Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 104: Visualidades Indígenas
Dos cantos na kuxex às obras nos museus: multiplicações intersemióticas nas artes dos Tikmuun_Maxakali
Os Tikmuun são originários das florestas de Mata Atlântica que cobriam a região compreendida entre o
nordeste de Minas Gerais e o extremo sul da Bahia. A invasão agropecuária em seu território ancestral, ao
longo dos séculos XIX e XX, os confinou em cinco diminutas terras indígenas, cercadas de fazendas e
devastadas pela derrubada da floresta e pelo plantio do capim colonião. Apesar da voracidade da colonização,
eles permanecem falando sua própria língua, o Maxakali, pertencente ao tronco Macro-Jê, e dedicam parte
importante de seu tempo à atualização diária das relações com os Yamiyxop, os espíritos da Mata Atlântica
que os visitam desde antigamente para cantar, dançar, curar, caçar, dar e receber alimentos.
O complexo repertório de cantos que os Maxakali mantém junto aos Yamiyxop desdobra-se em uma abundante
produção material tradicional, como as pinturas e adornos corporais, além dos objetos produzidos para
atividades cotidianas e rituais realizadas conjuntamente pelos espíritos e seus parentes humanos. Nesse
sentido, podemos afirmar que a arte maxakali é feita a partir da relação com os Yamiyxop, sendo os cantos
xamânicos sua principal força motriz. Para além destes cantos, cuja análise os tornou conhecidos na
literatura etnográfica, nos últimos anos a arte maxakali têm se destacado também por sua multiplicação em
novos dispositivos e linguagens, como filmes, desenhos, pinturas, fotografias e instalações, rendendo aos
seus artistas mais conhecidos Sueli Maxakali e Isael Maxakali participações em festivais, mostras e
exposições de relevância em espaços importantes do sistema da arte ocidental.
O objetivo desta comunicação é apresentar as reflexões da pesquisa desenvolvida junto a Sueli e Isael e aos
demais artistas da comunidade Aldeia-Escola-Floresta. Essa investigação está centrada no acompanhamento de
seus processos de criação, especialmente durante as oficinas de formação artística que temos realizado, e
ainda na observação da circulação de sua produção em diferentes espaços do sistema de arte ocidental. Os
dados etnográficos reunidos evidenciam o vínculo indissociável entre as atividades tradicionais do xamanismo
e os processos de criação em novos dispositivos tomados de empréstimo da arte não-indígena. Observa-se que
essas novas criações derivam-se especialmente dos cantos e dos rituais mantidos junto aos Yamiyxop. Nesse
sentido, examinarei um conjunto de obras produzidas recentemente nas oficinas, salientando os nexos
intersemióticos entre estas obras, os ciclos rituais e os cantos xamânicos. Buscarei ainda destacar as
poéticas e os regimes de autoria que organizam estes trabalhos, bem como a relação entre tais agenciamentos
artísticos e suas lutas políticas em prol de seus direitos ao território originário e à educação
diferenciada.