Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 077: Novas perspectivas antropológicas a partir de África: caminhos para reconfigurações autônomas no contexto sul-sul
"São aqui cenas de gonazololo?": reflexões antropológicas através de um circuito erótico em Maputo, Moçambique
Partindo da premissa de Douglas e Isherwood para quem os bens são bons para pensar, esse trabalho se
propõe a pensar através dos artigos eróticos que circulam em Maputo, capital de Moçambique. Artigos eróticos
são bens e informações direcionados para o incremento das intimidades, entendidas aqui como relações
afetivas e sexuais. Em Moçambique, nesse recorte, podem ser os artigos industrializados encontrados em lojas
do tipo sex shops e que são em sua maioria de origem chinesa ou brasileira, os pós ou temperos artesanais
vendidos em feiras e que pressupõe conhecimentos locais e/ou tradicionais ou ainda cursos, mídias e
orientações que indicam possibilidades de usos sexuais ou conjugais. São artigos que produzem efeitos
corporais e sexuais (principalmente genitais) ou sugerem modulações nos relacionamentos como engarrafar um
homem (prender), ter o lobolo (compensação matrimonial) pago ou engravidar. Questionando quaisquer
binarismos que possam atravessar essas relações (tradicional/moderno; rural/urbano; afetivo/sexual), esses
bens e informações pensados em circuito, sugerem reflexões antropológicas que divido em quatro eixos
principais. O primeiro compreende a própria circulação de bens em um país africano marcado pelo intenso
trânsito de pessoas, mercadorias e informações. Em Maputo, maior área urbana do país, esses fluxos são
sentidos nas ruas, nos sons, cheiros, cores, produtos que estão (mais ou menos) à disposição dos
consumidores. Os artigos eróticos compõem essa trama, misturando o global e o local em complexas relações. O
segundo eixo diz respeito à produção de sentidos e relações de intimidades através dos artigos eróticos.
Quando se orientam os usos ou se divulgam esses materiais e informações, são produzidas noções de
masculinidades, feminilidades e intimidades, marcadas por gênero, sexualidade e outros marcadores sociais da
diferença. Essas relações se entrelaçam às dinâmicas locais produzindo intimidades contextualmente
engendradas. O terceiro abarca os conhecimentos tradicionais que desafiam binarismos como ciência/senso
comum. Em campo, as narrativas a respeito dos artigos atualizam concepções biomédicas de corpo e de pessoa.
Pensar em corpo e medicina nesse contexto e através dos artigos é pensar em fluxos, fluidos, sujidades,
aberturas, fechamentos e outros conceitos tecidos nesse recorte etnográfico. O quarto e último eixo fala dos
feminismos, das mulheres do sul de Moçambique. Nesse eixo, agência e resistência são repensados através do
puxa puxa (matunas ou lulas), prática vaginal viabilizada por uma resina vendida nesse circuito. Menos que
um binômio agência/resistência, tão caro aos feminismos ocidentais, a proposta aqui é pensar em outras
potências e possibilidades políticas dessas mulheres africanas.