Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 022: Antropologia e Povos Indígenas em Contextos Nacionais Diversos
O tempo do documento
Por diversas vezes, ouvi dos Ava Guarani da região Oeste do Paraná que antigamente não precisavam dos documentos. De início, meu projeto de pesquisa estava mais focado em investigar questões da territorialidade ava guarani no contexto da fronteira Brasil-Paraguai. O fato do assunto dos documentos aparecer tantas vezes, sem nenhuma provocação mais direta, me fez pensar que esse seria um bom caminho para escutar atentamente o que parece ser importante para os Ava Guarani naquele contexto.
Passei a prestar atenção, não apenas no que me diziam meus interlocutores nas conversas que tive ao longo da pesquisa iniciada em 2021, mas também em depoimentos coletados em relatórios e pesquisas feitas junto aos Ava Guarani, materiais com os quais passei a lidar desde que comecei a trabalhar na região Oeste do Paraná por meio de projetos do Centro de Trabalho Indigenista, em 2014. Isto considero meu material de campo, uma mistura das observações em campo, dos diálogos registrados e dos muitos relatórios sobre o contexto ava guarani na região, alguns dos quais participei diretamente da elaboração e outros que tive acesso somente por meio de leituras. E já com a minha atenção direcionada, não foi surpresa observar que também nos relatórios e outros documentos sobre os Ava Guarani, o tema dos documentos aparecia por diversas vezes.
Os Ava Guarani falam de um tempo em que os documentos de branco não eram necessários. Esse tempo é menos marcado por datas específicas do que por uma experiência concreta relacionada à possibilidade de viver nas matas da beira do rio Paraná. Falam também da necessidade dos documentos para conseguirem viver no tempo de hoje, um tempo em que dependem de negociações com os brancos que ocuparam quase todas as terras por onde os Ava Guarani habitavam e caminhavam anteriormente.
Atualmente, os Ava Guarani vivem em aldeias nos municípios de Guaíra, Terra Roxa, Santa Helena, Itaipulândia, Diamante DOeste e São Miguel do Iguaçu. Todas as comunidades, são 24 no total, estão ligadas por meio do parentesco e pelo histórico de habitação na beira do rio Paraná, de onde foram sendo gradualmente expulsos ao longo do século XX. Também compartilham um histórico mais recente de uma série de retomadas de terras no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, momento em que o Estado brasileiro passa a lidar com a reivindicação de duas terras indígenas: Tekoha Guasu Guavira e Tekoha Guasu Ocoy-Jacutinga.
Para os Ava Guarani, os documentos aparecem então sob diferentes aspectos. Como uma invenção dos brancos para controlar a mobilidade e a própria identidade dos Ava Guarani como povo, mas também como algo necessário para negociar e seguir habitando terras que hoje estão cercadas pelos brancos e seu sistema.