ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 074: Modos de aprender e de ensinar a antropologia: desafios contemporâneos da formação e da escrita em antropologia
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Coordenação
Ana Cláudia Gomes de Souza (UNILAB), Beatriz Martins Moura (Ministério das Mulheres)
Debatedor(a)
Rosana Maria Nascimento Castro Silva (UERJ), Gilson José Rodrigues Junior (IFRN)

Resumo:
A aprendizagem e o ensino em antropologia têm sido pautados pela experiência dos seus autores. De certo modo, a agência de quem observa e de quem escreve, ou de onde se observa e escreve, nunca foi tão problematizada na produção antropológica como nos últimos anos. O que nos leva a pensar, qual o papel da experiência na antropologia contemporânea? O ingresso de um contingente de estudantes muito mais diverso tem promovido uma alteração significativa no perfil dos cursos das universidades brasileiras. E com os cursos de CISO e de antropologia não é diferente. Uma maior participação de negros(as), indígenas, lgbtqia+, quilombolas e de outras parcelas da sociedade tem feito muita diferença nas formas de ensinar e de aprender antropologia. Questões de gênero, raça, etnia, geração, classe, sexualidade poderão pautar a experiência de quem se encontra na encruzilhada do ensinar ou do aprender essa ciência. Para dar conta temos lançado mão de estratégias de produção de pesquisa e de narrativas em que os nossos pertencimentos têm sido colocados também no jogo antropológico. Assim, a produção de auto etnografias, de escrevivências (Conceição Evaristo), de uma antropologia engajada, ou produzida a partir do lugar de fala, parece que são algumas das formas que temos encontrado para não deixar de fora esse protagonismo que vem de dentro. Desse modo, o GT tem interesse em trabalhos que dialoguem sobre formação em antropologia e sua escrita, a partir do viés da experiência de quem enuncia.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Reflexões, Desafios da Etnografia Escrita indígena Kaiowá e Guarani
Antonio Carlos Benites (UFG)
Resumo: A pesquisa para o povo indígena Kaiowá e Guarani vem sendo desafiante, especialmente a escrita acadêmica devido a exigência e formulações técnicas obrigatórias que devem compor uma pesquisa de estudo acadêmico. O objetivo desta proposta é trazer a experiência de convívio acadêmico entre indígenas e não indígenas neste espaço de instituição e engajamento na pesquisa na área da antropologia indígena kaiowá. A intenção da proposta é discutir experiências de escrita indígena kaiowá e guarani para uma realidade de uso da língua materna nas produções acadêmica, dando a visibilidade a língua escrita entre não indígenas dentro dos parâmetros da produção acadêmica. O pesquisador e a pesquisadora indígena kaiowá e guarani sempre passamos pelo processo de inovar a pesquisa e a escrita a partir da etnografia, e nos questionamos como sujeitos pesquisadores/as o que vem a ser uma pesquisa para nós indígenas. No meu caso, falo a partir do lugar da retomada e da ocupação de saberes indígenas kaiowá e guarani, também da perspectiva de ser aprendiz xamã/rexakary indígena kaiowá e guarani. O mundo da escrita que são codificadas em papel é sempre desafiante. Assim, produzir pesquisa e escrita por meio dos sábios e sábias que são metres e mestras na oralidade, que são detentores e detentoras dos saberes tradicionais, que dominam o ser xamã e são chamados de nhanderu/rezador e nhandesy/rezadora é o desafio que enfrento. Produzir pesquisa e etnografia, e praticar código de escrever e envolver o meio do contexto social e as comunidades do povo indígena kaiowá e guarani, diante dos nhanderu e nhadesy, a pesquisa que resultará na escrita, tem a suas complexidades. Temos que revalidar os meios elementares do nosso próprio modo de pensar e interagir, pois aprendemos a saber, a pensar, ouvir, traduzir e escrever do nosso modo. ao longo do curso da pesquisa e do estudo, aprendemos a sistematizar as produções cientificas para uma ciência mais perto e adequada para a formatação acadêmica. A outra face, a academia, nos dias atuais e nos cursos de pós-graduação vem tendo flexibilidade para entender o próprio pesquisador e pesquisadora indígena no seu modo de escrever e, de traduzir. Um dos grandes problemas entre escrever e a pesquisa para pesquisadores e pesquisadoras indígenas é o uso da língua materna, do oral para o texto cientifico, pois é, aos poucos que é possível desenvolver estudo na produção de artigos, dissertações, tese e livros que atualmente estão nos acervos on-line e Bibliotecas universitárias.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Lésbicas escrevendo cultura
Gabriela Pedroni (Universidad Autónoma Metropolitana)
Resumo: O pensamento lésbico questiona a invisibilidade das existências lésbicas nos espaços de produção e difusão de conhecimento, por isso a escrita desde dissidências sexuais nos desafia a lesbianizar a ciência produzindo e socializando teorias lésbicas nos espaços formais de educação. Essa é a política da visibilidade, que tem como desafio informar a sociedade e a comunidade académica sobre a existência de outros mundos fora da heterossexualidade. Por este motivo, este trabalho busca refletir sobre a escrita lésbica desde uma perspectiva antropológica, como forma de visibilizar as etnografias lésbicas produzidas na antropologia brasileira. Nesse sentido, exploro a complexa relação entre sexualidades dissidentes e antropologia, delimitando como a temática da sexualidade se constituiu como um objeto relevante para a antropologia. A partir disso, apresento um mapeamento das etnografias lésbicas produzidas a partir dos anos noventa até a contemporaneidade, em primeiro lugar, apresentando as antropólogas que foram pioneiras e, em segundo lugar, as novas antropólogas que ampliaram e diversificaram a discussão sobre lesbianidades. Portanto, este trabalho tem como finalidade delimitar as características das etnografias lésbicas, entendidas como trabalhos antropológicos escritos por e sobre lésbicas, para refletir de que forma a sexualidade pauta a experiência de quem se encontra na encruzilhada da escrita cultural. Entendo que a escrita é uma forma de modificar e transformar a cultura, para escrever novos significados desde experiencias que rompem com a heteronormatividade. Deste modo, proponho entender as lésbicas como criadoras e transformadoras culturais a partir de sua escrita, ou seja, as lésbicas escrevem cultura feminista em rebeldia e resistência.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Pensando autoria/autoridade etnográfica negra: apontamentos sobre raça/racismo e escrita antropológica
Gleidson Wirllen Bezerra Gomes (UFPA)
Resumo: A proposta de reflexão desenvolvida neste artigo deriva da experiência de escrita da minha tese de doutorado em Antropologia, defendida em 2023. A escrita etnográfica em si já gerou amplo debate no campo antropológico quanto às características específicas da etnografia enquanto texto (GEERTZ, 2018; CLIFFORD; MARCUS, 2016; STRATHERN, 2017), entretanto, ao longo da minha formação e, mais especificamente, no segundo campo (STRATHERN, 2017, p. 312) da textualização da tese, em meio às dificuldades, dúvidas e tensões mentais/emocionais geradas no processo de escrita, cada vez mais me questionava o quanto desses tensionamentos entendidos a princípio como internos/pessoais tinha a ver com a questão racial. Isto é, quanto mais eu mergulhava no estar aqui (GEERTZ, 2018, p. 160), mais eu pensava no que ser um homem negro, em uma sociedade racista como a brasileira e a belenense, poderia implicar na hora de enfrentar a página (GEERTZ, 2018, p. 21). A partir dessas reflexões iniciais, algumas questões podem ser elaboradas: o que o fato de ser negro implica na hora de escrever uma etnografia? O que raça pode ter a ver com escrita etnográfica? Ou, posta de outro modo: como o racismo pode marcar/formar a subjetividade de um antropólogo negro e como isso possivelmente reverberar na textualização (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2006) da etnografia? Ao formular essas questões, penso que elas podem ser entendidas como uma das consequências de uma maior presença de pessoas negras nos cursos de graduação das universidades, especificamente no âmbito das Ciências Sociais. Entre outros fatores, o maior acesso ao ensino superior gerou questionamentos e disputas sobre a construção do currículo de formação dos discentes, invariavelmente fundamentado no pensamento de autoras e autores brancos e, em muitos casos, estrangeiros: A chegada de um número cada vez maior de pessoas negras e indígenas ao ensino superior impulsionou uma série de iniciativas nesse sentido, dando origem a pesquisas e publicações protagonizadas por sujeitos que antes se viam reduzidos à condição de objetos científicos (BASQUES, 2022, p. 03). No pensamento socioantropológico brasileiro já existe um debate estabelecido sobre as implicações raciais na pesquisa de campo (MEDEIROS, 2017; DOMINGUES, 2018; RODRIGUES JÚNIOR, 2019; PEREIRA, 2020; CASTRO, 2022; PEREIRA; SIQUEIRA, 2022). Este artigo, assim, com as questões que o instigam, propõe-se a articular um debate sobre a possibilidade de pensar uma autoria/autoridade etnográfica negra na Antropologia, refletindo sobre os possíveis impactos da questão racial no processo de escrita das etnografias feitas por pessoas negras.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A crônica como recurso para o ensino e a escrita em antropologia
Hermes de Sousa Veras (UESPI)
Resumo: A crônica é um gênero literário que possibilita infinitas experimentações, mas que se caracteriza sobretudo pela sua brevidade, por ser um texto curto a ser publicado em diversas mídias jornais, revistas, redes sociais digitais, newsletters e outras. Além disso, flerta com o cotidiano e o relato dele. O que não significa se tratar de um gênero não ficcional, apesar de colocar em questionamento as divisas entre o real e a ficção. Pela sua possibilidade experimentadora e o seu manuseio em sala de aula como texto curto que pode ser lido e praticado durante os períodos letivos, passei a utilizar a crônica enquanto recurso para a aprendizagem da antropologia, tanto de seu aspecto conceitual, suas preocupações e pretensões científicas, quanto como instrumento para despertar na comunidade discente a criatividade e a escrita antropológica. Essa comunicação reflete esse uso junto a discentes de licenciaturas em Ciências Sociais e História (com a disciplina de Antropologia da Educação), também fazendo parte do projeto de pesquisa Crônica antropológica e sociológica: a imaginação e o escrever nas ciências sociais", cadastrado na Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação PROP da Universidade Estadual do Piauí UESPI. A pesquisa dialoga com a argumentação de Tim Ingold de que a antropologia pode ser pensada como educação, ao mesmo tempo que se aproxima do amadurecimento da antropologia da educação no Brasil, com a proliferação de grupos de pesquisa e trabalho, relatos de ensino, desenvolvimentos de trilhas de aprendizagem e outros procedimentos. Juntando a literatura especializada com a prática do projeto, propomos que Conceição Evaristo, com a sua elaboração da escrevivência, Pedro Demo com a tentativa de instigar discentes enquanto pessoas autoras, bell hooks com a quebra da frieza da sala de aula para a construção de uma educação transgressora, além de Wright Mills com o artesanato intelectual e a imaginação sociológica, estão trazendo resultados para o ensino e a prática da antropologia, que se ainda não é possível palpar em sua totalidade, já nos instiga a continuar na proposta de uma educação que instigue mais a criação do que a reprodução e a colonização de nossas sensibilidades. Parte considerável de discentes das licenciaturas em foco é de pessoas atravessadas por marcadores sociais que, pela colonialidade ainda dominante e editorial, podem ser colocadas em um lugar de não-autoria: de suas vidas, de seus textos. Dessa forma, essa comunicação vai apresentar os desdobramentos do projeto que tenta instigar a multiplicidade autorial, focado nas disciplinas ministradas na UESPI e em uma oficina de crônica antropológica realizada na mesma instituição, dentro da programação do III Seminário Didático Pedagógico do Centro de Ciências Humanas e Letras.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Escrita antropológica e aprendizado no contexto da diversificação da educação superior no Brasil
Maria Pilar Cabanzo-Chaparro (UFF)
Resumo: O trabalho aborda relações entre a escrita antropológica, aprendizado e conhecimento no contexto da recente diversificação e ampliação da educação superior no Brasil. O foco de análise é a minha atuação como professora de Antropologia e Ciências Sociais em um curso de Pedagogia pertencente a uma universidade pública localizada na Baixada Fluminense, no estado do Rio de Janeiro (Brasil). A localização desse campus universitário viabiliza o acesso à educação superior de uma parcela significativa da população fluminense cuja vida passa-se, em boa parte, longe da capital do Estado. No campus alvo das presentes reflexões, a vida universitária discente envolve reflexões sobre os limites e possibilidades de ser da periferia para a elaboração de conhecimento, assim como sobre a necessidade de apreender, e quiçá reformular, lógicas e modos de produção acadêmica. Em 2022 e 2023, essas questões perpassaram as atividades de avaliação propostas por mim para o corpo discente. Uma de tais atividades foi a confecção de relatórios de aula, consistentes em descrições do desenrolar da aula, incluindo os debates e comentários da turma. Muitas das descrições elaboradas pelas discentes mobilizaram a atenção e o estranhamento de si e da sala de aula, além de reflexões sobre a distância geográfica e moral do centro (associado de maneira variável à cidade do Rio de Janeiro, capital do Estado, ao campus da universidade nesta cidade, à população branca e /ou herdeira, entre outros). Os relatórios também me suscitaram reflexões quanto a minha posição ocupada na relação com os variados agentes envolvidos no campus em questão. Por vezes, tal posição suscitou rearranjos nas interações, especialmente em razão das minhas origens. Assim, os relatórios de aula, propostos como escritas com intenções antropológicas, provocaram constantes reformulações subjetivas entre as participantes - tanto na docente quanto nas discentes. O trabalho inicia colocando questões sobre a relação entre Antropologia, escrita e aprendizagem. Posteriormente, o trabalho tece comentários em torno das articulações entre as discentes, os relatórios de aula e eu, professora e autora do presente trabalho, pensando as implicações disso para o aprender e o conhecer. As reflexões desenvolvidas são atravessadas pela precariedade laboral, as condições de emprego, as necessárias atividades de cuidado e os impactos das recentes reformas oficiais implementadas no campo da Educação no Brasil. Assim, o trabalho busca evidenciar as possibilidades da escrita antropológica para transitar e interpelar modelos de produção acadêmica no contexto de diversidade discente na educação superior brasileira, tentando vislumbrar futuros possíveis.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
As "sobrinhas de Zora": fazendo parentes para reaprender a ensinar Antropologia
Nicole Faria Batista (IEPHA-MG)
Resumo: O presente trabalho busca compartilhar reflexões acerca da experiência de ensino da disciplina "Introdução ao pensamento de Zora Neale Hurston" no curso de graduação em Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais. O curso foi ministrado pelo prof. Rubens Caixeta junto às alunas da pós-graduação Nicole Batista (autora deste resumo), Rafaela Rodrigues e Steffane Santos no segundo semestre de 2023. Hurston foi uma pesquisadora, antropóloga, escritora e cineasta estadunidense, que viveu no início do século XX, deixando contribuições inovadoras para o pensamento antropológico, mas que foram interditadas pelo racismo e sexismo de seu contexto. O trabalho busca refletir sobre a retomada da obra da autora a partir de suas potencialidades para a formação e ensino dentro dos cursos de Antropologia e Ciências Humanas. Esse movimento se orienta por dois pólos: 1) o ensino sobre os aspectos metodológicos inscritos por Hurston, ou seja, seu modo aberto e multidisciplinar de realizar pesquisas etnográficas; 2) a ampliação do ensino de sua obra em disciplinas obrigatórias de teoria e método antropológico, recusando seu engessamento exclusivo em cursos de pensamento negro e/ou feminista. A partir desses aspectos ficaram evidentes as alianças possíveis entre esses fazeres e os novos múltiplos olhares que vem ocupando a Antropologia nos últimos anos. Compreendeu-se a sala de aula como lócus fértil para o desenvolvimento e fortalecimento de alianças entre o pensamento de Hurston e o desses novos sujeitos que vem ocupando a universidade (pessoas negras, povos indígenas, estudantes de classe popular). Tais alianças são propostas a partir da ideia de "fazer parentes" (Haraway, 2016) suscitada ao longo da disciplina a partir da identificação das estudantes com a expressão "sobrinhas de Zora", cunhada por Walker (2021) ao longo de sua retomada pelo trabalho da autora. Além disso, ao analisar as relações de ensino e aprendizagem instituídas ao longo da disciplina compreendemos que olhar para o trabalho de Zora Hurston nos obrigou a enfrentar as ficções persuasivas da Antropologia (Strathern, 2019) e aceitar novas proposições não sequenciais ou não lineares para a história da disciplina. Ou seja, com a experiência do ensino percebe-se que Hurston não somente nos impulsiona a encarar as complexidades da produção de conhecimento no campo das ciências humanas, mas nos chama a assumir as subjetividades que estão envoltas em nossas perspectivas teóricas e metodológicas, em nossa forma de narrar a História, o tempo, nossas próprias ficções.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"Tudo que nóiz tem é nóiz": Um olhar antropológico para a produção intelectual e artística negra através do documentário AmarElo.
Pedro Barcellos Rodrigues Juliano (SENAC)
Resumo: Este trabalho busca lançar um olhar antropológico para o documentário AmarElo - É tudo para ontem, produzido e estrelado pelo rapper Emicida. O nosso objetivo é compreender como os elementos artísticos, intelectuais e históricos presentes na obra se relacionam com a produção intelectual das mulheres negras. Através dos conceitos (pensamento intelectual negro, epistemicidio, fratura epistêmica, epistemologia preta e escrevivencia) pretendemos tecer uma discussão sobe diferentes formas de violência e diferentes formas de resistência presente no documentário, que utiliza o audiovisual como ferramenta de conexão com o publico. Pertentemos apresentar uma discussão que busca na intelectualidade negra os elementos necessários para compreender os caminhos percorridos pela documentário. Busco trazer o sujeito negro como condutor da sua historia. Sendo assim, utilizaremos o audiovisual e os estudos propostos pelas feministas negras para redimensionar a Antropologia, seguindo uma outra perspectiva que muitas vezes acaba sendo pouco explorada nas universidades brasileiras.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A escrita antropológica do sofrimento: fragmentos, métodos e novas epistemologias
Rafaella Telles dos Santos (UFRRJ), Carly Barboza Machado (UFRRJ)
Resumo: Neste trabalho desenvolvo uma discussão que objetiva compreender as possibilidades da escrita como parte indispensável das disputas e negociações do fazer antropológico. O que fica em evidência é que a antropologia está constantemente em movimento e não apenas as zonas de significação estão sendo renegociadas, mas também seus métodos e epistemologias. Se novos campos passam a ser possíveis, novas pautas chegam na pesquisa e os métodos precisam também ser atualizados para que o diálogo e as relações tenham espaço no corpo do texto. À luz das interpretações de Veena Das (2020), venho propondo o manejo da escrita não apenas como um recurso de sistematização de ideias, mas como uma técnica flexível e sensível a ser estudada e compartilhada. Compreendendo que contextos diferentes demandam escritas diversas, tenho como foco um estudo sobre a escrita do sofrimento, que passa ser necessária com a entrada de novos campos e interlocuções na antropologia. A partir de uma abordagem autoetnográfica, trago relações que qualifiquei como relações extremas, marcadas por uma dinâmica de esgarçamentos contínuos vividos num certo domínio do mundo das drogas. A fragmentação do campo se apresentou tanto pelas relações quanto pelos métodos, que envolvem relatos, memórias e brechas de coisas que não são ditas. A partir do acionamento dessas interlocuções, apresento algumas dinâmicas que aparecem nas relações entre uma rede de mulheres adultas e suas filhas crianças. Nessas relações, marcadas pelo sofrimento da drogadição, são desenvolvidas estratégias de vivência e sobrevivência marcadas por dinâmicas específicas de cuidado, de acionamento de identidades, de regulação de corpos, anestesia e recuperação. A discussão deste trabalho traz a escrita como uma das minhas principais estratégias de pesquisa e, para isso, aciono contos e personagens que me ajudaram a enfrentar barreiras de sofrimento na pesquisa e participaram, como verdades ficcionadas, da apresentação e formulação das análises, dos conflitos, dos tempos, sentimentos, dores e motivações que atravessam e são anunciadas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"Essa é uma das nossas": notas sobre o meu corpo negro em campo e uma questão teórica metodológica além da ética
Ranna Mirthes Sousa Correa (IPEA)
Resumo: A luta pela legitimação do acesso à creche como direito a ser garantido pelo Estado e como forma de compartilhar socialmente o cuidado de crianças tem sido, ao longo dos últimos anos, marcada pelo protagonismo de mulheres e de movimentos sociais feministas. Em pesquisa de doutorado realizada entre os anos de 2017 e 2021, a procura das famílias por vagas em creches consiste no fio condutor para uma análise que revela a indissociabilidade dessa busca com outras questões estruturais da vida das mulheres e das famílias no Morro da Polícia, em Porto Alegre. Considerando-se esse cenário, a tese objetiva apresentar as múltiplas formas de atuação política comunitária em um cenário que evidencia desigualdades de gênero e de raça, além de diversas noções de Estado e de política. Baseado em uma pesquisa etnográfica com as mães, com as cuidadoras, com as lideranças comunitárias e com os conselheiros tutelares, este trabalho propõe uma reflexão sobre a importância da minha subjetividade e posicionalidade enquanto pesquisadora negra e a dupla relação com o processo de produção de conhecimento na antropologia e no processo de minha formação enquanto pesquisadora e escritora. A discussão enfatiza a necessidade de uma abordagem que respeite e reconheça a complexidade desta relação para discussões teórico e metodológicas na antropologia, especialmente em contextos marcados por opressão racial e de gênero.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Antropologia no ensino médio: perspectivas para uma educação democrática e antirracista
Tatiane Vieira Barros (IFCE)
Resumo: Por vezes o Ensino Básico é um lugar da docência tida como menos valorizada. Mas é na educação básica, este lugar onde se objetiva formar estudantes para seguirem carreiras distintas, que a atuação em antropologia pode fazer uma grande diferença. Pensar formas de construir debates que tenham a antropologia como caminho condutor de aprendizagem é um dos grandes desafios de quem atua na educação básica. A educação com viés de transformação social ou que dialogue com os contextos sociais de estudantes não é o ponto principal dos currículos e das práticas em instituições como os Institutos Federais; mesmo descritas nas resoluções e missões institucionais. Isso gera efeitos na forma como todos/as se identificam, significam o conteúdo, se entendem enquanto sujeitos sociais e constroem suas identidades. Logo, trazer um debate fortalecido que atente para as questões sociais em sua complexidade tem muito potencial. Aqui, o olhar está voltado para os impactos de uma educação antirracista e democrática nesta etapa da formação escolar, observando o quanto é promissor para a construção de uma noção de sociedade. Como o pensamento antropológico pode ser transformador para a formação desses estudantes? Quais os impactos de uma formação realizada por docentes da área da antropologia na educação básica? Quais as formas de fazer antropologia para educar jovens? São algumas das perguntas que permeiam esta discussão. Neste momento me preocupa debater estas questões por um viés específico, aquele que fala de uma educação antirracista e democrática. Tema que não pode mais ser ignorado e que deve perpassar todas as esferas da educação e das nossas vidas. Assim, penso a educação básica como lugar potente para este diálogo, lugar promissor se pensarmos no efeito a médio e longo prazo. Fazer o estudante pensar criticamente atento a um debate racial, de classe, de gênero e que olhe para a sociedade e suas relações de forma comprometida é uma tarefa difícil, mas que pode ser apaziguada quando utilizamos das ferramentas antropológicas. A perspectiva de uma educação antirracista e democrática me parece ser uma produção de futuro. Mas é também uma base para caminhar no presente. Deste modo, este trabalho visa apresentar a experiência e os desafios de uma professora antropóloga no ensino médio, apontando como a antropologia tem sido ferramenta de construção para produção de uma educação antirracista e democrática. Apresentando as relações feitas com o currículo, os enfrentamentos vivenciados para que o conteúdo obrigatório seja visto à luz da antropologia e, os projetos de ensino e extensão elaborados.