ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 022: Antropologia e Povos Indígenas em Contextos Nacionais Diversos
As vertigens da feitiçaria: o caso da AWANDA - Associação do povo Makurap da Terra Indígena Rio Guaporé
Entre agosto e novembro de 2022, enquanto estive na Terra Indígena Rio Guaporé, realizando trabalho de campo junto ao povo Makurap, de língua Tupi-Tupari, acompanhei e participei das atividades e reuniões que formularam a “AWANDA: Associação do Povo Makurap da Terra Indígena Rio Guaporé”. Legalmente fundada quase um ano depois, a associação tem se tornado um ponto importante de relação dos indígenas com o poder público regional, com outros grupos não-indígenas como as Organizações Não-Governamentais, e com outras associações indígenas. Inicialmente, a “AWANDA” foi pensada como uma forma de adquirir recursos, especialmente dinheiro, para a construção de um chapéu de palha para realização de encontros e reuniões dos Makurap, ideia ainda não realizada. Contudo, a ação dessa figura jurídica, largamente presente nos movimentos indígenas no Brasil, não me parece tão evidente, pois, ainda que haja a adoção de formas de organização e enunciação que remetam ao Estado, a ação política e econômica da associação não pode ser resumida a isso: como Jefferson Makurap, liderança da juventude indígena, me falou certa vez, num tom de brincadeira, a ideia da associação é caçar os recursos dos brancos. Essa afirmação, nada trivial reforça a relação estabelecida entre a associação e a Awanda, a “jiboia verdadeira”, em função de sua homonímia. Esse ato de nomeação, porém, não é exclusivo dessa organização política, ele reapareceu quando algumas mulheres nomearam seus pilões ou cochos de chicha (bebida fermentada a base de macaxeira) com o nome desta serpente enquanto estive em campo. Quando perguntei para Rosana Makurap, professora e liderança indígena da aldeia Pedral, o porquê dessa nomeação, ela me disse que “a chicha embriaga as pessoas, igual a jiboia caça suas presas, usando feitiço. Elas ficam paradas e a música atrai as pessoas”. É interessante notar que a forma como Awanda caça é entendida como um ato feiticeiro, que resulta numa predação. Essa correlação com a jiboia, feita por Rosana para evidenciar o potencial predador e feiticeiro da chicha, faz retornar à problemática da associação: longe de ser uma forma meramente jurídico-estatal de ação política e econômica, será que a fundação da associação também não poderia ser pensada como um ato de feitiçaria? Nesse sentido, o presente trabalho é um esforço inicial de pensar o equívoco entre as formas de ação política estatais e ameríndias que estão presentes na associação indígena no Guaporé e sua relação com a feitiçaria.