Grupos de Trabalho (GT)
GT 104: Visualidades Indígenas
Coordenação
Ana Lúcia Marques Camargo Ferraz (UFF), Edgar Teodoro da Cunha (UNESP)
Resumo:
Esta proposta retoma a experiência dos GTs Visualidades Indígenas realizados nas RBA’s de 2016, 2018 e 2022, visando reunir pesquisas recentes que analisem as produções audiovisuais feitas por povos indígenas ou sobre eles. O escopo das investigações a serem apresentadas deve agregar reflexões sobre as concepções de imagem do ponto de vista das cosmologias de distintos povos indígenas, mas também reflexões sobre a apropriação das técnicas de produção de imagens, análises de processos de formação em cinema e vídeo por meio de oficinas e seus paradoxos e temas correlatos. O objetivo das sessões será; analisar as novas visualidades que se colocam para dentro e para fora dos grupos indígenas, o protagonismo dos jovens indígenas na produção de discursos audiovisuais a partir das lógicas culturais; relações entre imagem e xamanismo; circulação de pontos de vista indígena e sua recepção acadêmica, apropriação do audiovisual em processos de transmissão de conhecimento, seus limites e possibilidades. Os temas gerais que serão acolhidos no GT tratam de comunicação intercultural, arte, relações entre imagem e política, questões de autoria, tecnologias nativas do tornar visível, jovens indígenas e apropriação das técnicas do vídeo, transmissão oral e o audiovisual.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Alice Martins Villela Pinto (UNICAMP)
Resumo: Durante o processo de produção do filme Retomada, sobre a luta pela terra do povo Kariri-Xocó, conheci
Kayane Nunes, indígena Kariri-Xocó de 16 anos, estudante do terceiro colegial, cantora, compositora e
comunicadora indígena. Kayane possui um canal no YouTube onde posta conteúdos produzidos por ela: filma,
apresenta, edita e posta os vídeos que abordam o dia a dia na aldeia, conversa com mais velhos, eventos,
datas comemorativas e seu cotidiano escolar. Além disso, lidera o grupo da juventude Sabuká e a banda Uká,
que apresenta um repertório de cantos tradicionais kariri-Xocó adaptados para instrumentação de banda (com
baixo, bateria) além de suas composições. Convidamos Kayane para participar do filme como parte da equipe e
fizemos uma formação audiovisual com ela para que pudesse usar a câmera que compramos com recursos do
projeto. A partir daí ela passou a produzir imagens para o filme ao mesmo tempo em que também passou a ser
filmada como uma das personagens, como uma voz jovem Kariri-Xocó. Este paper pretende tecer reflexões sobre
o encontro com Kayane num contexto de produção audiovisual a partir da ideia de que o trabalho de campo se
torna um dispositivo, um local de experimentação onde compartilhamos experiências, formas de musicar (Cf.
Small, 1998) e sobretudo, a construção do conhecimento e suas representações com aqueles que, mais do que
interlocutores, são reconhecidos como nossos parceiros epistêmicos (ESTALELLA; SÁNCHEZ-CRIADO, 2018, p.20).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Aline de Oliveira Aranha (USP)
Resumo: A partir do contexto atual de produção e circulação de filmes realizados por cineastas e coletivos
Guarani Mbya de cinema, e com especial atenção à atuação e perspectivas das mulheres guarani (kunhãgue) e de
seus modos próprios de ser, agir e se comportar (kunhãgue reko) nesses espaços, pretende-se oferecer nesta
comunicação algumas reflexões de minha pesquisa de Doutorado ainda em andamento, acerca das relações entre
cinema guarani, xamanismo e gênero. O cinema é tomado aqui como uma via de acesso ao xamanismo guarani que
não se reduz à figura masculina do xamã e estaria mais bem distribuído entre toda a coletividade e toda
sua diplomacia cosmopolítica, o que inclui as relações entre gêneros, contribuindo para o debate sobre o
lugar e importância das mulheres indígenas, em especial, as Mbya, e de suas próprias vozes e ações políticas
nessas esferas e nos filmes que realizam, valorizando e dando visibilidade a seus saberes e práticas
xamânicas na constituição e proteção do coletivo e de seu próprio mundo. Pois, se o xamanismo é o meio por
excelência de resistência mbya contra o Estado, o cinema guarani, enquanto um meio eficaz de se fazer ver e
ouvir para fora das aldeias na luta por direitos territoriais e sociais, poderia ser pensado como uma
estratégica xamânica renovada de resistência cultural e espiritual e expressão de sua ética e estética
cosmopolítica, capaz de oferecer em sua tradução-crítica xamânica dos modos de ver, ouvir-sentir e viver
não-indígenas (jurua reko), uma alternativa possível à política etnocida do mundo jurua, inspirando outros
modos de (r)existir, isto é, uma outra estética da (r)existência com a qual temos muito a aprender e nos
afetar para adiar o fim desse mundo.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Amilton Rosa de Lima (UFSCAR)
Resumo: Desde os primeiros contatos com as câmeras e filmadoras de jornalistas interessados em sua história de
luta e resistência, das diversas pessoas que passaram pela base de pesquisa Pinkaiti com seus aparelhos
eletrônicos para registro e ainda com os diversos projetos, como o Mekaron Opôi Djôi, o Kayapó Vídeo
Project e o Kukràdjà nhipêjx do Museu do Índio que se empenharam em auxiliar na implementação do audiovisual
no cotidiano das aldeias, os mebêngôkre da aldeia AUkre têm contato com esses aparelhos e, cada vez mais,
vêm construindo uma soberania visual, além de uma forma própria de se fazer filme.
Nas etnografias sobre os mebêngôkre, o termo kukràdjà aparece como central na análise sobre a sua vida
social, principalmente se tratando da transmissão e aquisição de conhecimento, nomes, prerrogativas,
enfeites, acessórios. Convencionou-se traduzir como algo próximo ao que entendemos como cultura, tradução
feita não só por pesquisadores, como também, em alguns momentos, pelos próprios mebêngôkre e que, dentre
outras coisas, se refere principalmente as formas de ser e de conhecimento mebêngôkre, como também uma forma
específica desse povo de aquisição de saberes e equipamentos que vem de fora.
O presente trabalho é uma reflexão oriunda da minha dissertação de mestrado e que pretendo desenvolver em
meu doutorado sobre como as imagens produzidas pelos cineastas da aldeia metaforizam aqui tomando como Roy
Wagner (2017) concebe o termo o kukràdjà em seus filmes e em como esses filmes acabam sendo entendidos
eles mesmos como kukràdjà, sendo introduzidos como repertório significativo próprio.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Irana Bruna Calixto Lisboa (UFPA), Denise Machado Cardoso (UFPA)
Resumo: O trabalho aborda reflexões a respeito do protagonismo dos Comunicadores Indígenas Xipaya no que diz
respeito a autoria de produções audiovisuais fomentado através de oficinas oportunizadas pelo Plano Básico
Ambiental do Componente Indígena (PBA- CI) da Usina Hidrelétrica de Belo Monte mediante o Programa de
Patrimônio Cultural Material e Imaterial (PPCMI) desenvolvido junto ao povo Xipaya situado nas aldeias
Tukamã, Tukayá, Pitjiptjia, Kamarataya, Kaarimã e Yupá localizadas na Terra Indígena Xipaya, às margens dos
rios Iriri e Curuá, no município de Altamira, estado do Pará. Nesse sentido, as oficinas proporcionaram o
suporte necessário para garantir o registro de narrativas imagéticas e sonoras relacionadas a cultura,
história e cosmologia do povo Xipaya.
No contexto da região do Médio Xingu, os indígenas engajados nas produções audiovisuais são denominados de
videoastas, os quais tem um papel fundamental na cultura do seu povo, considerando que os mesmos possuem
habilidades para documentar em vídeo os patrimônios culturais materiais e imateriais, registrando seus
saberes tradicionais, suas atividades culturais e cotidianas. Entretanto, atualmente, a nomenclatura mais
utilizada no contexto nacional para os indígenas que desenvolvem trabalhos audiovisuais em suas aldeias é a
designação de comunicadores indígenas.
Na fase inicial de organização das oficinas ocorreram reuniões de planejamento com o consultor indígena da
etnia Xipaya para organização do curso, aquisição de equipamentos a serem utilizados no decorrer da
atividade e entregue aos comunicadores indígenas Xipaya. Vale ressaltar que as oficinas aconteceram no
território Xipaya e teve a participação de representantes das aldeias contidas na Terra Indígena (TI) do
supracitado povo indígena.
As oficinas resultaram na criação da Rede de Jovens Comunicadores Xipaya denominada Rede Sekamena, mediante
a estruturação de página no Instagram gerenciada pelos indígenas no intuito de divulgar suas produções
audiovisuais. Ademais, as oficinas possibilitaram o aprimoramento de técnicas audiovisuais visando assegurar
a autonomia e autoria de vídeos pelos Xipaya, possibilitando a participação da juventude Xipaya em várias
frentes de trabalhos voltados para a comunicação garantindo o protagonismo indígena nas produções de
conteúdos relevantes relacionados aos aspectos culturais, linguísticos, cosmológicos e políticos.
Em suma, a apropriação dos meios de comunicação pelo povo Xipaya, sobretudo os de produções audiovisuais
constituem-se apreciável ferramenta na preservação da memória coletiva e autodeterminação, contribuindo na
salvaguarda do Patrimônio Cultural Xipaya.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Ítalo Rodrigo Mongconãnn Reis (UNICAMP)
Resumo: Partindo do ensaio fotográfico documental 15-05-2019 (r)existência, pretendo analisar a potência das
imagens quando registrado a luta de nós, estudantes indígenas dentro da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC-2019), também, discutir em que medidas esses registros fotográficos ou o ato fotográfico,
podem serem vistos como uma nova ferramenta de luta dentro do movimento indígena, e não apenas como um
material de registro histórico do momento em si. Esse trabalho de análise, também tem como objetivo refletir
sobre questões de estética e política na narrativa fotográfica documental, tentando entender como essas
reverberam nesse processo do fazer movimento social. Entendo que essa forma/linguagem fotográfica,
estabelece uma relação muito intima entre o fotografo, a câmera e o fotografado, pois é preciso que se tenha
essa aproximação com o outro (sujeito/agente) para que se possa captar para além das expressões, ou seja,
trazer para a fotografia não somente o olhar, sentimentos ou veracidade, mas sim a alma do retratado ou da
imagem. Pois observando os registros que fiz naquele dia, pude entender a expressão marcante nos rostos dos
agentes, pois os mesmos são fortes e nos remetem as grandes lutas de nossos ancestrais. Então, acredito que
consegui captar essa alma dos fotografados para o ensaio, pois os registros em primeiro plano, planos
abertos e outros em planos detalhe, fazem com que possamos olhar para dentro da imagem podendo ver as
múltiplas camadas presentes nela. Nesse sentido, considera-se que toda a fotografia tem sua história a qual
quando (re)visitada, nos faz ir e vir no tempo, quando olhamos o instante capturado, ele nos faz reviver
várias emoções, o que se aproxima de nossas oralidades quando começamos a memorar nossos pais, avôs e
familiares na luta por nossos territórios e tantas outras. Assim vejo que a fotografia tem o poder de
observar e somar na luta e resistência indígena, mas qual seria de fato seu papel? Para ajudar a essa
pergunta e compreender outros pontos mencionados, utilizarei autores como Georges Didi-Huberman, Michael
Freeman, Edigar Xakriabá, Etienne Samain, Sandra Benites, Alfred Gell e outros/as outores/ras que dialogam
com a fotografia e com a antropologia da imagem.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Leandro Teixeira da Silva (fclar)
Resumo: Este resumo tem como proposta apontar questões no que diz respeito aos diferentes modos e percepções de
mundo, a partir do cinema e do olhar indígena da cineasta Olinda Tupinambá. Articulando a luta de seu povo,
o ativismo ambiental à produção cinematográfica, o uso do audiovisual tem sido um importante arma de luta e
resistência, aliado a questões emergentes junto a luta dos pataxó hã hã hãe: Como a retomada de suas terras
e a denúncia junto aos diversos conflitos sobre seus territórios. O termo arma de luta é bastante empregado
e difundido no movimento, principalmente entre os cineastas indígenas que, volta e meia, recorrem a esta
expressão para invocar o sentido principal de se produzir imagem pelos povos indígenas. A câmera enquanto
objeto/corpo pode ser comparada ao arco, o ato de disparar/clicar ao lançar a flecha, a imagem captada à
caça e o cineasta/fotógrafo ao caçador. (Xacriabá, 2018).
A incursão de Olinda no cinema se deu através de um curso realizado em 2015. No final do curso, segundo ela:
resolvi que eu queria fazer um documentário para apresentar na faculdade, porque naquele momento eu
imaginava que era a melhor forma para eu passar meu trabalho para a comunidade, eu queria que eles também
tivessem acesso ao que eu estava produzindo. Neste sentido acabei fazendo um documentário. E, eu acho que
foi algo pensado muito mais por uma coisa interna, da comunidade, que uma coisa externa, confesso que teve
isso.
Assim sendo, este trabalho visa a partir de uma análise antropológica da produção fílmica de nossa
interlocutora, ancorada em uma revisão bibliográfica, discutir a relação do ato de fazer cinema, um cinema
contracolonial e o debate ambiental ao longo dos trabalhos de Olinda. Nas primeiras contatações, fica
evidente uma forte relação do fazer cinema de Yawar com a terra, com o sagrado, com a ancestralidade, um
movimento cosmológico. A produção de Olinda Tupinambá, é antes de tudo, uma produção sobre e com a terra. A
maioria dos meus filmes, eles trazem com eles essa questão da terra. Meu primeiro filme, foi um filme que
fala do retorno a terra, ele fala sobre a vida do cacique Nailton que é um dos líderes da comunidade e quais
foram essas estratégias criadas por ele para retornar para terra, para retomar a terra, porque os indígenas
tinham sido expulsos. No segundo momento a gente consegue reconquistar a terra, retomar as terras e
voltarmos para porção maior da terra. Depois eu faço um outro filme que fala sobre as mulheres que
alimentam, que são 4 personagens que falam como que foi esse retorno para a terra, voltar a mexer com a
terra, uma terra que estava doente. Depois tem outro que é Kaapora-O chamado das matas, que fala sobre um
projeto de recuperação ambiental que eu tenho, na verdade kaapora é o nome do projeto.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Mariana da Costa Aguiar Petroni (UNILAB)
Resumo: Em um artigo sobre a instabilidade das imagens, Maurício Lissovsky (2009) argumenta que os arquivos
deveriam ser pensados a partir de cinco dimensões que caracterizam suas propriedades dinâmicas. As quatro
primeiras estão relacionadas com sua história e dinâmica institucional, e a quinta ele chamou de poética.
Procuro, com este texto, ativar as propriedades dinâmicas das imagens do arquivo fotográfico do antropólogo
mexicano Julio de la Fuente e, por meio de um olhar atento, buscar as tramas em que essas fotografias podem
se envolver quando não estamos olhando para elas, a partir das memórias e sensações provocadas por outro
trabalho fotográfico, este realizado pela fotógrafa indígena yalalteca Citlali Fabián.
O que teriam a dizer esses dois conjuntos de imagens convidadas a um diálogo entre si? Essa pergunta busca
criar novas perspectivas frente a pesquisa inicial (Petroni, 2008) que privilegiou um olhar sobre as
fotografias de Julio de la Fuente como um artefato cultural de representação, onde seus aspectos icônicos me
remeteram a uma reflexão sobre seu referente. Trata-se, agora, de compreender as imagens como produtos de
relações, entre pessoas, entre imagens e entre ambos.
Assim busco uma antropologia da imagem vivente, na qual o rearranjo das fotografias feitas de Yalálag e dos
yalaltecas me possibilite evidenciar relações possíveis sem perder de vista a memória das imagens. Trata-se
aqui de olhar para essas fotografias não apenas como campos de memória, como arquivos vivos e lugares de
desejo, mas ainda, como um terreno de questões, de questionamentos (Samain, 2014, p.52) sobre como
observamos aos povos indígenas.
São as constelações de imagens de Yalálag e dos zapotecos que podem abrir novos caminhos de pensamento. As
relações colocadas em evidência devem potencializar o que está à margem, o rastro e seus indícios
independemente da possibilidade de se inventariar, classificar, criar organizações definitivas, catálogos
exaustivos para repertórios que resistem a serem submetidos a esses processos (Cunha, 2016, p.249).
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Paula Berbert (USP)
Resumo: Os Tikmuun são originários das florestas de Mata Atlântica que cobriam a região compreendida entre o
nordeste de Minas Gerais e o extremo sul da Bahia. A invasão agropecuária em seu território ancestral, ao
longo dos séculos XIX e XX, os confinou em cinco diminutas terras indígenas, cercadas de fazendas e
devastadas pela derrubada da floresta e pelo plantio do capim colonião. Apesar da voracidade da colonização,
eles permanecem falando sua própria língua, o Maxakali, pertencente ao tronco Macro-Jê, e dedicam parte
importante de seu tempo à atualização diária das relações com os Yamiyxop, os espíritos da Mata Atlântica
que os visitam desde antigamente para cantar, dançar, curar, caçar, dar e receber alimentos.
O complexo repertório de cantos que os Maxakali mantém junto aos Yamiyxop desdobra-se em uma abundante
produção material tradicional, como as pinturas e adornos corporais, além dos objetos produzidos para
atividades cotidianas e rituais realizadas conjuntamente pelos espíritos e seus parentes humanos. Nesse
sentido, podemos afirmar que a arte maxakali é feita a partir da relação com os Yamiyxop, sendo os cantos
xamânicos sua principal força motriz. Para além destes cantos, cuja análise os tornou conhecidos na
literatura etnográfica, nos últimos anos a arte maxakali têm se destacado também por sua multiplicação em
novos dispositivos e linguagens, como filmes, desenhos, pinturas, fotografias e instalações, rendendo aos
seus artistas mais conhecidos Sueli Maxakali e Isael Maxakali participações em festivais, mostras e
exposições de relevância em espaços importantes do sistema da arte ocidental.
O objetivo desta comunicação é apresentar as reflexões da pesquisa desenvolvida junto a Sueli e Isael e aos
demais artistas da comunidade Aldeia-Escola-Floresta. Essa investigação está centrada no acompanhamento de
seus processos de criação, especialmente durante as oficinas de formação artística que temos realizado, e
ainda na observação da circulação de sua produção em diferentes espaços do sistema de arte ocidental. Os
dados etnográficos reunidos evidenciam o vínculo indissociável entre as atividades tradicionais do xamanismo
e os processos de criação em novos dispositivos tomados de empréstimo da arte não-indígena. Observa-se que
essas novas criações derivam-se especialmente dos cantos e dos rituais mantidos junto aos Yamiyxop. Nesse
sentido, examinarei um conjunto de obras produzidas recentemente nas oficinas, salientando os nexos
intersemióticos entre estas obras, os ciclos rituais e os cantos xamânicos. Buscarei ainda destacar as
poéticas e os regimes de autoria que organizam estes trabalhos, bem como a relação entre tais agenciamentos
artísticos e suas lutas políticas em prol de seus direitos ao território originário e à educação
diferenciada.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Rafael Hupsel Palomo Garcia (USP)
Resumo: Esta apresentação propõe compartilhar algumas notas preliminares sobre o fazer audiovisual de jovens
Hupdäh das comunidades do Médio Tiquié, na região do Alto Rio Negro (AM). A partir da realização de
oficinas de audiovisual destinadas a jovens hup, pretende-se investigar os sentidos que eles atribuem à
produção de imagens fílmicas e fotográficas e quais as possibilidades do uso destas linguagens para refletir
sobre as transformações recentes vividas pelos Hupdäh, os graves problemas enfrentados atualmente pelos
jovens nas suas comunidades e no meio urbano e como ambos se articulam com a noção hup de bem viver..
Os Hupdäh habitam tradicionalmente a região interfluvial do Rio Tiquié e Rio Papuri, afluentes da margem
esquerda do Rio Uaupés, na fronteira entre o Brasil e a Colômbia. Estão distribuídos atualmente em
aproximadamente 35 comunidades (grupos locais) e o último censo aponta para uma população de 2.634
indivíduos. Os Hupd'äh estão entre alguns povos do conjunto que, ainda hoje, vem sendo
agrupados sob o termo familia linguistica Maku.
A inclusão como beneficiários de políticas públicas de redistribuição de renda e de assistência social tem
impactado os Hupdäh de forma alarmante, tendo como graves consequências diversas violações de direitos
humanos. Conforme o acesso a benefícios sociais tornou-se mais abrangente, nota-se um aumento no
deslocamento de famílias hup de suas comunidades para o perímetro urbano, sujeitando os Hupdäh a uma
crítica situação de vulnerabilidade social. O preconceito étnico-racial, a exploração enquanto força de
trabalho e a desestabilização de um senso de pertencimento étnico resultante do contraste entre diferentes
dinâmicas sociais empurram os jovens hupdäh para um processo de vulnerabilização social que tem impactado
consideravelmente as comunidades hup.
Neste contexto foram realizadas a partir de julho de 2023 oficinas de audiovisual com jovens Hupdäh, parte
de uma série de ações idealizadas por coletivos e organizações que atuam junto aos hup, visando dirimir as
consequências do contexto apresentado acima entre os jovens. As oficinas estavam inseridas em um contexto
mais amplo que tem por objetivo a reflexão, discussão e promoção do bem viver entre os jovens, envolvendo
seus participantes na prevenção de problemas relacionados à saúde, principalmente no tocante ao suicídio.
A experiência desta primeira oficina desdobrou-se em uma pesquisa de doutorado em andamento que propõe
debruçar-se sobre as especificidades de um modo próprio de produção de imagens, tendo como um dos seus
objetivos pensar conjuntamente com os interlocutores hupdäh os possíveis usos do audiovisual como forma de
fortalecimento de ações coletivas voltadas à noção hup de náw ibiy (bem viver).
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