Grupos de Trabalho (GT)
GT 045: Economias, políticas e territorialidades indígenas e negras: cenários de conflito, mudança social e identidade étnica
Coordenação
Bruno de Oliveira Rodrigues (UFAM), Sidnei Clemente Peres (UFF)
Debatedor(a)
Bruno de Oliveira Rodrigues (UFAM), Sidnei Clemente Peres (UFF)
Resumo:
A proposta deste GT é reunir o conjunto de estudos e pesquisas sobre os cenários de conflito e mudança social, na América Latina, que implicam mobilizações coletivas, dinâmicas territoriais e demandas de reconhecimento étnico que confrontam grupos indígenas e comunidades negras com agencias estatais, atores econômicos e empreendimentos capitalistas. O enfoque incidirá sobre contextos de antagonismo entre modalidades distintas de uso dos recursos naturais, estratégias de reprodução social e processos de reorganização econômica e política. Serão privilegiados trabalhos oriundos de etnografias e/ou reflexão teórica sobre os contextos contemporâneos dos conflitos étnicos, das dinâmicas territoriais e suas formas de organização econômica e expressão política. Os regimes de dominação social, expropriação/controle fundiários e (i)mobilização da força de trabalho são diversos, constituindo uma área de estudos antropológicos que produziram etnografias e um rico arsenal conceitual e analítico que permitem uma base sólida para formulação de reflexões em nível comparativo sobre as situações diversas de reorganização social, econômica e política em que povos e comunidades tradicionais lutam pela manutenção de suas identidades e modos de vida.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Adalberto Luiz Rizzo de Oliveira (UFMA)
Resumo: O mito de Awkhêe é considerado o elemento cosmológico pelo qual os povos Timbira (Macro-Jê) elaboram sua compreensão sobre a origem do kupen (não-índio) e a formação das relações com a sociedade nacional; explicando ainda, a desigualdade de poder vigente entre índios e brancos (Nimuendaju 1946). Em 1963, uma mulher Memortumré Canela promoveu uma dramatização do Mito de Awkhêe, pela qual se desenvolveu o processo conhecido como movimento messiânico canela (Crocker, 1967). Num contexto de conflitos com criadores localizados no cerrado no centro-sul do Maranhão, a profetiza afirmava ter no seu ventre a irmã de Awkhê, subvertendo a ordem política tradicional Canela. Interpretando os desejos e a indignação de Awkhê com a apropriação do território e dos recursos naturais indígenas por criadores, ela autorizou e incentivou a matança do gado sertanejo pelos Canela e previu o retorno do herói cultural, quando ocorreria uma inversão nas relações de poder entre Canelas e cristãos. Os Canela passariam a viver nas cidades e a desfrutar de recursos dos brancos, que iriam morar em aldeias e a sobreviver da caça e coleta. O movimento foi frustrado após os primeiros ataques sertanejos e a profetiza desacreditada pelos Canela, que foram transferidos para uma região florestal, onde permaneceram por cinco anos. Nas décadas seguintes foram implantados grandes projetos de desenvolvimento regional na Amazônia e Nordeste, com impactos no centro-sul maranhense. O messianismo canela retornou nesse contexto orientando novos movimentos sócio-religiosos entre os Memortumré, vinculados ao messianismo canela. Este trabalho apresenta os movimentos ocorridos em 1981, 1984, 1990 e 1999, os quais são associados ao poder tutelar e a processos ligados ao desenvolvimento.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ana Cristina dos Santos Araújo (UFRJ)
Resumo: Com a chegada de um número maior de negros nas universidades e na pós-graduação, tornou-nos não só protagonistas das pesquisas, mas os pesquisadores que introduzirão a situação dos negros na sociedade brasileira visto e sentido não como um objeto de estudo distante. Falarmos e escrevermos sobre a construção do conceito de raça e a falácia da democracia racial, ajuda a compreendermos e repercutirmos as várias facetas do racismo, das políticas de branqueamento do território (apagando o simbolismo do território, destruindo monumentos, ruas ou praças entre outros), das desigualdades sociais e econômicas e do massacre da subjetividade do povo negro. Esse trabalho pretende enfocar a expropriação das sociabilidades das mulheres negras removidas de seus territórios pela ação do Estado entre os anos de 2009 e 2016, na figura da prefeitura do Rio de Janeiro. Essa política de deslocamento forçado se alicerça na hegemonia de poder branca e racista que visa o branqueamento do território.
Palavras-chaves: Racismo, território, mulheres, sociabilidades, deslocamentos forçados
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Daniela Gato Aguilera (UFAM)
Resumo: O povo Yanomami é constituído por uma gama diversa de línguas, organizações políticas e sociais que são influenciadas e influenciam seus contextos de relações com agências estatais e não-governamentais. Busco, a partir da realidade dos Yanomami da região do rio Marauiá em Santa Isabel do Rio Negro, refletir acerca dessa diversidade e apontar a existência de uma realidade Yanomami que se organiza politicamente a partir de dinâmicas territoriais próprias construindo e reconstruindo a rede de relações com agentes do Estado e de ong’s a partir de interesses políticos particulares. Este trabalho resulta da pesquisa bibliográfica de trabalhos etnográficos que versam sobre o povo Yanomami nos seus mais distintos contextos sociais, históricos, políticos e regionais, além de diálogos com professores e lideranças Yanomamɨ que assumem cargos na Associação Yanomami Kurikama, criada em 2013, como fórum de discussões entre agentes estatais, atores econômicos e os Yanomamɨ. A associação surge com o objetivo de colocar as pautas referentes as especificidades regionais dos xapono do rio Marauiá em destaque, tendo em vista contextos distintos vivenciados pelos Yanomami no Brasil, em específico no estado do Amazonas. Uma das características políticas dos Yanomamɨ da região do rio Marauiá diz respeito à dinâmica própria de cisão dos xaponos e criação de novas casas comunais bastante comum na região ainda hoje que se articula à uma rede de relações com agentes “externos” reconfigurando-a a partir de novas alianças ou a partir da manutenção das alianças existentes no xapono de origem. Ademais, busco contrastar as demandas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Graziele Acçolini (UFGD), Rafael Allen Gonçalves Barboza (SED)
Resumo: Os Terena da aldeia Buriti (Dois Irmãos do Buriti/MS) realizam a Festa de São Sebastião há cem anos completados em 2024, sendo esta composta por várias etapas e rituais. São Sebastião foi ressignificado e considerado padroeiro da aldeia Buriti tornando-a‘tradicional’ entre os Terena de Buriti. Inspirando-se no conceito de ‘estruturas performáticas’ de Sahlins (1990) é possível pensar a Festa de São Sebastião como elemento que já é parte dessa sociedade. Essa Festa foi iniciada a partir da década de 1920 como uma promessa realizada em meio a uma epidemia de febre amarela que assolou a região. Frente a este tema, inevitavelmente depara-se com aspectos religiosos 'tradicionais'/'ocidentais', mas também com organizacionais, territoriais e políticos que refletem relações intra e interétnicas. A Festa de São Sebastião contribui para a reelaboração étnica dos Terena de Buriti, apontando um campo fecundo para se refletir sobre noções como ‘tradição’, ressignificações e etnicidade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Josy Marciene Moreira Silva (UNICAMP)
Resumo: Neste trabalho proponho realizar um resgate sócio-histórico da inserção de bens, mercadorias e dinheiro no cotidiano dos Awá-Guajá, apresentando desde sua situação de contato aos dias atuais, e refletindo como a história material dos Awá está conectada a história de suas relações e encontros. A partir de diferentes fontes, tais como, etnografias, relatórios, notícias de jornais, informações e observações de campo identifico e analiso as diferentes fontes de recursos, a inserção das mercadorias em seu cotidiano e os impactos nas socialidades Awá. Os Awá são um povo indígena que habita a porção oriental da Amazônia, mais precisamente localizados no noroeste do estado do Maranhão, entre as bacias do Rio Pindaré e Gurupi, nas proximidades da divisa do Maranhão com o Pará. Foram, contatados e aldeados pelo órgão indigenista brasileiro a partir da segunda metade da década de 1960 sob a justificativa de proteção, tendo como mote principal a construção da Estrada de Ferro Carajás (EFC), que corta seu território tradicional. O recebimento e distribuição de recursos oriundos da mitigação, via Componente Indígena do Plano de Impacto Ambiental da empresa mineradora VALE S.A, pode ser considerada a principal fonte de recursos recebidos pelos Awá, no entanto outras fontes de recursos também se fazem presente nas aldeias Awá, tais como a comercialização de artesanato e o recebimento de salários, como por exemplo, professores e agentes de saúde, além de benefícios sociais, como Benefício de Prestação Continuada e Bolsa Família. Assim, busco compreender a partir do resgate sócio-histórico, acerca de sua relação com os bens, mercadorias e dinheiro, a forma como lidam com a alteridade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Juliana Frontelmo Soares (UFRRJ)
Resumo: Este trabalho tem a intenção de mostrar que a presença dos indígenas Puri no Sudeste brasileiro esteve em evidência em variados processos de resistência e de (re) construção identitária contínuos, apesar da historiografia nacional ter negado suas existências ao declará-los como extintos no século XIX. Para combater o projeto de apagamento e silenciamento de suas histórias nessa região, recorro ao levantamento de fontes primárias e secundárias, além da observação das redes sociais criadas e gestadas pelos Puri, atrelando-as aos vestígios históricos de suas trajetórias e agências, a exemplo dos atuais processos de retomadas desse povo. Essas retomadas acontecem em várias partes do Sudeste em movimentos auto organizados em diálogo com as comunidades urbanas e com pesquisadores por meio de espaços de trocas e de construção coletivos. Como resultado, muitos Puri tem conseguido maior autonomia e visibilidade de suas principais reivindicações, bem como espaços de reconstrução de suas culturas, evidenciando cada vez mais o enfraquecimento das narrativas coloniais e o fortalecimento das memórias e histórias vivas desses indígenas. Assim, proponho uma breve revisão historiográfica para analisar como esses indígenas tem reinterpretado suas próprias histórias hoje e quais foram os caminhos possíveis de sobrevivência que eles traçaram para emergirem do estigma de desaparecimento imposto pelo Estado e por variados setores da sociedade. Os resultados dessa pesquisa poderão contribuir para uma nova abordagem histórico-antropológica que divulgue e colabore com a reconstrução e manutenção da história dos Puri.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Laila Zilber Kontic (USP)
Resumo: Neste trabalho pretendo pensar o processo de demarcação da Terra Indígena Yanomami a partir das disputas entre a narrativa militar sobre a soberania nacional na zona de fronteira amazônica, de um lado, e, de outro, a defesa dos movimentos pró-yanomami pela demarcação de um território amplo e contínuo para esse povo. O discurso dos militares contrário à demarcação era fundamentado sobretudo no receio de que os Yanomami poderiam transformar-se em uma nação independente cujo território seria controlado por potências estrangeiras, comprometendo a integridade e a soberania territorial do Brasil. Do outro lado, o argumento dos movimentos pró-yanomami evidenciava a indissociabilidade do modo de vida yanomami com a necessidade de um território amplo e contínuo para a sua sobrevivência e manutenção das dinâmicas socioespaciais e cosmológicas.
Essas disputas tiveram início a partir dos anos 1970, quando intensificou o contato dos Yanomami com os não indígenas. Nesse período, a importância da Amazônia no pensamento geopolítico brasileiro cresceu substancialmente. A ideia de que a região era internacionalmente cobiçada e que deveria, portanto, ser defendida e ocupada por brasileiros, disseminou-se em alguns setores militares, sobretudo na ala golpista. A implementação de grandes projetos de desenvolvimento econômico como a construção de estradas de longa distância e de infraestrutura foi a solução do governo para criar condições efetivas para essa ocupação. Esses projetos tiveram consequências devastadoras para os povos indígenas amazônicos. No caso dos Yanomami do Brasil, a área ocupada por eles tornou-se um polo de atração para garimpeiros e mineradoras. Como resposta, os movimentos pró-yanomami lançaram uma campanha nacional e internacional pela expulsão dos milhares de garimpeiros das áreas yanomami e pela demarcação de um território amplo e contínuo.
O processo de demarcação da Terra Indígena Yanomami (homologada por Fernando Collor em 1992) durou um pouco mais de vinte anos, durante os quais os diferentes interesses de alas militares e movimentos pró-yanomami e indígenas resultaram em disputas no campo midiático e político no Brasil e no exterior. Neste trabalho, pretendo refletir sobre essas disputas a partir de documentos redigidos na época, do modo como a política indigenista estatal foi estruturada, do modo como os yanomami concebem a territorialidade e, por fim, a partir dos livros que influenciaram o pensamento geopolítico dos militares sobre a Amazônia.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Leonardo da Silva Vidal (UFF), Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes (Departamento de Antropologia - UFF), Karla Estelita Godoy Waizbort (UFF)
Resumo: As mudanças no Quilombo Campinho da Independência por meio da luta política proporcionaram melhorias nas condições de vida ao mesmo tempo que evidenciam as contradições dos processos de reconhecimento étnico, pois precisam manter elementos de uma noção reificada de cultura quilombola. As diferentes significações da categoria "casa", neste sentido, revelam um processo de objetificação desses valores culturais, na medida em que as casas de artesãos são construções de alvenaria e os objetos que compõem seu interior são de origem industrial e as casas de artesanato permaneceram como construções de pau-a-pique ou alvenaria revestida com barro compostas por objetos artesanais feitos com fibras naturais, conformando o imaginário exótico de uma casa tradicional quilombola, ou seja, a essencialização da identidade étnica como um recurso estratégico. O primeiro aspecto dessa mudança é o consumo desses objetos, o qual não é mais uma realidade no interior das unidades domésticas, sendo reservados apenas para as casas de artesanato, mobilizando o valor cultural atribuído aos objetos a fim de negociação do valor econômico. O segundo aspecto remete à substituição da utilidade prática por uma utilidade política para artesãos, pois criam estratégias nos espaços domésticos para assegurar seus direitos políticos perante ao Estado e assegurar a comercialização frente ao gosto pelo exótico dos turistas. A comparação entre os dois modelos de casa evidenciam o processo de formação da identidade étnica no tempo presente com base no tempo passado (Gusmão, 1995) e o agenciamento da simbologia da casa tradicional quilombola na arena turística que, em outras palavras, é um movimento de politização da cultura (Turner, 1991) e manutenção de elementos da tradição, a qual é inerente ao domínio da política (Grunewald, 2012). O objetivo deste trabalho, portanto, é descrever o processo de reorganização política e econômica do Campinho por meio da análise das estratégias de mobilização dos artesanatos a fim de manutenção dos direitos territoriais quilombolas e geração de recursos financeiros.
REFERÊNCIAS
GRUNEWALD, R. A. Tradição. In: LIMA, Antonio Carlos de Souza. Antropologia e direito: temas antropológicos para estudos jurídicos. Brasília/Rio de Janeiro/Blumenau: Associação Brasileira de Antropologia/LACED/Nova Letra, p. 186-197, 2012.
GUSMÃO, N. M. M. Terras de preto, terras de mulheres: terra, mulher e raça num bairro rural negro. Brasília: MINC, Fundação Cultural Palmares, 1995.
TURNER, T. Representing, resisting, rethinking: historical transformations of Kayapo culture and anthropological consciousness. In: STOCKING JR., George W. (Ed.). Colonial Situations: Essays on the Contextualization of Ethnographic Knowledge. Madison, Wisconsin: The University of Wisconsin Press.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Marina Esteves Andriotti (UFU)
Resumo: Séculos antes do nascimento das produções sociológicas e antropológicas do Brasil (na primeira metade do século XX), o pensamento colonial já havia construído um extenso discurso ideológico sobre a cultura e a territorialidade dos povos brasileiros. A narrativa construída, documentada e catalogada que se tem sobre o Brasil nos períodos de colonialismo e imperialismo impôs uma identidade atribuída à nossa cultura através de um movimento centrípeto: de fora para dentro, de modo que o Brasil foi interpretado e descrito por via de um crivo eurocêntrico. Compreender a trajetória das produções sociológicas e antropológicas brasileiras nos últimos 100 anos perpassa por entender a construção histórica da identidade atribuída a nós a partir de modelos teóricos estrangeiros, que poluíram nosso imaginário coletivo durante séculos e jamais deram conta de decifrar a complexidade de nossa história, cultura e sociedade. Desse modo, o presente artigo objetiva investigar na História as origens do discurso eurocêntrico na construção da identidade brasileira, apoiado na análise de documentos, registros e escritos literários dos períodos de colonização e Império, para compreender a que ponto o pensamento social brasileiro aglutinou a narrativa colonialista, e em que medida as produções sociológicas e antropológicas estão caminhando para romper com a identidade eurocentricamente atribuída, rumo à construção efetiva de uma narrativa contra-colonial, que dá luz aos discursos e cosmologias afro e indígenas, como um caminho para discursar seus próprios saberes e reivindicar por identidades próprias. Em um primeiro momento, o artigo retrata historicamente a colonização como uma ordem que se deu para além da exploração de recursos naturais e de mão-de-obra não branca, portando-se também como um grande projeto de padronização de pensamentos e virtudes embasados em modelos europeus, que impunham hegemonicamente valores morais e culturais sobre os demais povos e culturas. Busca-se, portanto, demonstrar que, no eixo da episteme eurocêntrica, os intelectuais europeus que discursavam sobre as Américas atribuíram ao Brasil uma identidade inferiorizada e exotizada, secularmente documentada. Em um segundo momento, o artigo explora a trajetória da construção do pensamento social brasileiro a partir de análises de produções sociológicas e antropológicas do Brasil, germinadas desde o início do século XX. Revelando as continuidades e descontinuidades dessas produções com o discurso eurocêntrico ao longo dos anos, intenciona-se demonstrar o avanço das perspectivas de ruptura com a ordem moderna e colonial, bem como discutir sobre o giro conceitual que abriu possibilidades, no campo discursivo, para grupos sociais subalternizados serem porta-vozes de suas identidades, histórias e culturas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Miriam Cristina da Silva Dolzani (FAETEC)
Resumo: Este trabalho se dedicará a entender o fenômeno da racialização sob cinco perspectivas teóricas diferentes, de modo a delimitar uma abordagem que se faça satisfatória para a análise da questão da identidade negra no campo da antropologia.
A primeira dessas chaves será a concepção de cultura com aspas, da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, que fará o exercício de alteridade quanto ao conceito de cultura, demonstrando que a mesma também pode ser apropriada e ressignificada por aqueles que antes eram considerados os nativos. Dessa forma, os sujeitos da cultura podem pensá-la reflexivamente e manejá-la intencionalmente sem que essas ações sejam entendidas como falsas ou inautênticas.
O Encontro Colonial de Tal Assad auxilia na interpretação da produção intelectual atual elaborada por autores negros, que buscam construir novos sentidos para a identidade negra em uma sociedade pós-colonial. A partir desse encontro consciente com o passado, é possível identificar as disputas discursivas que ocorrem cotidianamente nas mídias e nos coletivos político-identitários. Para ele, é chegada a hora em que as comunidades oprimidas falem por si mesmas ao dominador.
O conceito de fronteira étnica em Fredrik Barth é fundamental para um estudo que pretenda compreender as tensões objetivas e subjetivas possivelmente encontradas nas relações raciais entre brasileiros. Sob essa ótica, as fronteiras entre brancos, pardos e pretos passam a ser tão importantes quanto o conjunto de símbolos que demarcam internamente cada um desses grupos. O autor destaca que, com o passar do tempo, essas fronteiras identitárias podem ser reforçadas, deslocadas ou até mesmo se apagar.
Didier Fassin escreve sobre o complexo processo de corporificação da raça, crucial para a racialização dos indivíduos e dos povos, que se faz na tríade sistêmica descrita pelo autor entre o sujeito que denomina, aquele que é denominado, e a testemunha que exterioriza esse processo relacional. O fundamento da racialização estaria posto na sensação permanente de se olhar através do olhar do outro.
Kabengele Munanga aposta no conceito de sincretismo cultural como forma de assumir que na realidade brasileira há um multiculturalismo que necessita ser reconhecido e ouvido em suas demandas. A ideia de unidade miscigenada aqui não cabe, sendo a diferença o princípio norteador da convivência coletiva. O autor proclama que só chegaremos a um nível maior de justiça social se absorvemos a diferença em nosso sistema
A proposta é que esses cinco autores e seus respectivos conceitos ajudem a construir as bases para a análise do fenômeno da racialização no Brasil, intrínseco ao estudo da temática da identidade negra neste país.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Moisés Souza de Sena (USP)
Resumo: Este trabalho trata de investigar a emergência e as formas de ação do atual movimento de fortalecimento cultural dos Xipai, povo pertencente à família linguística Juruna, do tronco tupi, que historicamente habita a região do médio Xingu. Durante grande parte do século XX, os Xipai foram considerados uma população indígena à beira da extinção, aculturada e integrada à sociedade nacional brasileira. A partir da década de 1990, como forma de se contrapor a essas identificações e narrativas oficiais, os Xipai se mobilizaram para reivindicar seus direitos políticos e fortalecer sua cultura, conforme afirmam eles próprios. Desde então, esse povo tem desenvolvido diversas iniciativas político-culturais, incluindo a revitalização do uso da língua nativa e a intensificação das tradições rituais, entre outras práticas e saberes que consideram importantes para o seu mundo. Esse movimento ocorre em um cenário político e social que é transformado pela concepção e implementação da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte e de outras políticas desenvolvimentistas que impactam profundamente os povos indígenas do médio Xingu. Dessa forma, propõe-se compreender o movimento Xipai de autoafirmação de seus modos particulares de existência a partir desse quadro histórico, social e cultural em que estão inseridos.
Palavras-chave: Xipai; fortalecimento cultural; reconhecimento étnico; luta por terra; Belo Monte.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Monique Rodrigues de Carvalho (IFRJ)
Resumo: O presente artigo pretende apresentar, a partir das experiências obtidas na Aldeia KaAguy Hovy Porã, localizada no município de Maricá no estado do Rio de Janeiro, como se constrói a identidade Guarani Mbya, tendo em vista um contexto no qual o processo de territorialização se constrói em um misto de negociações e conflitos locais. O artigo pretende apresentar as premissas clássicas sobre o termo etnicidade tendo-se como referência a ideia de como ela é construída a partir de suas tradições e possibilidades estabelecidas pela conjuntura histórica na qual os grupos se encontram, compreendendo-se como as diversas interações estabelecidas pelo grupo o constroem, para então se pensar como esse processo se desencadeia no caso em questão, a partir de exemplos práticos obtidos em pesquisa etnográfica, trazendo para a discussão alguns exemplos etnográficos que refletiram conceitos como campo semântico (VALLE, 1993), regime de índio (GRUNEWALD, 1999; 2002) e política de identidade (PERES, 2003; 2004).
Palavras-Chave: Políticas de Identidade; Guarani Mbya; Regime de índio; Campo Semântico
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Rodrigo Souza Fontes de Salles Graça (FUNAI|UFPR)
Resumo: Apresentamos de modo introdutório proposta de comparação etnológica dos modos de produção de diferença de coletivos/política entre os Kaingang (Jê meridional, região sul e sudeste do Brasil) e os Nambiquara (língua isolada, região oeste/noroeste de Mato Grosso e sul de Rondônia), a partir dos etnônimos. Se entre os Kaingang encontramos densa concentração demográfica por aldeia, distinção da língua limitada a cinco dialetos (WIESEMANN, 1971) e chefia política com amplo lastro populacional, entre os Nambiquara, atualmente, constam mais de 30 grupos que se diferenciam (COSTA, 2009), distribuídos em diversas aldeias com baixa densidade demográfica, bem como apresentando significativas variações linguísticas - três línguas distintas, com variação de 16 dialetos (TELLES, 2013). Há contrastes que se apresentam nestes traços amplos que nos levam a perguntar sobre os distintos modos de diferenciação implicados. O campo de debate entre os processos sociocosmológicos de modos de produção de diferença (FAUSTO, 2001), reconsiderando a contraposição dos Jê estritamente centrípetos e os Tupi centrífugos (GORDON, 2006), ampliam-se em diversidade de dinâmicas, seja entre os Tukano, Arauak, Yanomami e Pano, como observa Andrello (2016) analisando etnônimos, seja retomando a noção de dádiva e hierarquia em torno da política e socialidade no Alto Xingu. Deve-se ainda destacar o alargamento de espectro comparativo considerando aspectos históricos e historicidades subjacentes. Face aos processos históricos de expropriação e homogeneização territorial que os Kaingang (TOMMASINO, 1995) e Nambiquara (ARAÚJO, 2020) enfrentam os primeiros entre o sul/sudeste, os últimos entre centro-oeste/norte, do Brasil - há variações distintivas que se apresentam a partir dos etnônimos: se entre os Kaingang, entre os séculos XIX e XX há supressão dos etnônimos específicos como referencial distintivo de grupos (GOES, 2018), entre os Nambiquara ao longo do século XX, constata-se multiplicidade dos mesmos (PRICE, 1987). De qual modo compreender tais distintas modulações nos processos históricos? Para abordagem destes contrastes, além da análise das caracterizações estritas dos etnônimos, torna-se relevante contemplar entre os Kaingang e Nambiquara, respectivamente: os padrões das denominadas marcas (rá) nos artesanatos (GRAÇA, 2023); a distinção fúnebre de cavernas de espírito. Deste modo, ao lado da hipótese sobre o dualismo Jê/Kaingang situado para além de aspectos diametrais, referente aos Nambiquara segue-se o lastro da produção da diferença não reduzindo-a a um dualismo econômico sazonal mas contemplando plano cosmopolítico e territorial de multiplicidade de coletivos, possibilitando desdobrar o potencial da análise comparativa.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Thayná Donato Gomes (UFPB), Estêvão Martins Palitot (UFPB), Ruth Henrique da Silva (UFPB)
Resumo: A aldeia Três Rios situa-se na Terra Indígena Potiguara de Monte-Mór, município de Marcação, Paraíba. No ano de 2003 as famílias indígenas da região conseguiram retomar este espaço, enfrentando desencadeando uma longa e difícil mobilização contra as usinas de álcool da região que mantinham no espaço da aldeia um imenso canavial. A partir daí seguiu-se um processo de reorganização social, destinando-se o espaço da retomada para moradias e agricultura familiar e sendo vedado o plantio de cana-de-açúcar. Os impactos socioambientais da lavoura canavieira na área retomada implicaram também a necessidade de processos de recuperação das áreas degradadas. Nossa pesquisa visa identificar como está a situação atual da aldeia Três Rios após tantos anos de retomada e contribuindo para dialogar com o campo de estudo das retomadas indígenas. Como temas principais de estudo temos o papel das mulheres na retomada, o processo organizativo da aldeia e os esforços de recuperação ambiental do território.
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