectivas futuras e, sobretudo, as possibilidades de diálogo entre Biologia e Antropologia no e a partir do Brasil.


Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Sobre o Futuro dos Mortos de Mazagão Velho: pesquisa sobre a relação entre uma comunidade no Amapá e remanescentes humanos
Aline dos Santos Coutinho (UNIFAP)
Resumo: É reconhecido que o registro bioarqueológico representa uma importante fonte de informações sobre os modos de vida de indivíduos ou coletivos humanos. Ao passo que a relação entre Bioarqueologia e comunidades contemporâneas se desenvolveu principalmente focada sobre os aspectos legais e éticos da pesquisa, ainda temos poucos exemplos ou propostas de trabalho que articulem arqueólogos e comunidades para o estudo de remanescentes de corpos humanos. No início dos anos 2000, a vila de Mazagão Velho, no Amapá, foi objeto de pesquisa focada na escavação da área onde outrora esteve localizada uma igreja do período pombalino. Além da base, alicerces da edificação e de centenas de objetos, a escavação coordenada por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco resultou na exposição de mais de oitenta sepultamentos humanos. A época, a partir de uma decisão em conjunto entre comunidade, pesquisadores e agentes estatais, optou-se pela construção de um pequeno mausoléu no interior do cemitério São Benedito e a realização de um novo sepultamento dos corpos. Embora Mazagão Velho tenha sido alvo de inúmeros estudos – muitos dos quais voltados ao problema das intricadas camadas que formam a identidade local – a relação que essa comunidade mantém com os remanescentes humanos do mausoléu de São Benedito restava por ser estudada. Uma sondagem inicial apontou para diferentes interpretações e perguntas que emergem entre as pessoas de Mazagão Velho. Questões sobre a identidade negra ou portuguesa dos remanescentes de corpos humanos coexistem com o receio de que a realização de pesquisas sobres os esqueletos impliquem em sua saída e/ou extravio da comunidade. Nesta pesquisa, chamamos atenção para o fato de que a pesquisa arqueológica em Mazagão Velho está imersa em um contexto social complexo e que envolve pesquisadores, o poder estatal e uma comunidade atuante e preocupada com o futuro dos mortos.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Como a mãe sabe que o seu bebê está bem? Uso de antropometria e comportamento infantil pelas mães da Amazônia urbana.
Ana Carolina da Silva Brito de Azevedo (Programa de Pós-Graduação em Antropologia), Talita Cestonaro (USP), Pedro Jose Tótora da Glória (UFPA), Barbara Piperata (Ohio State University)
Resumo: Os seres humanos são resultado de processos bioculturais, uma vez que aspectos biológicos e culturais são interligados e possuem impacto na construção dos processos de saúde e doença, nos auxiliando na compreensão do desenvolvimento humano. Este trabalho investiga as ferramentas utilizadas pelas mães para avaliar o estado de crescimento e bem-estar dos seus bebês. Para isso, utilizamos do aporte metodológico misto na obtenção dos dados. Para os dados quantitativos, coletamos medidas antropométricas do peso e comprimento de bebês nos nove primeiros meses de vida, que participam de um projeto maior, que visa analisar os impactos ecológicos e culturais na formação do microbioma intestinal infantil. Para os dados qualitativos, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com as mães, para compreender sua percepção sobre saúde dos seus bebês. Os resultados quantitativos demonstraram que ao nascer, 94% dos bebês estavam com comprimento adequado para a idade, 89,3% estavam com peso adequado para comprimento e 97% estavam com peso adequado para a idade (n= 188). No primeiro mês, 77,5% dos bebês apresentavam comprimento adequado para a idade; 81,4% apresentavam peso adequado para comprimento e 63% apresentavam peso adequado para idade (n=120). No terceiro mês de vida, 68% dos bebês apresentavam estar com o comprimento adequado para a idade, 87% com peso adequado para comprimento e 73% com o peso adequado para idade (n= 120). Ao nono mês, os bebês apresentavam adequação de 79% de estatura para idade, 86,8% com peso adequado para comprimento e 80% estavam com peso adequado para idade (n=144). Além disso, constatou-se através dos dados qualitativos, que as mães obtêm informações sobre o crescimento antropométrico de seus bebês através das visitas pediátricas de rotina, que por sua vez, utilizam-se da Caderneta de Saúde Infantil, distribuída amplamente pelo governo federal, em hospitais públicos e privados, como uma ferramenta para avaliar se a criança está inserida nas normas de crescimento ideal segundo a OMS. Para além disso, as mães também avaliam o bem-estar por meio de comportamentos esperados para cada idade, moldados culturalmente. Bebês que são mais ativos, interagem com outras pessoas, brincam, se interessam por alimentos, são bebês que são considerados sadios na perspectiva materna. Com base no exposto, a avaliação sob o viés biomédico é importante, mas a percepção materna sobre os comportamentos esperados de seus bebês é essencial para compreender a complexidade do que seria um bebê saudável na Amazônia urbana.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Bioantropologia e Antropologia Forense na Identificação Humana e Efetivação de Direitos
Ana Cláudia Goes Rocha (UFMS), Priscila Lini (UFMS)
Resumo: As mudanças de ordem social, políticas e intelectuais ocorridas durante o século XVIII foram catalisadoras para o surgimento da antropologia como disciplina. Inicialmente, concentrando-se em categorizar e explicar as diferenças entre grupos humanos com base em critérios raciais hierárquicos, fundamentados em ideias deterministas e racistas. A partir do século XX, a antropologia passou por uma transformação, especialmente devido a avanços na genética e herança humana, influenciada também pelos eventos ocorridos ao redor do mundo especialmente na primeira metade do século. Essa mudança resultou na virada da Antropologia Física, que se tornou a Bioantropologia, focando na compreensão da diversidade humana como um todo e no tratamento adequado dos mortos. No Brasil e na América Latina, a Bioantropologia, incluindo a Antropologia Forense, desempenhou um papel essencial em investigações legais, na compreensão de populações e na preservação da história, e especialmente no movimento que busca por verdade e justiça para os países que enfrentaram ditaduras militares. A institucionalização dessas disciplinas levou ao desenvolvimento de métodos e materiais específicos para a identificação de restos humanos, usando critérios como estatura, idade, sexo/gênero e ancestralidade, juntamente com a análise de lesões, traumas e patologias. Esses métodos combinados permitem a identificação de indivíduos desconhecidos, a resolução de casos criminais e a documentação de violações de direitos humanos. Consequentemente, há a necessidade de estudar a Bioantropologia e a Antropologia Forense no século XXI, estabelecendo padrões apropriados para análise e perícia, com ênfase no papel fundamental dessas disciplinas na efetivação dos direitos humanos e na preservação da dignidade humana.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Integração ou Isolamento? O caso dos caçadores-coletores do Deserto do Kalahari.
Daniel Pereira Rocha (UFSB)
Resumo: Esse ensaio pretende retomar parte do pensamento antropológico que se desenvolveu ao longo do século XX em relação aos San, que são grupos de caçadores-coletores habitantes da África Austral. O intuito é analisar o entrelaçamento entre teorias antropológicas, perspectivas históricas, estudos arqueológicos e análises biológicas que levam a eleger essas populações como aquelas sociedades que estariam mais próximas do que seria a sociedade “primitiva” ou “originária” da humanidade. Logo, busca-se problematizar em que medida essas pesquisas e análises podem soar contraditórias ao mesmo tempo que um determinado imaginário científico-social sobre essas populações.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Medindo lacunas: os debates recentes sobre a origem e evolução da linguagem e a sobrevida da tensão natureza/cultura em Antropologia sociocultural
Diego Ferreira Marques (UFBA)
Resumo: Nas últimas três décadas, pelo menos, o problema da origem e evolução da linguagem, outrora tomado com certa desconfiança apriorística, constituiu objeto de crescente interesse em diferentes domínios das Ciências Naturais e das Ciências Humanas, engendrando numerosos esforços de pesquisa multidisciplinar e impactando diferentes áreas de conhecimento. Seja por meio da intensificação de estudos de campo em primatologia, pelo desenvolvimento de modelos computacionais e de experimentos fundados em teorias dos jogos ou pelo aparecimento de novas vertentes analíticas em ecologia linguística, por um lado, seja, por outro, pela emergência de novos conjuntos de evidências relacionadas à evolução do comportamento linguístico em campos como a genética, a arqueogenética e a neurolinguística, dentre outras inovações teórico-metodológicas, a transformação do estatuto epistêmico dessa questão tem suscitado incontáveis debates, polêmicas e mesmo a revisão de modelos interpretativos gerais em Biologia Evolutiva. De forma aparentemente paradoxal, contudo, embora a reflexão atual sobre a evolução da linguagem tenha implicações significativas sobre a forma com que, historicamente, a Antropologia definiu em termos conceituais grandes problemas como a natureza própria e típica das culturas humanas e/ou do simbolismo, esse novo afluxo de pesquisas sobre o tema em tela parece não gerar uma reação proporcional no campo da Antropologia sociocultural. Se grandes modelos teóricos em Linguística tiveram, ao longo do século XX, uma força geradora que desencadeou o aparecimento de diferentes correntes de pensamento em Antropologia sociocultural (desde o relativismo boasiano ao estruturalismo e ao interpretativismo), a investigação recente sobre a origem e evolução da exaptação linguística parece não conseguir ter o mesmo sucesso em ingressar na agenda daquele campo, independentemente de seus diferentes contextos regionais, nacionais ou institucionais, malgrado os empreendimentos de alguns pesquisadores individuais e/ou grupos pontualmente situados. Neste trabalho, pretende-se desenvolver uma revisão crítica e sistemática suscinta de pesquisas multidisciplinares sobre a origem e evolução da linguagem, oferecendo uma espécie de estado da arte sobre a questão, bem como, para além da mera alegação de "biofobia" por parte das Ciências Sociais e/ou da controvérsia em torno ao "evolucionismo", discutir as potenciais razões dessa lacuna de diálogo e integração efetiva ao debate por parte de uma maioria expressiva do campo da Antropologia sociocultural.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Aspectos da oposição natureza/cultura em Jane Goodall
Gláucia Oliveira da Silva (UFF)
Resumo: O trabalho explora uma mudança que ocorre hoje nos campos da biologia e da antropologia social, sinalizando um intento comum de transcender os efeitos heurísticos da oposição entre natureza e cultura. Enquanto o neo-darwinismo atribui importância exclusiva às variações de freqüências genéticas e às mutações aleatórias para a explicação do processo evolutivo, correntes não-hegemônicas da biologia privilegiam a capacidade de comunicação intra e inter-específica para o entendimento deste processo. A antropologia, ao se satisfazer com o equacionamento entre cultura e capacidade de simbolização como manifestações especificamente humanas, abre mão de uma articulação mais abrangente não só da compreensão do fenômeno cultural, mas também da reinserção das sociedades humanas na natureza. Para discutir a eventual possibilidade de convergência entre os paradigmas da biologia e da antropologia social, me apoio em textos da primatóloga Jane Goodall interrogando em que medida a sua primatologia é também uma etnografia, no sentido moderno do termo.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Modelagem baseada em agentes, complexidade e antropologia ecológica no estudo da agrobiodiversidade
Juan Sebastián Felipe Olmos Núñez (USP)
Resumo: A mudança climática e a crise da biodiversidade são só alguns dos perigos mais imediatos causados pelo impacto das ações antrópicas no planeta. Com o objetivo de afrontar as novas crises, mudanças sistêmicas e profundas são necessárias (DÍAZ et al., 2019; IPBES, 2019). Nesse sentido, as abordagens que consideram as interações entre o ser humano e seu meio ambiente são cruciais. Dentre as principais áreas dedicadas ao estudo da interação entre o ser humano e o meio ambiente, a antropologia, a ecologia, a biologia e a ciência política são as mais representativas; muitos dos debates são aprofundados especialmente pela antropologia ecológica. Em todo caso, para abordar esse objeto de estudo tão interdisciplinar é fundamental responder à pergunta sobre como considerar a imensa e crescente complexidade de relações entre o ser humano e o meio ambiente (BRONDÍZIO; ADAMS; FIORINI, 2017). Este texto procura ressaltar uma das respostas a essa pergunta: a Modelagem Baseada em Agentes. Neste trabalho é proposta a Modelagem Baseada em Agentes como uma solução no problema da integração balanceada das variáveis ambientais, culturais, políticas e históricas no estudo da antropologia ecológica e/ou ambiental (BRONDÍZIO; ADAMS; FIORINI, 2017); aqui é sugerida a técnica de modelado computacional como uma ferramenta para o estudo das zonas limítrofes entre a antropologia e a biologia. A potencialidade do método radica nas oportunidades que abre para a antropologia, em geral, e para a antropologia que pesquisa as interações entre os humanos e não humanos, em particular. Após uma introdução sobre o tema da minha pesquisa (a agrobiodiversidade), as aproximações teóricas relevantes (sistemas socioecológicos e a complexidade) e a técnica utilizada para responder essas questões (Modelagem Baseada em Agentes), pretendo mostrar as potencialidades da utilização desse tipo de modelagem computacional no estudo da agrobiodiversidade e nos trabalhos referentes às interações entre o ser humano e o meio ambiente.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Disposições naturais e dispositivos de saber: pressupostos, processos e rendimentos de produções contemporâneas das ciências biológicas sobre gênero e sexualidade
Larissa Tanganelli (Fundação José Luiz Egydio Setúbal)
Resumo: Esta comunicação tem como tema a centralidade concedida às dimensões biológicas em debates políticos e científicos contemporâneos sobre sexualidade e identidade de gênero. Nas últimas décadas, pesquisas genômicas e de outros campos das ciências biológicas têm alcançado culturalmente lugar de destaque e legitimidade para tratar da “natureza humana” e algumas de suas vertentes teórico-experimentais têm investido particularmente sobre a produção de estudos que visam explorar as “causas” ou “natureza” da sexualidade e identidade de gênero. Ao tomar “genes” e outros índices de produção de sujeitos e corpos como hormônios, órgãos anatômicos (cérebro ou sexo) ou dimensões fisiológicas - entre outros compreendidos enquanto estruturas elementares determinantes da constituição do humano e índices de suas disposições sexuais -, a produção contemporânea das ciências biológicas entrecruza dimensões de natureza e cultura, humanidade e animalidade, gênero e sexualidade, ou seja, binômios caros às reflexões antropológicas que classicamente se debruçam sobre a articulação destas temáticas e problemáticas. Tendo como objeto produções das últimas cinco décadas de campos diversos das ciências biológicas sobre gênero e sexualidade, esta comunicação busca identificar alguns questionamentos caros à reflexão antropológica no que se refere à universalidade e particularidade, a perspectivas deterministas ou interacionistas (ao que é tomado como dimensão biológica em relação àquela tida como cultural), a dicotomias que são reativadas ou atualizadas como dado e construído, inato e adquirido, fenômeno natural e experiência social. Essa comunicação aposta na potencialidade da antropologia em contribuir para a reflexão dos saberes produzidos pelas ciências biológicas, levando em consideração, por exemplo, a compreensão da medida em que as evidências encontradas pelas ciências biológicas harmonizam com o que é culturalmente relevante e sancionado, e o que isto nos permite refletir sobre a “objetividade” dos dados. Esta reflexão se mostra importante uma vez que as ciências biológicas são constitutivas do pensamento moderno e ocidental e, portanto, se apresentam como um campo social e cientificamente autorizado a produzir verdades sobre o humano e algumas das suas disposições, entre as quais gênero, sexualidade, comportamentos e a natureza e naturalidade dos corpos. A partir deste levantamento, a proposta é também considerar que os produtos discursivos destas investigações ultrapassam as esferas de produção científica e suscitam controvérsias públicas que aglutinam atores sociais heterogêneos, trazendo à tona disputas que têm lastro histórico.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Devir-fungo: experimentações etnográficas com fermentações
Melanie Theresia Peter (UFAM)
Resumo: O que podemos aprender com o fazer mundos dos fungos e das assembleias constituídas por eles junto aos humanos e às miríades de outros seres? É possível experimentar uma antropologia micelial? Será essa antropologia um caminho apoiado nos traçados enquanto hifas que se agitam e transmitem mensagens inevitáveis entre espécies animais, vegetais e fúngicas? Afinal, esses aglomerados de estruturas em constante processo de ramificar-se sabem quando mudar as rotas, se necessário, perfuram rochas e assim criam paisagens impensadas. Porque as margens, indomáveis, como as descreve Anna Tsing, estão sempre em movimento. São fluxos reencontrados entre linhas de existência. Os questionamentos levantados por essa pesquisa/ensaio/experimento visam sinalizar a insurreição fúngica em curso e destacar processos dentro dos quais substâncias e palavras ainda podem transformar, fermentar. A partir da descrição de exercícios com fungos e de um apanhado sobre estudos etnomicológicos e processos fermentativos, sobretudo na amazônia, visa-se especular uma virada fúngica na antropologia. Parto de algumas das muitas etnografias de povos do Rio Negro - essa gente de transformação -, para esboçar os caminhos de investigações em torno da fermentação multiespécies dos caxiris. Confluências chegam então para uma experimentação etnográfica da feitura de um caxiri de cará roxo junto a indígenas do povo Tukano e ao testemunho de um encontro entre artistas e cientistas em uma residência a bordo de um barco laboratório que deslizou por paisagens amazônicas durante a expedição fungicosmology.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Usos e ressignificações do Cemitério da Soledade em Belém do Pará sob uma perspectiva biocultural
Pedro Jose Tótora da Glória (UFPA)
Resumo: O cemitério da Nossa Senhora da Soledade é considerado o primeiro cemitério público da cidade de Belém do Pará, tendo sido inaugurado em 1850. Ele foi criado como parte de um movimento higienista de mudança dos enterros feitos próximos às igrejas para o enterro em locais distantes dos centros urbanos, buscando evitar o contágio por sucessivas epidemias que assolaram a cidade durante o século XIX, tais como a febre amarela e a cólera. O Cemitério da Soledade foi oficialmente desativado em 1880, porém continuou fazendo parte do imaginário da cidade na forma de relatos de visagens e na frequente visita da população para a adoração de santos populares. Reconhecido como local de relevância paisagística, arquitetônica e histórica, ele foi tombado pelo IPHAN em 1964. Em 2023, foi inaugurado um parque aberto ao público como resultado de um projeto de restauro e conservação realizado pela Universidade Federal do Pará em parceria com a Secretaria de Cultura do Estado do Pará. O presente trabalho objetiva descrever os usos e intervenções no Cemitério da Soledade sob uma perspectiva da arqueologia mortuária e da bioarqueologia, considerando os elementos biológicos e culturais. Foram investigados 31 jazigos, representando locais de sepultamento de membros de famílias nobres de Belém, através de metodologias de mapeamento do interior dos jazigos por croquis, documentação fotográfica e descrição das estruturas, objetos e remanescentes humanos presentes em seu interior. Os seguintes resultados podem ser destacados: i) os jazigos apresentaram danos estruturais tais como marcas de infiltração de água, portas danificadas, rachaduras e descascamento nas paredes, resultando em camadas de sedimento no chão, folhas, galhos, raízes, e manchas esverdeadas; ii) A maioria dos sepultamentos eram secundários depositados em urnas de ferro e pedra, e em casos raros de madeira, sendo detectados também caixões de madeira violados, possivelmente utilizados para enterramentos primários; iii) Houve violação sistemática das urnas e gavetas mortuárias resultando em ossos espalhados no chão e nas prateleiras, fragmentação óssea, e ossos escurecidos, esverdeados e esbranquiçados; iv) Foram encontrados sinais de uso dos jazigos para fins rituais tais como velas derretidas, marcas escurecidas nas paredes, e estruturas rituais com presença de frascos de vidro com ervas, velas em forma de caveira, ossos humanos e de animais e cartas com dizeres. Esses resultados indicam que o Cemitério sofreu processos de abandono, deterioração, invasão de elementos naturais, violações e utilização como espaço de ritualização popular, indicando uma complexa relação de processos naturais e humanos, incluindo ressignificação de seu espaço.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Bioantropologia e Urbanismo: desafios para a integração entre saúde e ambiente no contexto urbano amazônico.
Uriel Melquisedeq Lopes Coelho (UFPA)
Resumo: Nos últimos anos, a Bioantropologia tem dedicado diferentes esforços para contemplar visões mais integrativas em suas teorias e métodos, buscando investigar questões relevantes acerca das interações entre aspectos biológicos, a sociedade e a cultura humana. Dentre estas abordagens, a perspectiva ecológica tem ganhado cada vez mais destaque frente a desafios como a crise climática global, tema este que também tem levado as comunidades, bem como os gestores e planejadores urbanos de todo o mundo a buscarem novas soluções para os problemas decorrentes das relações entre a sociedade e o meio ambiente, tarefa esta, que, no entanto, enfrenta ainda inúmeras barreiras. Considerando este cenário, este trabalho busca estimular uma maior aproximação entre os campos da Bioantropologia e do Urbanismo, identificando potenciais de complementariedade entre as suas abordagens que apontem também para soluções às atuais problemáticas de saúde vividas no espaço urbano amazônico. Para tanto, toma-se como referência um estudo de caso realizado entre os anos de 2023 e 2024 em um bairro periférico da cidade de Belém- PA, utilizando-se também de revisão de literatura, análise de dados secundários, técnicas de geoprocessamento e observações diretas a fim de instruir uma narrativa capaz de evidenciar algumas das lacunas e afinidades existentes entre estes dois campos, bem como ampliar os olhares acerca da influência do ambiente urbano na saúde humana. Argumenta-se que este olhar é relevante, pois além de aproximar campos comumente vistos como distintos, nos permite também encaminhar propostas de planejamento urbano mais sintonizadas com as demandas de saúde específicas das comunidades periféricas da região amazônica, contribuindo, portanto, para criar um cenário de maior estímulo ao desenvolvimento de políticas públicas mais democráticas e inclusivas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A institucionalização da Antropologia Biológica no Pará: recapitulação histórica e apontamentos preliminares
Verlan Valle Gaspar Neto (UFRRJ)
Resumo: Em sua primeira parte, esta apresentação traça o histórico da criação do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Pará (PPGA-UFPA), em 2010, concebido para, entre outras coisas, abrigar, institucionalmente, a Antropologia Biológica. Tendo como inspiração o modelo institucional norte-americano, internacionalmente conhecido como Antropologia dos quatro campos (Antropologia Sociocultural + Linguística + Bioantropologia + Arqueologia), a sua gestação e inauguração se deu, curiosamente, num momento em que esse modelo era alvo de ataques e debates públicos naquele país. Em sua segunda parte, a apresentação traz a lume um conjunto de apontamentos preliminares sobre o funcionamento deste Programa após mais de uma década desde a sua criação. Baseados em fontes documentais e entrevistas com bioantropólogos do PPGA-UFPA, esses apontamentos tocam na questão de se, passado todo esse tempo, os objetivos inicialmente previstos foram parcialmente, totalmente ou mesmo não alcançados.