Grupos de Trabalho (GT)
GT 077: Novas perspectivas antropológicas a partir de África: caminhos para reconfigurações autônomas no contexto sul-sul
Coordenação
Luena Nascimento Nunes Pereira (UFRRJ), Renato de Lyra Lemos (UFPE)
Debatedor(a)
Zacarias Milisse Chambe (UniRovuma)
Resumo:
O campo de estudos africanos no Brasil vem passando por significativas reconfigurações ao longo dos últimos anos. Essas transformações acompanham as mudanças ocorridas no continente africano, em consonância com os trânsitos globais, avanços e retrocessos da democracia no contexto de crise do capitalismo ultraliberal e mudanças tecnológicas e incertezas ambientais. Tais desafios se impõem ao continente, mas também emergem novas formas de organização social e de estruturação de respostas africanas para estes desafios, em busca de maior autonomia política, da produção de conhecimento e de práticas sociais enraizadas.
Este GT tem como proposta discutir as etnografias produzidas em África, considerando o esforço de escapar da dependência das análises e teorias de viés eurocêntrico, produzindo conhecimentos a partir do Sul que ponham em relevo as pesquisas feitas a partir do Brasil em diálogo com seus pares africanos. Valorizamos o cruzamento entre ativismo, arte e academia na produção de saberes e práticas de transformação social, tendo em vista a construção de novas possibilidades de futuro para o continente.
Assim, encorajamos trabalhos que considerem estes diálogos que partem de pesquisadores de diferentes pontos do Sul, em temáticas como juventude, ativismos, memória, patrimônio, novas formas de organização e expressão política e outras questões que englobem perspectivas antropológicas para a compreensão de novas realidades africanas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Érico de Souza Brito (UNIFESP)
Resumo: Esta comunicação pretende apresentar um debate sobre a feitiçaria enquanto linguagem (GESCHIERE, 2006;
WEST, 2009) nas relacionalidades (SPIES, 2019; NYAMNJOH, 2015) do cotidiano guineense. Pretendo fazer esta
reflexão a partir de dois relatos feitos a mim por um interlocutor muito próximo durante o tempo em que
estive em trabalho de campo na cidade de Bissau, capital da Guiné-Bissau.
Durante minha estadia em Bissau pude perceber como a feitiçaria era um tema que, invariavelmente, perpassava
a maior parte das conversas com meus interlocutores. Cabe ressaltar que o termo feitiçaria, apesar de seu
uso consagrado nos textos antropológicos, não é o mais apropriado para definir os fenômenos que ocorrem no
continente africano e que são designados de outras maneiras pelos interlocutores, como afirma Geschiere
(2006). A intenção deste trabalho não será definir o que o guineense entende por feitiçaria, mas demonstrar
através das narrativas como esse fenômeno é mobilizado como uma linguagem a fim de tornar os acontecimentos
inteligíveis.
No primeiro relato meu interlocutor, chamado Besna, narra o caso do desaparecimento de um cordão de ouro da
casa do tio de seu amigo. Diante da impossibilidade de se descobrir quem era o ladrão do objeto, o homem
apelou para um iran, entidade invisível que atua na resolução de conflitos, na proteção das pessoas e
aldeias, e que é cultuado por diversos povos na Guiné-Bissau. Entretanto, o caso tem uma reviravolta quando
se descobre posteriormente que o acusado pelo crime, indicado pelo iran, não era o verdadeiro autor do
roubo.
No segundo relato, Besna relaciona a morte de seu pai como consequência de atos de feitiçaria levados a cabo
por alguns de seus tios. Sua tia, irmã mais nova de seu pai e personagem central na trama, era uma mulher
que não conseguia engravidar e por isso era constantemente agredida e expulsa de casa durante os três
casamentos que viveu. A infertilidade a obrigou, segundo Besna, a fazer um acordo com um iran para que
trocasse a vida de um membro familiar por uma gravidez biológica.
Ao final dos relatos procuro refletir sobre a feitiçaria enquanto uma linguagem que perpassa o cotidiano
guineense pelo fato de ser dominada por todas as classes sociais e todos os grupos étnicos. A trama social
guineense é tecida pelos rumores (TRAJANO FILHO, 1993; 2000) e pelas ações da feitiçaria, e as
relacionalidades são afetadas por seus efeitos. Laços familiares podem ser rompidos a partir de acusações de
feitiçaria, relações afetivas são profundamente afetadas e, em alguns casos, pode-se chegar à agressão
física e até mesmo à morte. A feitiçaria seria, portanto, um dos componentes de intermediação nas
relacionalidades e também uma ferramenta para se compreender acontecimentos do passado, presente e futuro.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Fernanda Martinelli (USP)
Resumo: Este trabalho irá apresentar as possibilidades de estar refugiado na Cidade do Cabo, África do Sul, a
partir de experiências de pessoas vivendo dentro e fora de um campo de refugiados não-oficial. O trabalho se
baseia em minha pesquisa de mestrado que está se desenvolvendo desde 2022, com uma ida a campo em 2023. Nele
irei refletir sobre as vivências das pessoas a partir de seu status legal de refugiado, posições de
prestígio e vulnerabilidade.
A xenofobia é um elemento importante que conecta diversas experiências através da violência, e esta possui
particularidades no país, marcada por uma história que é composta não apenas pelas violências do apartheid,
mas também pela construção do Estado após este período, que baseou a cidadania em uma noção de
indigeneidade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Francisco Paolo Vieira Miguel (UNICAMP)
Resumo: Desde o estabelecimento dos estudos africanos queer na década de 1990, inúmeras boas etnografias foram
realizadas na África, tanto por pesquisadores africanos quanto não africanos. A partir deste amplo conjunto
de dados coletados ao longo dos últimos trinta anos, dois aspectos frequentemente emergem entre as
pesquisas: que o continente africano é caracterizado tanto pelo discurso nativista da exogenia da
dissidência sexual quanto pelo silêncio generalizado sobre o assunto. Aproveitando minha experiência
etnográfica com questões queer em dois países africanos de língua oficial portuguesa e uma extensa revisão
bibliográfica, este artigo oferece uma visão abrangente deste campo e apresenta algumas percepções originais
sobre esses temas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Gilson José Rodrigues Junior (IFRN)
Resumo: O fenômeno das enfant talibés - ou crianças alunas/discípulas em livre tradução - faz parte da história
e do cotidiano senegalês, estando presente em livros de literatura, nos discursos de políticos se
posicionando contra a "mendicância infantil", nas propagandas estatais, assim como nas propagandas e ações
desenvolvidas por agências humanitárias e organizações não governamentais. O do Chemin du Futur, instituição
fundada há aproximadamente 12 anos por brasileiros, se encaixa neste último grupo. Ao longo de todo este
tempo a instuição passou por diversas fases, incluindo a possibilidade de ter de fechar devido a falta de
verbas para que o trabalho continuasse. Atualmente, após ajustes, novas parcerias e redirecionamentos, o
Chemin du Futur segue em sua tarefa de procurar, acolher em sua sede, cadastrar e acompanhar meninos, entre
crianças e adolescentes, que se encontravam nas ruas da capital senegalesa, muitos dos quais haviam fugido
de Daaras. Longe de questionar a relevância do trabalho desenvolvido pretendo apresentar uma análise que
percorra tanto noções mais gerais sobre modernidade, colonialismo contemporâneo e ajuda humanitária,
relacionando com as ações desenvolvidas pelos integrantes do Chemin du Futur, suas instituições parceiras e
investidores. A questão das enfant talibés, os marabus - professores do Corão - e a presença das Daaras -
escolas corânicas - é uma realidade complexa, presente fortemente no Senegal, mas também em outros países da
África Ocidental, como Gâmbia e Guiné-Bissau. Como tal, é necessário levar em consideração que se manifesta
de formas diversas, por vezes contrastantes. Ainda que o Chemin du Futur reconheça tal multiplicidade, é
percepetível que suas açoes caminham juntas a representações que fazem côro com outras percpeções
marcadamente ocidentais, as quais apresentam as crianças, por vezes enviadas por suas famílias para viverem
nas Daaras, a "escravidão moderna". Dessa forma, pretende-se por meio desta comunicação, compreender como, e
se, o Chemin du Futur compactua com esta perspectiva, e como isso pode se relacionar com uma percpeção
homogêna não apenas do fenômeno, mas da forma como o chamado Ocidente moderno trata todo o vasto continete
africano.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Hippolyte Brice Sogbossi (UFS)
Resumo: Ensaiando uma nova perspectiva no diálogo África-Américas, nos debruçamos em pressupostos teóricos que
nem sempre condizem com a realidade das religiões africanas e a sua progressão multidimensional e
multiespacial no fenômeno denominado de globalização. Esta proposta tem como objetivo, apresentar, num
primeiro momento, o sociólogo e antropólogo Honorat Aguessy, intelectual beninense, no cenário acadêmico
francês e internacional, considerado um dos maiores panafricanistas da atualidade, e o seu desempenho no
cenário mundial. Num segundo momento, demonstrar a importância da tese, ainda inédita do autor no que tange
ao estudo de uma das mais intrigantes divindades do panteão religioso fon do Daomé: Lègba, chamada Exu,
Bara, Eleggua, Elegbara... Divindade duplamente mítica, objeto de um mito, e sujeito do mesmo; Lègba
linguista e taumaturgo; emigrado e metamorfoseado. O autor lança ao longo de toda a obra, um desafio a
autores considerados clássicos no âmbito das humanidades, sobre o estudo do mito e da política, entre eles
Lévi-Strauss e Georges Balandier; ao mesmo tempo, dialoga, de forma tímida com intelectuais como Juana
Elbein dos Santos, Roger Bastide, Alfred Métraux, evidenciando a necessidade de um diálogo sobre o tema.
Espera-se contribuir à compreensão e à problematização de inúmeros enigmas não resolvidos do outro lado do
Atlântico em religiões como a santeria, a umbanda, o candomblé, o batuque e o vodum, entre outras formas
expressões religiosas, sob uma perspectiva decolonial.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Iadira Antonio Impanta (UFSC)
Resumo: É objetivo deste trabalho compreender como a criação da Uniao Democrática das Mulheres de Guiné e
Cabo-Verde (UDEMU), primeira organização feminina dos dois países, contribui para emancipação das mulheres
guineenses numa época em que a questão era ainda pouco discutida em muitos países africanos, em especial os
que ainda se encontravam na Luta Armada da Libertação ou em situação colonial. Não pretendo falar em nome de
todas as mulheres guineenses, mas trazer algumas experiências que poderão ajudar a entender como algumas
mulheres desafiaram o sistema por meio da criação e participação em movimentos de mulheres como a UDEMU.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Madian de Jesus Frazão Pereira (UFMA), João Paulo Araújo Silva (governo federal)
Resumo: Compreender a atividade pesqueira de Cabo Verde a partir de recortes sincrônicos e em diálogo com uma
perspectiva histórica que possibilite a localização de seu surgimento é um exercício de análise fundamental
para se compreender parte importante da própria história de ocupação desse arquipélago atlântico. Isso
porque, de uma perspectiva contemporânea, a atividade pesqueira atuante no país, seja ela nacional ou
estrangeira, artesanal ou industrial, guarda laços estreitos com o passado colonial das ilhas, ao mesmo
tempo que aponta para as diferentes agências que concorreram para o surgimento no país, do estado
independente a partir de 1975. Se de um lado os acordos internacionais de pesca entre Cabo Verde e a União
Europeia reproduzem em seus efeitos a escassez dos recursos, outrora produzida pelas lógicas coloniais, a
pesca artesanal, principalmente na modalidade de linha-de-mão, aparece como produtora de autonomia, de
espaços de liberdade e como promotora de segurança e autonomia alimentar para estratos importantes das
camadas populares das ilhas, demarcando-se como uma aposta viável para, por exemplo, o combate a um cenário
de mudanças climáticas. Cabe reforçar que é importante para análise que se almeja identificar o mar como
objeto de uma construção política específica, refletir sobre a interface local-global-transnacional. Em
pesquisas documentais, bem como em entrevistas com representantes institucionais, a pesca é vista como um
setor que precisa ser desenvolvido, melhor planejado, racionalizado. O governo cabo-verdiano passou a
insistir no chamado Crescimento Azul, que colocou o objetivo de promover o aceleramento da transformação do
setor das pescas em um dos principais eixos da Agenda de Transformação de Cabo Verde, seguindo da agenda da
economia azul, com vistas à organização do setor que se quer com maior eficiência e eficácia e com menos
burocracia e custos de operação. Para além de estudos comparativos, evidencia-se que há vários desafios
sociopolíticos no Atlântico Sul Global, em que o setor pesqueiro é arregimentado através de investidas
neoextrativistas/neocolonialistas. Nesse sentido, uma questão continua no centro do debate: quais
instrumentos os pescadores e pescadoras artesanais (e peixeiras) podem construir para a defesa de
territórios pesqueiros e garantia de direitos? Se a pesquisa junto às instituições estatais do país busca
mapear os desdobramentos dessa questão, articulá-la com o trabalho etnográfico junto às comunidades
artesanais pesqueiras do arquipélago africano é uma estratégia crucial para que se tenha a percepção da
distância entre o que é dito sobre as pescas pela burocracia estatal e aquilo que é vivido no cotidiano de
pescadores/as e abre para a identificação de redes de fortalecimento de re-existências.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Maísa Cardozo Fidalgo Ramos (IFSP)
Resumo: Partindo da premissa de Douglas e Isherwood para quem os bens são bons para pensar, esse trabalho se
propõe a pensar através dos artigos eróticos que circulam em Maputo, capital de Moçambique. Artigos eróticos
são bens e informações direcionados para o incremento das intimidades, entendidas aqui como relações
afetivas e sexuais. Em Moçambique, nesse recorte, podem ser os artigos industrializados encontrados em lojas
do tipo sex shops e que são em sua maioria de origem chinesa ou brasileira, os pós ou temperos artesanais
vendidos em feiras e que pressupõe conhecimentos locais e/ou tradicionais ou ainda cursos, mídias e
orientações que indicam possibilidades de usos sexuais ou conjugais. São artigos que produzem efeitos
corporais e sexuais (principalmente genitais) ou sugerem modulações nos relacionamentos como engarrafar um
homem (prender), ter o lobolo (compensação matrimonial) pago ou engravidar. Questionando quaisquer
binarismos que possam atravessar essas relações (tradicional/moderno; rural/urbano; afetivo/sexual), esses
bens e informações pensados em circuito, sugerem reflexões antropológicas que divido em quatro eixos
principais. O primeiro compreende a própria circulação de bens em um país africano marcado pelo intenso
trânsito de pessoas, mercadorias e informações. Em Maputo, maior área urbana do país, esses fluxos são
sentidos nas ruas, nos sons, cheiros, cores, produtos que estão (mais ou menos) à disposição dos
consumidores. Os artigos eróticos compõem essa trama, misturando o global e o local em complexas relações. O
segundo eixo diz respeito à produção de sentidos e relações de intimidades através dos artigos eróticos.
Quando se orientam os usos ou se divulgam esses materiais e informações, são produzidas noções de
masculinidades, feminilidades e intimidades, marcadas por gênero, sexualidade e outros marcadores sociais da
diferença. Essas relações se entrelaçam às dinâmicas locais produzindo intimidades contextualmente
engendradas. O terceiro abarca os conhecimentos tradicionais que desafiam binarismos como ciência/senso
comum. Em campo, as narrativas a respeito dos artigos atualizam concepções biomédicas de corpo e de pessoa.
Pensar em corpo e medicina nesse contexto e através dos artigos é pensar em fluxos, fluidos, sujidades,
aberturas, fechamentos e outros conceitos tecidos nesse recorte etnográfico. O quarto e último eixo fala dos
feminismos, das mulheres do sul de Moçambique. Nesse eixo, agência e resistência são repensados através do
puxa puxa (matunas ou lulas), prática vaginal viabilizada por uma resina vendida nesse circuito. Menos que
um binômio agência/resistência, tão caro aos feminismos ocidentais, a proposta aqui é pensar em outras
potências e possibilidades políticas dessas mulheres africanas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Marcela Santander Ortensi (UFSCAR)
Resumo: Do contato com o colonialismo, surgiram em Angola diferentes elites regionais ligadas ao governo
colonial, vinculadas ao funcionalismo público, às forças armadas, ao comércio e ao tráfico de escravos, bem
como às antigas chefias das sociedades africanas. Essas elites angolanas autóctones eram constituídas por
grupos bastante heterogêneos, tendo por aspectos distintivos territorialidade, raça, etnia, grupo
linguístico e religião, dentre outros.
Na capital, Luanda, esses angolanos compartilhavam uma característica bastante marcante, dado o intenso
contato com a cultura europeia, formando grupos que eram favorecidos pelas dinâmicas das relações com
europeus, de modo geral, e com colonizadores, em particular. Formavam uma elite bastante particular:
sujeitos citadinos, concentrados em regiões de intenso contato com europeus, muitos mestiços, e que
estabeleceram conexões com o aparato colonial, ocupando, inclusive, funções administrativas de destaque.
Assim, podem ser entendidas como elites políticas africanas de Angola. Estudiosos como Dias (1984),
Bittencourt (1999a), Wheeler e Pélissier (2009) propuseram chamar essa elite local, sobretudo luandense, de
elite crioula. Outros, como Messiant (2006) e Nascimento (2013, 2018), optaram pela diferenciação entre
'antigos e novos assimilados', categorias que me foram úteis ao longo do mestrado.
Contudo, se por um lado nem crioulos, nem elites são automaticamente transpostos ou redutíveis às
categorias de assimilados, um olhar mais atento sugere que há mais continuidades das elites e do
colonialismo que grandes rupturas quando analisamos a sociedade pós-colonial: por exemplo, o viés racialista
e de classe da classificação imposta pelo Indigenato instituiu uma posição ambígua aos mestiços que
reverberou após a independência.
De todo modo, se por um lado estamos diante de representantes de uma elite intelectual bastante ligada à
situação colonial, que em muitas análises foi, inclusive, entendida enquanto categoria intermediária entre
europeus e africanos, por outro, estes sujeitos passaram também a se pensar enquanto angolanos muito antes
que quaisquer outros e suas reflexões ecoaram na formação dos movimentos de luta armada anticolonial, que
surgiram fortemente ligados às elites autóctones angolanas.
Passados quase 50 anos da declaração da independência angolana, tenho com essa comunicação o objetivo de
refletir de que maneira esses rótulos ligados às elites luandenses foram e são articuladas e influenciam na
produção acadêmica sobre a sociedade angolana pós-colonial, colocando desafios ligados ao modo como lidamos
com um passado ainda bastante presente, mas que não pode se dissociar totalmente das dicotomias de outrora
que se atualizaram para, por exemplo, cidade e mato.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Milena Mateuzi Carmo (UFABC)
Resumo: Esta apresentação traz alguns achados de uma pesquisa de pós-doutorado, ainda em andamento, que se
debruça sobre os efeitos da expansão do ensino superior comparando experiências do Brasil e da África do
Sul. Através de uma análise multissituada envolvendo trabalho de campo e revisão bibliográfica em ambos os
países, tem sido possível compreender como tal expansão em contextos nacionais marcados por profundas
desigualdades raciais e sociais está conectada a processos globais, tais como: o crescimento mundial do
ensino superior nas últimas décadas; a mercantilização da educação superior; processos de democratização; e
as reações no interior das universidades, bem como as reivindicações por acesso que têm questionado o
caráter elitista e colonial da educação universitária e da produção de conhecimento. Contudo, outras
dimensões relacionadas ao cotidiano, às trajetórias das famílias e às transformações de territórios
segregados tem emergido durante andamento da pesquisa. Entrevistas em profundidade com estudantes e com
egressos do ensino superior tem demonstrado como a entrada na universidade é um projeto familiar que se
vincula ao acesso de políticas sociais mais amplas (educação, habitação, saúde, etc). Desse modo, os efeitos
vão muito além de uma questão de mobilidade social individual ou familiar (muitas vezes não garantida)
reverberando na reimaginação de territórios, das narrativas sobre si e na emergência de novos sujeitos e
pautas políticas.
A África do Sul figura como contexto privilegiado de contraponto à experiência brasileira. Este país, além
de também apresentar profundas desigualdades sociais por linhas raciais, passou por um processo recente de
democratização, assim como o Brasil. Ademais, África do Sul e Brasil tem adotado políticas de inclusão ao
ensino superior como forma de enfrentamento do enorme exclusivismo de suas universidades, voltadas para as
elites brancas desses países. Alguns estudos tem chamado a atenção para as mobilizações, protagonizadas
sobretudo por estudantes negros, que reivindicam a descolonização do ensino superior africano, como
movimento Rhodes Must Fall pela retirada da estátua de colonizadores do campus da University of Cape Town e
Fees Must Fall, contra as taxas que inviabilizam o ingresso de grande parcela de estudantes das townships.
Por fim, em que se pese as diferenças de como raça e racismo são pensados e vividos em ambos os países, um
dos argumentos principais desse trabalho é que as políticas de acesso ao ensino superior tem sido
compreendidas e também vividas como políticas reparatórias, seja dos efeitos do Apartheid, no caso da África
do Sul, seja como a primeira política de reparação do racismo no caso brasileiro.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Thais Henriques Tiriba (USP)
Resumo: Nesta apresentação, compartilho parte de meu material etnográfico reunido a partir de conversas com
jovens universitárias sul-africanas na Cidade do Cabo, nas quais dividem suas impressões e experiências
relativas ao chamado fenômeno blesser, segundo o qual homens de mais recursos (chamados de blessers,
sponsors, sugar daddies) se engajam em trocas afetivas, sexuais e materiais com pessoas mais jovens.
Trata-se de um tema moralmente carregado. De um lado, autoridades da saúde pública, partidos políticos e
lideranças religiosas advogam contra a prática, e de outro, inúmeras postagens nas redes sociais e em
páginas especializadas associam a prática ao empoderamento feminino. Eu procuro estabelecer conexões entre o
fenômeno blesser e as aspirações dessas jovens relativas ao amor, família e dinheiro, baseando-me nos
esforços de estudiosas da sexualidade no Brasil, na África do Sul e em outros contextos africanos, que
analisam cenários similarmente moralmente carregados e produzem trabalhos nuançados que resistem à
sexualização e/ou à exotização das desigualdades. Esta apresentação é parte de minha pesquisa de doutorado
em andamento, que visa investigar a paisagem da intimidade entre pessoas jovens na Cidade do Cabo e atenta
para as intersecções entre as esferas econômicas e afetivas e para dinâmicas culturais que preveem trocas
materiais na formalização de laços afetivos e familiares.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Valdemir Zamparoni (Programa Multidisciplinar de Pós-Gradução em Estudos Étnicos e Africanos)
Resumo: Durante a luta armada anticolonial, a Frelimo formulou a sua concepção sobre com quais segmentos sociais
poderia contar para concretizar o seu projecto de transformação social, de libertação e de criação do homem
novo. A narrativa da aliança operário-camponesa prevalecente teoria marxista facilitava a identificação de
aliados e inimigos naturais: de uma lado os operários - numericamente marginais na sociedade colonial - e de
outro os camponeses, que formavam a esmagadora maioria. Entretanto essa interpretação se mostrou demasida
simplista diante uma realidade social historicamente complexa. A sociedade moçambicana colonial, sobretudo
nas cidades, contava com uma imensa gama de segmentos raciais, sociais e culturais. Os brancos, dominantes,
mas minoria, não escondiam as clivagens de classe que separavam os capitalistas dos operários, a seguir
havia os indianos islamitas, hindus que controlavam o comércio miúdo e goeses católicos; uma pequena
comunidade chinesa; um percentual de mestiços e por fim a imensa maioria constituida por negros, serviçais
domésticos e empregados braçais. Uma parcela dos negros e a maioria dos mestiços eram pequenos funcionários
subalternos da administração e do comércio e foram, a partir de 1917, submetidos à condição jurídica de
assimilados. Desde então esta categoria e os debates em torno de sua existência - passou a estar onipresente
na vida social do país, persistindo até hoje. Aos olhos da Frelimo o termo passou a ter um significado
pejorativo e os assimilados, enquanto categoria, eram vistos como colaboradores do colonialismo, no entanto
o movimento de libertação contava, em suas fileiras e órgãos dirigentes, com pessoas cuja trajetória pessoal
e familiar esteve ligada aos assimilados e suas organizações sócio-políticas do passado, como o Grêmio
Africano de Lourenço Marques. Após a independência, foram surgindo estudos que mostravam o quanto os membros
dessa categoria social estavam envolvidos na denúncia das práticas coloniais violentas e na luta pela defesa
dos interesses da imensa maioria da população submetida à categoria de indígena e em a emergência de uma
consciência de moçambicanidade. A comunicação pretende traçar o percurso desta camada social e perceber se a
Frelimo mudou a sua narrativa face às evidências demonstradas por tais estudos acadêmicos.