Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 077: Novas perspectivas antropológicas a partir de África: caminhos para reconfigurações autônomas no contexto sul-sul
A pesca artesanal de Cabo Verde no horizonte da contemporaneidade: apostas para um futuro comum em meio
à exploração industrial do pescado no Atlântico Sul
Compreender a atividade pesqueira de Cabo Verde a partir de recortes sincrônicos e em diálogo com uma
perspectiva histórica que possibilite a localização de seu surgimento é um exercício de análise fundamental
para se compreender parte importante da própria história de ocupação desse arquipélago atlântico. Isso
porque, de uma perspectiva contemporânea, a atividade pesqueira atuante no país, seja ela nacional ou
estrangeira, artesanal ou industrial, guarda laços estreitos com o passado colonial das ilhas, ao mesmo
tempo que aponta para as diferentes agências que concorreram para o surgimento no país, do estado
independente a partir de 1975. Se de um lado os acordos internacionais de pesca entre Cabo Verde e a União
Europeia reproduzem em seus efeitos a escassez dos recursos, outrora produzida pelas lógicas coloniais, a
pesca artesanal, principalmente na modalidade de linha-de-mão, aparece como produtora de autonomia, de
espaços de liberdade e como promotora de segurança e autonomia alimentar para estratos importantes das
camadas populares das ilhas, demarcando-se como uma aposta viável para, por exemplo, o combate a um cenário
de mudanças climáticas. Cabe reforçar que é importante para análise que se almeja identificar o mar como
objeto de uma construção política específica, refletir sobre a interface local-global-transnacional. Em
pesquisas documentais, bem como em entrevistas com representantes institucionais, a pesca é vista como um
setor que precisa ser desenvolvido, melhor planejado, racionalizado. O governo cabo-verdiano passou a
insistir no chamado Crescimento Azul, que colocou o objetivo de promover o aceleramento da transformação do
setor das pescas em um dos principais eixos da Agenda de Transformação de Cabo Verde, seguindo da agenda da
economia azul, com vistas à organização do setor que se quer com maior eficiência e eficácia e com menos
burocracia e custos de operação. Para além de estudos comparativos, evidencia-se que há vários desafios
sociopolíticos no Atlântico Sul Global, em que o setor pesqueiro é arregimentado através de investidas
neoextrativistas/neocolonialistas. Nesse sentido, uma questão continua no centro do debate: quais
instrumentos os pescadores e pescadoras artesanais (e peixeiras) podem construir para a defesa de
territórios pesqueiros e garantia de direitos? Se a pesquisa junto às instituições estatais do país busca
mapear os desdobramentos dessa questão, articulá-la com o trabalho etnográfico junto às comunidades
artesanais pesqueiras do arquipélago africano é uma estratégia crucial para que se tenha a percepção da
distância entre o que é dito sobre as pescas pela burocracia estatal e aquilo que é vivido no cotidiano de
pescadores/as e abre para a identificação de redes de fortalecimento de re-existências.