Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 077: Novas perspectivas antropológicas a partir de África: caminhos para reconfigurações autônomas no contexto sul-sul
Entre crioulidade e angolanidade: tensionando classificações para um estudo da sociedade luandense
pós-colonial
Do contato com o colonialismo, surgiram em Angola diferentes elites regionais ligadas ao governo
colonial, vinculadas ao funcionalismo público, às forças armadas, ao comércio e ao tráfico de escravos, bem
como às antigas chefias das sociedades africanas. Essas elites angolanas autóctones eram constituídas por
grupos bastante heterogêneos, tendo por aspectos distintivos territorialidade, raça, etnia, grupo
linguístico e religião, dentre outros.
Na capital, Luanda, esses angolanos compartilhavam uma característica bastante marcante, dado o intenso
contato com a cultura europeia, formando grupos que eram favorecidos pelas dinâmicas das relações com
europeus, de modo geral, e com colonizadores, em particular. Formavam uma elite bastante particular:
sujeitos citadinos, concentrados em regiões de intenso contato com europeus, muitos mestiços, e que
estabeleceram conexões com o aparato colonial, ocupando, inclusive, funções administrativas de destaque.
Assim, podem ser entendidas como elites políticas africanas de Angola. Estudiosos como Dias (1984),
Bittencourt (1999a), Wheeler e Pélissier (2009) propuseram chamar essa elite local, sobretudo luandense, de
elite crioula. Outros, como Messiant (2006) e Nascimento (2013, 2018), optaram pela diferenciação entre
'antigos e novos assimilados', categorias que me foram úteis ao longo do mestrado.
Contudo, se por um lado nem crioulos, nem elites são automaticamente transpostos ou redutíveis às
categorias de assimilados, um olhar mais atento sugere que há mais continuidades das elites e do
colonialismo que grandes rupturas quando analisamos a sociedade pós-colonial: por exemplo, o viés racialista
e de classe da classificação imposta pelo Indigenato instituiu uma posição ambígua aos mestiços que
reverberou após a independência.
De todo modo, se por um lado estamos diante de representantes de uma elite intelectual bastante ligada à
situação colonial, que em muitas análises foi, inclusive, entendida enquanto categoria intermediária entre
europeus e africanos, por outro, estes sujeitos passaram também a se pensar enquanto angolanos muito antes
que quaisquer outros e suas reflexões ecoaram na formação dos movimentos de luta armada anticolonial, que
surgiram fortemente ligados às elites autóctones angolanas.
Passados quase 50 anos da declaração da independência angolana, tenho com essa comunicação o objetivo de
refletir de que maneira esses rótulos ligados às elites luandenses foram e são articuladas e influenciam na
produção acadêmica sobre a sociedade angolana pós-colonial, colocando desafios ligados ao modo como lidamos
com um passado ainda bastante presente, mas que não pode se dissociar totalmente das dicotomias de outrora
que se atualizaram para, por exemplo, cidade e mato.