Grupos de Trabalho (GT)
GT 022: Antropologia e Povos Indígenas em Contextos Nacionais Diversos
Coordenação
Stephen Grant Baines (UNB), Lara Erendira Almeida de Andrade (INRS | Institut national de la recherche scientifique)
Debatedor(a)
Stephen Grant Baines (UNB), Lara Erendira Almeida de Andrade (INRS | Institut national de la recherche scientifique)
Resumo:
O GT pretende reunir pesquisas que examinam a interface entre Antropologia e povos indígenas em contextos de Estados nacionais diversos, a partir da proposta de estudar “estilos de antropologia”, iniciada no Brasil pelo professor Roberto Cardoso de Oliveira (1988, 1998). Neste caso, focamos na Antropologia Social junto a Povos Indígenas e como nos ambientes específicos de cada país ela se desenvolveu enquanto disciplina acadêmica de pretensões universais, entretanto com especificidades relacionadas a histórias distintas e diferenças culturais nacionais. O Brasil, desde a Constituição de 1988, reconhece legalmente a diversidade cultural existente no país e iniciou, nos anos de 1990, um processo de descentralização administrativa das políticas indigenistas. Numa escala internacional, tais mudanças estão relacionadas com uma ampla reforma do Estado que, por um lado, avançou em políticas neoliberais e, por outro lado, deu passos no reconhecimento legal do pluralismo cultural e de direitos diferenciados para os povos autóctones. Uma espécie de face pública, bem como resultado dos interesses externos na governabilidade dos regimes políticos. O GT pretende reunir pesquisadoras/es que trabalham com povos indígenas e que fazem paralelos sobre suas relações com Estados nacionais e/ou em fronteiras, atualizando assim, tanto o debate sobre estilos de etnologia indígena em contextos nacionais, quanto as discussões sobre colonialismo interno.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
André da Silva Muniz (UFABC)
Resumo: Os últimos anos viram a ascensão e o reconhecimento de intelectuais indígenas dentro e fora da academia, através de publicações, premiações acadêmicas, titulações de doutor honoris causa, etc.; bem como a recente criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a liderança por uma mulher indígena da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Portanto, esse trabalho visa pesquisar a relação entre os intelectuais indígenas e o Estado, como estes o compreendem, o que propõe enquanto atuação prática e horizonte de construção política e como avaliam a atuação das pessoas indígenas na burocracia estatal. Para tanto, propomos uma etnografia institucional, organizada em uma análise documental e do discurso, observação participante e entrevistas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Breno Duarte Castro (USP)
Resumo: Entre agosto e novembro de 2022, enquanto estive na Terra Indígena Rio Guaporé, realizando trabalho de campo junto ao povo Makurap, de língua Tupi-Tupari, acompanhei e participei das atividades e reuniões que formularam a “AWANDA: Associação do Povo Makurap da Terra Indígena Rio Guaporé”. Legalmente fundada quase um ano depois, a associação tem se tornado um ponto importante de relação dos indígenas com o poder público regional, com outros grupos não-indígenas como as Organizações Não-Governamentais, e com outras associações indígenas. Inicialmente, a “AWANDA” foi pensada como uma forma de adquirir recursos, especialmente dinheiro, para a construção de um chapéu de palha para realização de encontros e reuniões dos Makurap, ideia ainda não realizada. Contudo, a ação dessa figura jurídica, largamente presente nos movimentos indígenas no Brasil, não me parece tão evidente, pois, ainda que haja a adoção de formas de organização e enunciação que remetam ao Estado, a ação política e econômica da associação não pode ser resumida a isso: como Jefferson Makurap, liderança da juventude indígena, me falou certa vez, num tom de brincadeira, a ideia da associação é caçar os recursos dos brancos.
Essa afirmação, nada trivial reforça a relação estabelecida entre a associação e a Awanda, a “jiboia verdadeira”, em função de sua homonímia. Esse ato de nomeação, porém, não é exclusivo dessa organização política, ele reapareceu quando algumas mulheres nomearam seus pilões ou cochos de chicha (bebida fermentada a base de macaxeira) com o nome desta serpente enquanto estive em campo. Quando perguntei para Rosana Makurap, professora e liderança indígena da aldeia Pedral, o porquê dessa nomeação, ela me disse que “a chicha embriaga as pessoas, igual a jiboia caça suas presas, usando feitiço. Elas ficam paradas e a música atrai as pessoas”. É interessante notar que a forma como Awanda caça é entendida como um ato feiticeiro, que resulta numa predação. Essa correlação com a jiboia, feita por Rosana para evidenciar o potencial predador e feiticeiro da chicha, faz retornar à problemática da associação: longe de ser uma forma meramente jurídico-estatal de ação política e econômica, será que a fundação da associação também não poderia ser pensada como um ato de feitiçaria? Nesse sentido, o presente trabalho é um esforço inicial de pensar o equívoco entre as formas de ação política estatais e ameríndias que estão presentes na associação indígena no Guaporé e sua relação com a feitiçaria.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Danielle Araujo Bueno dos Santos (UFRJ)
Resumo: O trabalho propõe uma reflexão sobre a articulação e ação política das lideranças femininas indígenas das terras baixas da América do sul. A atuação politica das mulheres indígenas não é novidade, elas têm atuado politicamente tanto em lutas por demandas especificas femininas quanto da nação indígena, há décadas. Contudo, nos últimos anos, as mulheres se tornaram parte ativa e fundamental no movimento indígena enquanto lideranças e ativistas.
O intuito do trabalho é entender e refletir não só sobre a ascensão feminina em meio a uma política tradicionalmente masculina, mas, primordialmente, sobre a construção do recente protagonismo feminino na etnopolítica ameríndia atual, que cresceu tanto na última década ao ponto de extrapolar a esfera local e expandir-se para a esfera política estatal, federal e internacional, o que implica na necessidade de estudo antropológico desse fenômeno.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
David Rodrigues Stigger (USP)
Resumo: O objetivo da presente pesquisa é apontar algumas análises nas relações dos grupos ameríndios estabelecidos na região da Serra da Ibiapaba na capitania do Ceará e aconstrução de fronteiras no mundo colonial americano, sobretudo no período 1655-1758, através da leitura de fontes primárias, provenientes da missão jesuítica da Serra da Ibiapaba e do regime de repartição de sesmarias na América portuguesa. A pesquisa se debruça sobre documentos que relatam informações sobre as populações ameríndias que habitavam essa localidade. Os principais conjuntos documentais utilizados são: o livro “Documentos para a história colonial, especialmente a indígena no Ceará. (1690- 1825)”, a coleção de “Datas de Sesmarias”, do Arquivo Público do Estado do Ceará; além de correspondências e relatórios produzidos por padres ligados à Missão da Serra da Ibiapaba. A Serra da Ibiapaba, no século XVII, foi sede de intensos embates entre ameríndios e forças conquistadoras (missionários, colonos e bandeirantes), sendo uma área disputada por diversos sujeitos históricos. Exemplo disso é a posterior tentativa de desanexação da aldeia da Ibiapaba no início do século XVIII, causando uma disputa entre o Piauí e o Ceará. Devido à sua importância na organização da América portuguesa, Lígio Maia (2010) entende aquele espaço como uma região colonial importante para a efetivação da colonização portuguesa. A hipótese que norteia a pesquisa é que os ameríndios da região praticavam uma rede de socialidades na Ibiapaba entes mesmo dela se tornar uma região colonial, tendo elaborado um sistema de trocas culturais entre grupos (seguimos a ideia de grupos, elaborada por Peter Gow (2014)), concentrado na região da Serra da Ibiapaba durante o período colonial na América portuguesa, interagindo diretamente com o projeto de colonização da costa leste- oeste. O fio metodológico da pesquisa, sedimenta-se nas reflexões do historiador Carlo Ginzburg (2007) sobre a possibilidade de se fazer uma micro-história. Acreditamos que uma leitura aprofundada do material de estudo seria uma forma de construir reflexões mais conectadas com a atividade cotidiana e prática de grupos e populações, permitindo o que o Viveiros de Castro (2018) chamou de “equivocação controlada” na pesquisa antropológica. Dessa forma, pretende-se evidenciar as relações estabelecidas pelos grupos ameríndios locais e as interações entre suas fronteiras próprias e a constituição da colonização na América portuguesa, acentuando uma reflexão sobre o modo de trabalhar com uma documentação que deriva das tentativas de colonização na América portuguesa e nos avanços teóricos e políticos da antropologia/do movimento indígena brasileiro que permitiram pensar os povos indígenas enquanto protagonistas na história da formulação do Estado brasileiro.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Emanuel de Araújo Rabelo (UFAM)
Resumo: Este trabalho tem como o objetivo de aprofundar e explicar, onde partindo do princípio que as organizações e as mobilizações indígenas em Roraima não surgem de forma isolada e única, mas é na sua essência, um movimento heterogêneo, com diversas vozes de lideranças indígenas e não indígenas em todas as suas esferas antropológicas, históricas, jurídicas e étnicas. A ênfase da pesquisa engloba os indígenas Macuxi na Terra Indígena Raposa Serra do Sol e a Igreja Católica como agente sociopolítico de um tipo de indigenismo na construção dos processos de reafirmações identitárias e dinamismos sociais indígenas, de relações interétnicas e de contato, assim como as mobilizações indígenas com o grande movimento para a construção de direitos conquistados pela Constituição Federal de 1988, a análise de laudos antropológicos e jurídicos debatendo a questão do território da TIRSS e seus andamentos até a homologação da território. Partindo-se da noção de pessoa elaborada por Cunha ( 1986), na qual discute essa relação, parece ser precisamente a atribuição da amizade formal que, jogando com a alteridade, instaura uma dialética, um princípio dinâmico que funda a pessoa como ser de autonomia. Nesse sentido, a amizade formal, em seu duplo aspecto de evitar as relações de prazenteiras, é uma modalidade de um processo de construção da pessoa. Se instaura, então, distância e subverte a ordem.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Isabella Coelho de Oliveira (UNICAMP)
Resumo: A Terra Indígena(TI) Xavante Pimentel Barbosa localizada no leste mato-grossense, majoritariamente nos municípios de Canarana e Ribeirão Cascalheira, foi homologada em 1986, o que garantiu legalmente a segurança territorial da etnia. Sabe-se, entretanto, que o contexto histórico de ocupação da região envolveu políticas governamentais de interiorização, favoráveis à implantação no centro-oeste brasileiro de grandes fazendas agropecuárias, além de outras atividades exploratórias secundárias, que permanecem e se ampliam hoje. Em meio a interesses opostos, onde os indígenas intencionam a manutenção territorial para reprodução de um modo de vida particular e os grandes proprietários objetivam crescer economicamente por meio da mercantilização da terra, as ameaças aos limites da TI têm sido constantes, apontamentos feitos por lideranças Xavante locais. A cartografia, como instrumento geográfico, busca, neste sentido, dar suporte ao importante monitoramento para a preservação das áreas reservadas. Tendo conhecimento de dados sobre uso e ocupação, valendo-se da interpretação de imagens de satélite e outras atividades envolvendo recuperação de dados e aplicação de geotecnologias, acredita-se ser possível realizar uma análise situacional recente delimitando áreas de conflito, motivações e principais sujeitos envolvidos, tendo como base, a literatura temática produzida até o momento.
Palavras-chave: Xavante; Território; Cartografia;
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Karine Assumpção (Funai)
Resumo: A antropologia, suas obras e especialistas, é geralmente utilizada na saúde indígena institucional brasileira em situações pontuais. Antropólogos/as participaram da elaboração da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (LANGDON, 2016), por exemplo, e de outras diretrizes a nível nacional, e propuseram ou apoiaram projetos na interface entre saúde e povos indígenas ao longo da história do Subsistema (LANGDON; GARNELO, 2004). Porém, a inclusão de antropólogos/as de forma sistemática nas rotinas do Subsistema de Saúde Indígena (SasiSUS) tem se dado somente nos raros casos em que esse/a profissional está inserido no quadro de funcionários de um Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI). Neste trabalho, reflito sobre esse/a profissional da antropologia, previsto na legislação do SasiSUS vigente, contratado/a pela conveniada do DSEI, cumprindo escala de trabalho semelhante aos/às demais profissionais da instituição. Faço essa reflexão através de entrevistas semiestruturadas que realizei em minha pesquisa de doutorado junto ao DSEI Amapá e norte do Pará, juntamente com dados secundários fornecidos pela Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai) e de minhas experiências profissionais. Argumento que esse/a antropólogo/a, contratado/a para trabalhar em DSEI, tem o desafio de aproximar a produção científica antropológica da prática biomédica, algo fundamental para garantir a atenção diferenciada preconizada na PNASPI. Contudo, enfrenta um contexto (i) em que as produções científicas antropológicas não são internalizadas nas rotinas sanitárias, e (ii) de não regulamentação da profissão no Brasil, gerando incompreensões sobre suas competências e fragilização de seu papel junto aos demais profissionais da saúde.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Lara Erendira Almeida de Andrade (INRS | Institut national de la recherche scientifique)
Resumo: Reflito o tema da transmissão de conhecimentos indígenas a partir da observação de dois contextos regionais: a província do Quebec (QC), no Canadá, e a Região Nordeste (NE), no Brasil. A partir de um olhar de longa duração observo os processos de territorialização pelos quais os povos indígenas do que veio a se transformar América passaram desde a invasão europeia até a contemporaneidade. Mais do que um estudo comparativo, minha ideia parte da perspectiva de que, apesar das trajetórias coloniais que os levaram a lugares opostos no nível global, há três elementos estruturantes comuns que permitem uma análise transversal das realidades indígenas. Em primeiro lugar, como Povos que sofreram as consequências das políticas coloniais desde o primeiro contato, as nações que habitavam o que veio a ser o Quebec e do Nordeste compartilham uma longa história de expropriação territorial e coabitação forçada com povos não indígenas. Em segundo lugar, o tema da educação para esses povos vai além das questões de escolarização. Do lado estatal, reúne estratégias de dominação e tentativas de aculturação dos povos originários. Para os povos indígenas, assumir a responsabilidade pela educação se alinha a um movimento de descolonização e afirmação de sua autonomia, com foco na reapropriação dos conteúdos pedagógicos e no ensino das línguas e saberes indígenas. Em terceiro lugar, durante a segunda metade do século XX, esses povos criaram alianças com outras Nações Indígenas e fundaram organizações dedicadas à educação escolar indígena e a transmissão de suas culturas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Marina Bohnenberger (Fórum Brasileiro de Segurança Pública)
Resumo: Em outubro de 2023 estive na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, em virtude de uma pesquisa de campo para um projeto da organização onde trabalho, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A razão de estarmos ali era entender melhor a atual situação de um quadro mais geral na Amazônia brasileira que envolve velhos problemas: extração ilegal de minério, narcotráfico, ameaças socioambientais e seus impactos principalmente nas comunidades indígenas (no caso de Roraima). Enquanto um braço da equipe entrevistava atores estatais e não-estatais (policiais federais, rodoviários federais, militares e civis; agentes do Ibama e do Ministério Público; entidades ligadas aos direitos indígenas) na capital, Boa Vista, minha equipe foi conhecer uma iniciativa de “Polícia Comunitária” na comunidade Raposa II (majoritariamente do povo Macuxi). Este trabalho é um esforço de organizar, pela primeira vez, algumas percepções a respeito de um emaranhado complexo sobre os desafios que a localização da TI Raposa Serra do Sol, por ser estratégica para atividades de narcotráfico e outros “fluxos de ilegalidade”, coloca para as comunidade, e que envolve questionamentos a respeito do que se entende por segurança pública em contextos distintos como os indígenas e não-indígenas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Michel Paes Barbará (UFSCAR)
Resumo: Na última década, o povo Yuhupdeh, que habita a Terra Indígena Alto Rio Negro, no estado do Amazonas, têm viajado com frequência para a cidade de São Gabriel da Cachoeira, especialmente nos períodos de férias das escolas comunitárias indígenas. As viagens são motivadas, principalmente, pelos prazos dos programas e benefícios sociais, assistenciais e previdenciários, assim como por pendências burocráticas dos professores indígenas. Do mesmo modo, muitas pessoas aproveitam para obter documentação básica ou pedir segunda via de documentos perdidos ou em situação irregular. Por uma série de fatores históricos e sociais do contexto regional, os agrupamentos indígenas que se deslocam à cidade permanecem acampados de forma improvisada às margens do rio Negro, na zona portuária, onde ficam sujeitos a diversas situações de vulnerabilidade, como a recorrência de doenças, a falta de água adequada ao consumo, insegurança alimentar, consumo excessivo de bebidas alcoólicas e violências por parte de comerciantes locais, com os quais assumem dívidas durante o período de estadia na sede municipal. Nesse sentido, o poder público tem se esforçado para elaborar formas de adequação das políticas públicas de assistência e previdência social na tentativa de superar as barreiras de acessibilidade e promover a cidadania indígena, o que tem colocado muitos desafios em torno da efetivação dessa cidadania, considerando a diversidade de contextos socioculturais e geográficos dos povos indígenas no território brasileiro em relação aos arranjos burocráticos e institucionais das políticas públicas. Do mesmo modo, os Yuhupdeh vêm se articulando junto a pesquisadores e coletivos indigenistas para reivindicar direitos e melhorias para as comunidades por meio do Plano de Gestão Territorial e Ambiental, levando demandas que variam entre infraestrutura comunitária, suporte específico à saúde, projetos de educação e materiais pedagógicos na língua materna, assim como estruturas de acolhimento na cidade para os períodos de estadia. No entanto, quais os sentidos assumidos pela noção de cidadania para os Yuhupdeh? Como esse povo tem vivenciado os projetos de promoção à cidadania por meio das políticas de transferência de renda e previdência social? Ainda, qual o discurso dos agentes e agências estatais em torno da construção de uma cidadania indígena? O objetivo desta comunicação é, portanto, discutir os sentidos de cidadania para os Yuhupdeh, considerando suas relações com o contexto histórico e social do Alto Rio Negro e a diversidade de atores indígenas e não-indígenas com os quais se engajam na busca por direitos sociais.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Nádia Heusi Silveira (secretaria da saúde RS)
Resumo: Esta comunicação se alicerça em uma experiência no Estado, com o intuito de descrever alguns impasses relacionados ao Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI) em âmbito regional. No Brasil, a política de saúde para os povos indígenas foi desenhada de maneira a privilegiar a organização espacial e cultural dos povos indígenas, visando a uma oferta de serviços culturalmente diferenciados. Além disso, com o modelo de gestão do SASI, procurou-se evitar que interesses locais, sobretudo os de cunho anti-indígena, pudessem comprometer a oferta de atenção à saúde para esta população. Dessa forma, apesar de ser parte do Sistema Único de Saúde (SUS), o SASI difere significativamente do SUS em termos das relações interfederativas que lhe são constitutivas. Esse ponto será abordado desde uma perspectiva localizada na esfera estadual. De uma posição de agente na gestão do SUS, apresentarei reflexões sobre os atravessamentos hegemônicos dados no campo da saúde pela ciência, em contraponto ao caráter participativo instituinte da política de saúde no Brasil, contextualizadas pela mediação da aplicação de recursos estaduais (RS) na atenção à saúde indígena.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Pablo Quintero (UFRGS)
Resumo: O objetivo central deste trabalho é sistematizar os estudos antropológicos realizados na Venezuela sobre as populações Warao no país sul-americano. O trabalho abrange a antropologia científica produzida entre 1945 e 2021, começando com os estudos etnológicos pioneiros do antropólogo venezuelano Miguel Acosta Saignes e finalizando com uma das últimas produções do antropólogo norte-americano Charles Briggs publicada em 2021. A tentativa de sistematização considera os estudos antropológicos, propriamente ditos, excluindo, por motivos de extensão, produções arqueológicas e/ou linguísticas, assim como trabalhos proto-etnográficos de cronistas e missionários existentes. Neste marco, o trabalho pretende também: a) caracterizar historicamente as pesquisas antropológicas realizadas sobre/com a população Warao, considerando os influxos que a antropologias científicas tiveram nos processos de diferenciação social e emergência étnica na Venezuela; e b) refletir criticamente sobre os estilos de antropologia que tem sido desenvolvidos nos últimos 75 anos a partir dos diversos grupos Warao.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Rafael Chaves Nakamura (USP)
Resumo: Por diversas vezes, ouvi dos Ava Guarani da região Oeste do Paraná que antigamente não precisavam dos documentos. De início, meu projeto de pesquisa estava mais focado em investigar questões da territorialidade ava guarani no contexto da fronteira Brasil-Paraguai. O fato do assunto dos documentos aparecer tantas vezes, sem nenhuma provocação mais direta, me fez pensar que esse seria um bom caminho para escutar atentamente o que parece ser importante para os Ava Guarani naquele contexto.
Passei a prestar atenção, não apenas no que me diziam meus interlocutores nas conversas que tive ao longo da pesquisa iniciada em 2021, mas também em depoimentos coletados em relatórios e pesquisas feitas junto aos Ava Guarani, materiais com os quais passei a lidar desde que comecei a trabalhar na região Oeste do Paraná por meio de projetos do Centro de Trabalho Indigenista, em 2014. Isto considero meu material de campo, uma mistura das observações em campo, dos diálogos registrados e dos muitos relatórios sobre o contexto ava guarani na região, alguns dos quais participei diretamente da elaboração e outros que tive acesso somente por meio de leituras. E já com a minha atenção direcionada, não foi surpresa observar que também nos relatórios e outros documentos sobre os Ava Guarani, o tema dos documentos aparecia por diversas vezes.
Os Ava Guarani falam de um tempo em que os documentos de branco não eram necessários. Esse tempo é menos marcado por datas específicas do que por uma experiência concreta relacionada à possibilidade de viver nas matas da beira do rio Paraná. Falam também da necessidade dos documentos para conseguirem viver no tempo de hoje, um tempo em que dependem de negociações com os brancos que ocuparam quase todas as terras por onde os Ava Guarani habitavam e caminhavam anteriormente.
Atualmente, os Ava Guarani vivem em aldeias nos municípios de Guaíra, Terra Roxa, Santa Helena, Itaipulândia, Diamante DOeste e São Miguel do Iguaçu. Todas as comunidades, são 24 no total, estão ligadas por meio do parentesco e pelo histórico de habitação na beira do rio Paraná, de onde foram sendo gradualmente expulsos ao longo do século XX. Também compartilham um histórico mais recente de uma série de retomadas de terras no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, momento em que o Estado brasileiro passa a lidar com a reivindicação de duas terras indígenas: Tekoha Guasu Guavira e Tekoha Guasu Ocoy-Jacutinga.
Para os Ava Guarani, os documentos aparecem então sob diferentes aspectos. Como uma invenção dos brancos para controlar a mobilidade e a própria identidade dos Ava Guarani como povo, mas também como algo necessário para negociar e seguir habitando terras que hoje estão cercadas pelos brancos e seu sistema.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Raíssa Almeida de Magalhães (UNB)
Resumo: Este trabalho propõe contribuir com o debate acerca do fenômeno de mortes autoprovocadas de jovens indígenas Kaiowá, por meio de uma investigação realizada na Reserva Indígena de Dourados, no Mato Grosso do Sul. Desde o início, a intenção deste projeto foi a realização de uma pesquisa de cunho etnográfico para análise e discussão de como ocorrem as mortes autoprovocadas de indígenas dessa etnia. Além disso, foi também de meu interesse compreender como ocorriam as estratégias de cuidados e de tratamentos multiculturais disponibilizados na Reserva aos jovens indígenas, em sua maioria da etnia Kaiowá, que se encontravam em situação de vulnerabilidade e sofrimento psicossocial. As redes de cuidados em saúde, que encontrei na Reserva, aconteciam por meio de algumas estratégias multiculturais desenvolvidas por rezadeiras e rezadores Kaiowá, profissionais da saúde mental indígenas e não-indígenas e professoras e professores indígenas de uma escola localizada na Reserva. Neste artigo, o foco é especialmente apresentar e discutir as narrativas e os dispositivos de cuidados desenvolvidos por professoras indígenas residentes na Reserva Indígena de Dourados (MS) para o acolhimento de jovens em sofrimento psicológico, que manifestam ideação de morte autoprovocada e/ou já realizaram tentativas de tirar a própria vida. As estratégias destas professoras em saúde mental foram os dispositivos de: escuta atenta e sensível dos jovens; acolhimento afetivo dos estudantes; aconselhamento quasi-familiar; mediação entre os jovens e profissionais da saúde e construção de fortes laços sociais e afetivos com os jovens. Esta pesquisa encontrou algumas pistas de possíveis respostas às questões discutidas neste trabalho.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Rogério Rodrigues dos santos (SEDUC-AL)
Resumo: Há dois momentos históricos do processo de territorialização dos povos indígenas do Nordeste, o primeiro ocorreu entre os séculos XVII e XVIII, com o movimento construído pela Igreja Católica com o objetivo de aldear os indígenas para a catequese. O segundo, era viabilizar as terras indígenas para o domínio das oligarquias políticas para exploração agrícola e para os interesses econômicos desenvolvimentista do Estado (OLIVEIRA FILHO, 1998).O processo de aldeamento missionário implicou na reorganização social dos grupos étnicos envolvidos, através do qual, atores sociais individuais utilizaram diversos instrumentos políticos relacionados à etnicidade (SILVA JR, 2007). Considerando a perspectiva de Barth (2011) a identidade étnica é legitimada dentro das situações que corroboram para divergências sociais e políticas.Devido a invasão, ocupação, posse e exploração de suas terras que teria ocorrido no ano de 1740 os grupos étnicos se uniram dando origem ao povo que se denomina Xucuru- Cariri (escrita atual Xukuru-Kariri) (ANTUNES, 1984).Para Ferreira (2016), Silva Jr. (2007) e Peixoto (2013), a população indígena do município de Palmeira dos Índios não se constitui de um único povo, mas de diversos grupos que formam o povo indígena pesquisado, assumindo a identidade Xukuru-Kariri, formados por diferentes povos como os Pankararu (Petrolândia e Tacaratu-PE), Fulni-ô (Águas Belas- PE), Kariri-Xokó (Porto Real do Colégio-AL), Wassu-Cocal (Joaquim Gomes-AL), Karapotó (São Sebastião-AL), além de não indígenas casados com indígenas que residem dentrofora das aldeias.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Stephen Grant Baines (UNB)
Resumo: A partir da noção de “estilos de antropologia” (Cardoso de Oliveira; Ruben, 1995), fazemos um esboço da antropologia social que se pratica no Brasil junto a povos indígenas para examinar tentativas de definir um estilo nacional da disciplina. Para o período entre os anos 1920 e 1950, Roberto Cardoso de Oliveira distingue fases históricas da disciplina, marcadas na etnologia indígena pelo período “heroico” representado por Curt Nimuendaju, e o período “carismático” representado por Darcy Ribeiro, cujas orientações foram pautadas pela noção de cultura (cultural-funcionalismo), e Florestan Fernandes, orientado pela noção de estrutura (estrutural-funcionalismo) (Cardoso de Oliveira, 1988, p. 109-128). A partir dos anos 1950 surgiram autores como Egon Schaden, Eduardo Galvão, Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro. Peirano (1991) argumenta que a reconstrução histórica da sociedade Tupinambá realizada por Fernandes não teve impacto forte na etnologia por estar longe do empenho dos antropólogos da época na construção da nação brasileira. Darcy Ribeiro, insatisfeito com a abordagem culturalista para estudar as sociedades indígenas no Brasil, propôs a noção de “transfiguração étnica”, a partir de noções neoevolucionistas e marxistas, muito abrangente para ser aplicável no nível empírico, e ainda vinculada ao culturalismo. O rompimento teórico com a abordagem culturalista, que predominava no Brasil na época, foi realizado por Roberto Cardoso de Oliveira que elaborou a noção de “fricção interétnica” (1964), mudando o foco de análise da cultura indígena para as relações sociais entre indígenas e não-indígenas. Esta noção foi explorada por seus primeiros alunos nos anos 1960, como Julio Cezar Melatti, Roque de Barros Laraia e Roberto DaMatta e teve forte impacto na etnologia indígena no Brasil durante duas décadas. A próxima geração, representada por autores como João Pacheco de Oliveira e Eduardo Viveiros de Castro, resultou no surgimento de duas vertentes na etnologia indígena. Pacheco de Oliveira e seus seguidores se enredaram por uma antropologia histórica examinando sociedades indígenas no contexto da sociedade nacional, enquanto Viveiros de Castro e seus seguidores elaboraram o perspectivismo ameríndio, abordagem influenciada pelo estruturalismo de Claude Lévi-Strauss e seus seguidores como Phillipe Descola. Outrxs antropologxs no Brasil seguiram linhas independentes abordando tanto aspectos internos das sociedades indígenas como as relações interétnicas. Nos últimos anos, o ingresso de indígenas na antropologia vem trazendo mudanças à disciplina com a presença crescente de indígenas antropólogos, o que promete criar novos rumos na disciplina.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Táynna Maria de Assis Rodrigues (UFRRJ)
Resumo: O presente trabalho pretende refletir, a partir da ressurgência étnica do povo Tapuya Kariri de São Benedito (CE), localizados na região noroeste do estado do Ceará, a luta pela demarcação territorial da Aldeia Gameleira. Além disso, pretende-se refletir sobre os conflitos entre indígenas e não-indígenas que coabitam o mesmo território, com destaque ao fato dos atores estabelecerem relações socioeconômicas em torno das plantations de batata-doce. Ademais, utiliza dos métodos de equivocação controlada e observação participante, bem como entrevistas semiestruturadas de interlocutoras/es indígenas, que descrevem suas relações e vínculos com os não-indígenas e a necessidade de lidar com a convivência e co-dependência, em prol da garantia de sustento e renda familiar. Considerando as implicações sociais e étnico-raciais que constroem essas interações e as torna(ra)m indispensáveis.