Grupos de Trabalho (GT)
GT 074: Modos de aprender e de ensinar a antropologia: desafios contemporâneos da formação e da escrita em antropologia
Coordenação
Ana Cláudia Gomes de Souza (UNILAB), Beatriz Martins Moura (Ministério das Mulheres)
Debatedor(a)
Rosana Maria Nascimento Castro Silva (UERJ), Gilson José Rodrigues Junior (IFRN)
Resumo:
A aprendizagem e o ensino em antropologia têm sido pautados pela experiência dos seus autores. De certo modo, a agência de quem observa e de quem escreve, ou de onde se observa e escreve, nunca foi tão problematizada na produção antropológica como nos últimos anos. O que nos leva a pensar, qual o papel da experiência na antropologia contemporânea? O ingresso de um
contingente de estudantes muito mais diverso tem promovido uma alteração significativa no perfil dos cursos das universidades brasileiras. E com os cursos de CISO e de antropologia não é diferente. Uma maior participação de negros(as), indígenas, lgbtqia+, quilombolas e de outras parcelas da sociedade tem feito muita diferença nas formas de ensinar e de aprender antropologia. Questões de gênero, raça, etnia, geração, classe, sexualidade poderão pautar a experiência de quem se encontra na encruzilhada do ensinar ou do aprender essa ciência. Para dar conta temos lançado mão de estratégias de produção de pesquisa e de narrativas em que os nossos pertencimentos têm sido colocados também no jogo antropológico. Assim, a produção de auto etnografias, de escrevivências (Conceição Evaristo), de uma antropologia engajada, ou produzida a partir do lugar de fala, parece que são algumas das formas que temos encontrado para não deixar de fora esse protagonismo que vem de dentro. Desse modo, o GT tem interesse em trabalhos que dialoguem sobre formação em antropologia e sua escrita, a partir do viés da experiência de quem enuncia.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Antonio Carlos Benites (UFG)
Resumo: A pesquisa para o povo indígena Kaiowá e Guarani vem sendo desafiante, especialmente a escrita acadêmica
devido a exigência e formulações técnicas obrigatórias que devem compor uma pesquisa de estudo acadêmico. O
objetivo desta proposta é trazer a experiência de convívio acadêmico entre indígenas e não indígenas neste
espaço de instituição e engajamento na pesquisa na área da antropologia indígena kaiowá.
A intenção da proposta é discutir experiências de escrita indígena kaiowá e guarani para uma realidade de
uso da língua materna nas produções acadêmica, dando a visibilidade a língua escrita entre não indígenas
dentro dos parâmetros da produção acadêmica. O pesquisador e a pesquisadora indígena kaiowá e guarani sempre
passamos pelo processo de inovar a pesquisa e a escrita a partir da etnografia, e nos questionamos como
sujeitos pesquisadores/as o que vem a ser uma pesquisa para nós indígenas. No meu caso, falo a partir do
lugar da retomada e da ocupação de saberes indígenas kaiowá e guarani, também da perspectiva de ser aprendiz
xamã/rexakary indígena kaiowá e guarani. O mundo da escrita que são codificadas em papel é sempre
desafiante. Assim, produzir pesquisa e escrita por meio dos sábios e sábias que são metres e mestras na
oralidade, que são detentores e detentoras dos saberes tradicionais, que dominam o ser xamã e são chamados
de nhanderu/rezador e nhandesy/rezadora é o desafio que enfrento. Produzir pesquisa e etnografia, e praticar
código de escrever e envolver o meio do contexto social e as comunidades do povo indígena kaiowá e guarani,
diante dos nhanderu e nhadesy, a pesquisa que resultará na escrita, tem a suas complexidades. Temos que
revalidar os meios elementares do nosso próprio modo de pensar e interagir, pois aprendemos a saber, a
pensar, ouvir, traduzir e escrever do nosso modo. ao longo do curso da pesquisa e do estudo, aprendemos a
sistematizar as produções cientificas para uma ciência mais perto e adequada para a formatação acadêmica. A
outra face, a academia, nos dias atuais e nos cursos de pós-graduação vem tendo flexibilidade para entender
o próprio pesquisador e pesquisadora indígena no seu modo de escrever e, de traduzir. Um dos grandes
problemas entre escrever e a pesquisa para pesquisadores e pesquisadoras indígenas é o uso da língua
materna, do oral para o texto cientifico, pois é, aos poucos que é possível desenvolver estudo na produção
de artigos, dissertações, tese e livros que atualmente estão nos acervos on-line e Bibliotecas
universitárias.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Gabriela Pedroni (Universidad Autónoma Metropolitana)
Resumo: O pensamento lésbico questiona a invisibilidade das existências lésbicas nos espaços de produção e
difusão de conhecimento, por isso a escrita desde dissidências sexuais nos desafia a lesbianizar a ciência
produzindo e socializando teorias lésbicas nos espaços formais de educação. Essa é a política da
visibilidade, que tem como desafio informar a sociedade e a comunidade académica sobre a existência de
outros mundos fora da heterossexualidade. Por este motivo, este trabalho busca refletir sobre a escrita
lésbica desde uma perspectiva antropológica, como forma de visibilizar as etnografias lésbicas produzidas na
antropologia brasileira. Nesse sentido, exploro a complexa relação entre sexualidades dissidentes e
antropologia, delimitando como a temática da sexualidade se constituiu como um objeto relevante para a
antropologia. A partir disso, apresento um mapeamento das etnografias lésbicas produzidas a partir dos anos
noventa até a contemporaneidade, em primeiro lugar, apresentando as antropólogas que foram pioneiras e, em
segundo lugar, as novas antropólogas que ampliaram e diversificaram a discussão sobre lesbianidades.
Portanto, este trabalho tem como finalidade delimitar as características das etnografias lésbicas,
entendidas como trabalhos antropológicos escritos por e sobre lésbicas, para refletir de que forma a
sexualidade pauta a experiência de quem se encontra na encruzilhada da escrita cultural. Entendo que a
escrita é uma forma de modificar e transformar a cultura, para escrever novos significados desde
experiencias que rompem com a heteronormatividade. Deste modo, proponho entender as lésbicas como criadoras
e transformadoras culturais a partir de sua escrita, ou seja, as lésbicas escrevem cultura feminista em
rebeldia e resistência.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Gleidson Wirllen Bezerra Gomes (UFPA)
Resumo: A proposta de reflexão desenvolvida neste artigo deriva da experiência de escrita da minha tese de
doutorado em Antropologia, defendida em 2023. A escrita etnográfica em si já gerou amplo debate no campo
antropológico quanto às características específicas da etnografia enquanto texto (GEERTZ, 2018; CLIFFORD;
MARCUS, 2016; STRATHERN, 2017), entretanto, ao longo da minha formação e, mais especificamente, no segundo
campo (STRATHERN, 2017, p. 312) da textualização da tese, em meio às dificuldades, dúvidas e tensões
mentais/emocionais geradas no processo de escrita, cada vez mais me questionava o quanto desses
tensionamentos entendidos a princípio como internos/pessoais tinha a ver com a questão racial. Isto é,
quanto mais eu mergulhava no estar aqui (GEERTZ, 2018, p. 160), mais eu pensava no que ser um homem negro,
em uma sociedade racista como a brasileira e a belenense, poderia implicar na hora de enfrentar a página
(GEERTZ, 2018, p. 21).
A partir dessas reflexões iniciais, algumas questões podem ser elaboradas: o que o fato de ser negro implica
na hora de escrever uma etnografia? O que raça pode ter a ver com escrita etnográfica? Ou, posta de outro
modo: como o racismo pode marcar/formar a subjetividade de um antropólogo negro e como isso possivelmente
reverberar na textualização (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2006) da etnografia?
Ao formular essas questões, penso que elas podem ser entendidas como uma das consequências de uma maior
presença de pessoas negras nos cursos de graduação das universidades, especificamente no âmbito das Ciências
Sociais. Entre outros fatores, o maior acesso ao ensino superior gerou questionamentos e disputas sobre a
construção do currículo de formação dos discentes, invariavelmente fundamentado no pensamento de autoras e
autores brancos e, em muitos casos, estrangeiros: A chegada de um número cada vez maior de pessoas negras e
indígenas ao ensino superior impulsionou uma série de iniciativas nesse sentido, dando origem a pesquisas e
publicações protagonizadas por sujeitos que antes se viam reduzidos à condição de objetos científicos
(BASQUES, 2022, p. 03).
No pensamento socioantropológico brasileiro já existe um debate estabelecido sobre as implicações raciais na
pesquisa de campo (MEDEIROS, 2017; DOMINGUES, 2018; RODRIGUES JÚNIOR, 2019; PEREIRA, 2020; CASTRO, 2022;
PEREIRA; SIQUEIRA, 2022). Este artigo, assim, com as questões que o instigam, propõe-se a articular um
debate sobre a possibilidade de pensar uma autoria/autoridade etnográfica negra na Antropologia, refletindo
sobre os possíveis impactos da questão racial no processo de escrita das etnografias feitas por pessoas
negras.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Hermes de Sousa Veras (UESPI)
Resumo: A crônica é um gênero literário que possibilita infinitas experimentações, mas que se caracteriza
sobretudo pela sua brevidade, por ser um texto curto a ser publicado em diversas mídias jornais, revistas,
redes sociais digitais, newsletters e outras. Além disso, flerta com o cotidiano e o relato dele. O que não
significa se tratar de um gênero não ficcional, apesar de colocar em questionamento as divisas entre o real
e a ficção. Pela sua possibilidade experimentadora e o seu manuseio em sala de aula como texto curto que
pode ser lido e praticado durante os períodos letivos, passei a utilizar a crônica enquanto recurso para a
aprendizagem da antropologia, tanto de seu aspecto conceitual, suas preocupações e pretensões científicas,
quanto como instrumento para despertar na comunidade discente a criatividade e a escrita antropológica. Essa
comunicação reflete esse uso junto a discentes de licenciaturas em Ciências Sociais e História (com a
disciplina de Antropologia da Educação), também fazendo parte do projeto de pesquisa Crônica antropológica e
sociológica: a imaginação e o escrever nas ciências sociais", cadastrado na Pró-Reitoria de Pesquisa e
Pós-Graduação PROP da Universidade Estadual do Piauí UESPI. A pesquisa dialoga com a argumentação de Tim
Ingold de que a antropologia pode ser pensada como educação, ao mesmo tempo que se aproxima do
amadurecimento da antropologia da educação no Brasil, com a proliferação de grupos de pesquisa e trabalho,
relatos de ensino, desenvolvimentos de trilhas de aprendizagem e outros procedimentos. Juntando a literatura
especializada com a prática do projeto, propomos que Conceição Evaristo, com a sua elaboração da
escrevivência, Pedro Demo com a tentativa de instigar discentes enquanto pessoas autoras, bell hooks com a
quebra da frieza da sala de aula para a construção de uma educação transgressora, além de Wright Mills com o
artesanato intelectual e a imaginação sociológica, estão trazendo resultados para o ensino e a prática da
antropologia, que se ainda não é possível palpar em sua totalidade, já nos instiga a continuar na proposta
de uma educação que instigue mais a criação do que a reprodução e a colonização de nossas sensibilidades.
Parte considerável de discentes das licenciaturas em foco é de pessoas atravessadas por marcadores sociais
que, pela colonialidade ainda dominante e editorial, podem ser colocadas em um lugar de não-autoria: de suas
vidas, de seus textos. Dessa forma, essa comunicação vai apresentar os desdobramentos do projeto que tenta
instigar a multiplicidade autorial, focado nas disciplinas ministradas na UESPI e em uma oficina de crônica
antropológica realizada na mesma instituição, dentro da programação do III Seminário Didático Pedagógico do
Centro de Ciências Humanas e Letras.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Maria Pilar Cabanzo-Chaparro (UFF)
Resumo: O trabalho aborda relações entre a escrita antropológica, aprendizado e conhecimento no contexto da
recente diversificação e ampliação da educação superior no Brasil. O foco de análise é a minha atuação como
professora de Antropologia e Ciências Sociais em um curso de Pedagogia pertencente a uma universidade
pública localizada na Baixada Fluminense, no estado do Rio de Janeiro (Brasil). A localização desse campus
universitário viabiliza o acesso à educação superior de uma parcela significativa da população fluminense
cuja vida passa-se, em boa parte, longe da capital do Estado. No campus alvo das presentes reflexões, a vida
universitária discente envolve reflexões sobre os limites e possibilidades de ser da periferia para a
elaboração de conhecimento, assim como sobre a necessidade de apreender, e quiçá reformular, lógicas e modos
de produção acadêmica. Em 2022 e 2023, essas questões perpassaram as atividades de avaliação propostas por
mim para o corpo discente. Uma de tais atividades foi a confecção de relatórios de aula, consistentes em
descrições do desenrolar da aula, incluindo os debates e comentários da turma. Muitas das descrições
elaboradas pelas discentes mobilizaram a atenção e o estranhamento de si e da sala de aula, além de
reflexões sobre a distância geográfica e moral do centro (associado de maneira variável à cidade do Rio de
Janeiro, capital do Estado, ao campus da universidade nesta cidade, à população branca e /ou herdeira,
entre outros). Os relatórios também me suscitaram reflexões quanto a minha posição ocupada na relação com os
variados agentes envolvidos no campus em questão. Por vezes, tal posição suscitou rearranjos nas interações,
especialmente em razão das minhas origens. Assim, os relatórios de aula, propostos como escritas com
intenções antropológicas, provocaram constantes reformulações subjetivas entre as participantes - tanto na
docente quanto nas discentes. O trabalho inicia colocando questões sobre a relação entre Antropologia,
escrita e aprendizagem. Posteriormente, o trabalho tece comentários em torno das articulações entre as
discentes, os relatórios de aula e eu, professora e autora do presente trabalho, pensando as implicações
disso para o aprender e o conhecer. As reflexões desenvolvidas são atravessadas pela precariedade laboral,
as condições de emprego, as necessárias atividades de cuidado e os impactos das recentes reformas oficiais
implementadas no campo da Educação no Brasil. Assim, o trabalho busca evidenciar as possibilidades da
escrita antropológica para transitar e interpelar modelos de produção acadêmica no contexto de diversidade
discente na educação superior brasileira, tentando vislumbrar futuros possíveis.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Nicole Faria Batista (IEPHA-MG)
Resumo: O presente trabalho busca compartilhar reflexões acerca da experiência de ensino da disciplina
"Introdução ao pensamento de Zora Neale Hurston" no curso de graduação em Antropologia da Universidade
Federal de Minas Gerais. O curso foi ministrado pelo prof. Rubens Caixeta junto às alunas da pós-graduação
Nicole Batista (autora deste resumo), Rafaela Rodrigues e Steffane Santos no segundo semestre de 2023.
Hurston foi uma pesquisadora, antropóloga, escritora e cineasta estadunidense, que viveu no início do século
XX, deixando contribuições inovadoras para o pensamento antropológico, mas que foram interditadas pelo
racismo e sexismo de seu contexto. O trabalho busca refletir sobre a retomada da obra da autora a partir de
suas potencialidades para a formação e ensino dentro dos cursos de Antropologia e Ciências Humanas. Esse
movimento se orienta por dois pólos: 1) o ensino sobre os aspectos metodológicos inscritos por Hurston, ou
seja, seu modo aberto e multidisciplinar de realizar pesquisas etnográficas; 2) a ampliação do ensino de sua
obra em disciplinas obrigatórias de teoria e método antropológico, recusando seu engessamento exclusivo em
cursos de pensamento negro e/ou feminista. A partir desses aspectos ficaram evidentes as alianças possíveis
entre esses fazeres e os novos múltiplos olhares que vem ocupando a Antropologia nos últimos anos.
Compreendeu-se a sala de aula como lócus fértil para o desenvolvimento e fortalecimento de alianças entre o
pensamento de Hurston e o desses novos sujeitos que vem ocupando a universidade (pessoas negras, povos
indígenas, estudantes de classe popular). Tais alianças são propostas a partir da ideia de "fazer parentes"
(Haraway, 2016) suscitada ao longo da disciplina a partir da identificação das estudantes com a expressão
"sobrinhas de Zora", cunhada por Walker (2021) ao longo de sua retomada pelo trabalho da autora. Além disso,
ao analisar as relações de ensino e aprendizagem instituídas ao longo da disciplina compreendemos que olhar
para o trabalho de Zora Hurston nos obrigou a enfrentar as ficções persuasivas da Antropologia (Strathern,
2019) e aceitar novas proposições não sequenciais ou não lineares para a história da disciplina. Ou seja,
com a experiência do ensino percebe-se que Hurston não somente nos impulsiona a encarar as complexidades da
produção de conhecimento no campo das ciências humanas, mas nos chama a assumir as subjetividades que estão
envoltas em nossas perspectivas teóricas e metodológicas, em nossa forma de narrar a História, o tempo,
nossas próprias ficções.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Pedro Barcellos Rodrigues Juliano (SENAC)
Resumo: Este trabalho busca lançar um olhar antropológico para o documentário AmarElo - É tudo para ontem,
produzido e estrelado pelo rapper Emicida. O nosso objetivo é compreender como os elementos artísticos,
intelectuais e históricos presentes na obra se relacionam com a produção intelectual das mulheres negras.
Através dos conceitos (pensamento intelectual negro, epistemicidio, fratura epistêmica, epistemologia preta
e escrevivencia) pretendemos tecer uma discussão sobe diferentes formas de violência e diferentes formas de
resistência presente no documentário, que utiliza o audiovisual como ferramenta de conexão com o publico.
Pertentemos apresentar uma discussão que busca na intelectualidade negra os elementos necessários para
compreender os caminhos percorridos pela documentário. Busco trazer o sujeito negro como condutor da sua
historia.
Sendo assim, utilizaremos o audiovisual e os estudos propostos pelas feministas negras para redimensionar a
Antropologia, seguindo uma outra perspectiva que muitas vezes acaba sendo pouco explorada nas universidades
brasileiras.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Rafaella Telles dos Santos (UFRRJ), Carly Barboza Machado (UFRRJ)
Resumo: Neste trabalho desenvolvo uma discussão que objetiva compreender as possibilidades da escrita como parte
indispensável das disputas e negociações do fazer antropológico. O que fica em evidência é que a
antropologia está constantemente em movimento e não apenas as zonas de significação estão sendo
renegociadas, mas também seus métodos e epistemologias. Se novos campos passam a ser possíveis, novas pautas
chegam na pesquisa e os métodos precisam também ser atualizados para que o diálogo e as relações tenham
espaço no corpo do texto. À luz das interpretações de Veena Das (2020), venho propondo o manejo da escrita
não apenas como um recurso de sistematização de ideias, mas como uma técnica flexível e sensível a ser
estudada e compartilhada. Compreendendo que contextos diferentes demandam escritas diversas, tenho como foco
um estudo sobre a escrita do sofrimento, que passa ser necessária com a entrada de novos campos e
interlocuções na antropologia. A partir de uma abordagem autoetnográfica, trago relações que qualifiquei
como relações extremas, marcadas por uma dinâmica de esgarçamentos contínuos vividos num certo domínio do
mundo das drogas. A fragmentação do campo se apresentou tanto pelas relações quanto pelos métodos, que
envolvem relatos, memórias e brechas de coisas que não são ditas. A partir do acionamento dessas
interlocuções, apresento algumas dinâmicas que aparecem nas relações entre uma rede de mulheres adultas e
suas filhas crianças. Nessas relações, marcadas pelo sofrimento da drogadição, são desenvolvidas estratégias
de vivência e sobrevivência marcadas por dinâmicas específicas de cuidado, de acionamento de identidades, de
regulação de corpos, anestesia e recuperação. A discussão deste trabalho traz a escrita como uma das minhas
principais estratégias de pesquisa e, para isso, aciono contos e personagens que me ajudaram a enfrentar
barreiras de sofrimento na pesquisa e participaram, como verdades ficcionadas, da apresentação e formulação
das análises, dos conflitos, dos tempos, sentimentos, dores e motivações que atravessam e são anunciadas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ranna Mirthes Sousa Correa (IPEA)
Resumo: A luta pela legitimação do acesso à creche como direito a ser garantido pelo Estado e como forma de
compartilhar socialmente o cuidado de crianças tem sido, ao longo dos últimos anos, marcada pelo
protagonismo de mulheres e de movimentos sociais feministas. Em pesquisa de doutorado realizada entre os
anos de 2017 e 2021, a procura das famílias por vagas em creches consiste no fio condutor para uma análise
que revela a indissociabilidade dessa busca com outras questões estruturais da vida das mulheres e das
famílias no Morro da Polícia, em Porto Alegre. Considerando-se esse cenário, a tese objetiva apresentar as
múltiplas formas de atuação política comunitária em um cenário que evidencia desigualdades de gênero e de
raça, além de diversas noções de Estado e de política. Baseado em uma pesquisa etnográfica com as mães, com
as cuidadoras, com as lideranças comunitárias e com os conselheiros tutelares, este trabalho propõe uma
reflexão sobre a importância da minha subjetividade e posicionalidade enquanto pesquisadora negra e a dupla
relação com o processo de produção de conhecimento na antropologia e no processo de minha formação enquanto
pesquisadora e escritora. A discussão enfatiza a necessidade de uma abordagem que respeite e reconheça a
complexidade desta relação para discussões teórico e metodológicas na antropologia, especialmente em
contextos marcados por opressão racial e de gênero.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Tatiane Vieira Barros (IFCE)
Resumo: Por vezes o Ensino Básico é um lugar da docência tida como menos valorizada. Mas é na educação básica,
este lugar onde se objetiva formar estudantes para seguirem carreiras distintas, que a atuação em
antropologia pode fazer uma grande diferença. Pensar formas de construir debates que tenham a antropologia
como caminho condutor de aprendizagem é um dos grandes desafios de quem atua na educação básica. A educação
com viés de transformação social ou que dialogue com os contextos sociais de estudantes não é o ponto
principal dos currículos e das práticas em instituições como os Institutos Federais; mesmo descritas nas
resoluções e missões institucionais. Isso gera efeitos na forma como todos/as se identificam, significam o
conteúdo, se entendem enquanto sujeitos sociais e constroem suas identidades. Logo, trazer um debate
fortalecido que atente para as questões sociais em sua complexidade tem muito potencial. Aqui, o olhar está
voltado para os impactos de uma educação antirracista e democrática nesta etapa da formação escolar,
observando o quanto é promissor para a construção de uma noção de sociedade. Como o pensamento antropológico
pode ser transformador para a formação desses estudantes? Quais os impactos de uma formação realizada por
docentes da área da antropologia na educação básica? Quais as formas de fazer antropologia para educar
jovens? São algumas das perguntas que permeiam esta discussão. Neste momento me preocupa debater estas
questões por um viés específico, aquele que fala de uma educação antirracista e democrática. Tema que não
pode mais ser ignorado e que deve perpassar todas as esferas da educação e das nossas vidas. Assim, penso a
educação básica como lugar potente para este diálogo, lugar promissor se pensarmos no efeito a médio e longo
prazo. Fazer o estudante pensar criticamente atento a um debate racial, de classe, de gênero e que olhe para
a sociedade e suas relações de forma comprometida é uma tarefa difícil, mas que pode ser apaziguada quando
utilizamos das ferramentas antropológicas. A perspectiva de uma educação antirracista e democrática me
parece ser uma produção de futuro. Mas é também uma base para caminhar no presente. Deste modo, este
trabalho visa apresentar a experiência e os desafios de uma professora antropóloga no ensino médio,
apontando como a antropologia tem sido ferramenta de construção para produção de uma educação antirracista e
democrática. Apresentando as relações feitas com o currículo, os enfrentamentos vivenciados para que o
conteúdo obrigatório seja visto à luz da antropologia e, os projetos de ensino e extensão elaborados.
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