ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 007: Antropologia Biológica e interfaces biologia e cultura: história, pesquisas atuais e perspectivas futuras
Usos e ressignificações do Cemitério da Soledade em Belém do Pará sob uma perspectiva biocultural
O cemitério da Nossa Senhora da Soledade é considerado o primeiro cemitério público da cidade de Belém do Pará, tendo sido inaugurado em 1850. Ele foi criado como parte de um movimento higienista de mudança dos enterros feitos próximos às igrejas para o enterro em locais distantes dos centros urbanos, buscando evitar o contágio por sucessivas epidemias que assolaram a cidade durante o século XIX, tais como a febre amarela e a cólera. O Cemitério da Soledade foi oficialmente desativado em 1880, porém continuou fazendo parte do imaginário da cidade na forma de relatos de visagens e na frequente visita da população para a adoração de santos populares. Reconhecido como local de relevância paisagística, arquitetônica e histórica, ele foi tombado pelo IPHAN em 1964. Em 2023, foi inaugurado um parque aberto ao público como resultado de um projeto de restauro e conservação realizado pela Universidade Federal do Pará em parceria com a Secretaria de Cultura do Estado do Pará. O presente trabalho objetiva descrever os usos e intervenções no Cemitério da Soledade sob uma perspectiva da arqueologia mortuária e da bioarqueologia, considerando os elementos biológicos e culturais. Foram investigados 31 jazigos, representando locais de sepultamento de membros de famílias nobres de Belém, através de metodologias de mapeamento do interior dos jazigos por croquis, documentação fotográfica e descrição das estruturas, objetos e remanescentes humanos presentes em seu interior. Os seguintes resultados podem ser destacados: i) os jazigos apresentaram danos estruturais tais como marcas de infiltração de água, portas danificadas, rachaduras e descascamento nas paredes, resultando em camadas de sedimento no chão, folhas, galhos, raízes, e manchas esverdeadas; ii) A maioria dos sepultamentos eram secundários depositados em urnas de ferro e pedra, e em casos raros de madeira, sendo detectados também caixões de madeira violados, possivelmente utilizados para enterramentos primários; iii) Houve violação sistemática das urnas e gavetas mortuárias resultando em ossos espalhados no chão e nas prateleiras, fragmentação óssea, e ossos escurecidos, esverdeados e esbranquiçados; iv) Foram encontrados sinais de uso dos jazigos para fins rituais tais como velas derretidas, marcas escurecidas nas paredes, e estruturas rituais com presença de frascos de vidro com ervas, velas em forma de caveira, ossos humanos e de animais e cartas com dizeres. Esses resultados indicam que o Cemitério sofreu processos de abandono, deterioração, invasão de elementos naturais, violações e utilização como espaço de ritualização popular, indicando uma complexa relação de processos naturais e humanos, incluindo ressignificação de seu espaço.