ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 033: Cartas, cartografias, confabulações e outras correspondências antropoéticas
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Coordenação
Cláudia Turra Magni (UFPEL), Valéria de Paula Martins (UFU)
Debatedor(a)
Daniele Borges Bezerra (UFPEL), Luan Gomes dos Santos de Oliveira (UFCG)

Resumo:
Neste GT, o coletivo Antropoéticas propõe entrelaçar modos sensíveis e multimodais de correspondência entre as pessoas, as coisas e o mundo, vislumbrando alternativas compartilhadas de pesquisar, educar e co-habitar na diferença. Assim, aposta na imaginação e na criação como potências do diálogo atencional e responsivo com a outridade e consigo, capazes de induzir o crescimento do conhecimento a partir de dentro ("Knowing From the Inside”, Ingold, 2021). Entendendo que estas relações de correspondência estão ancoradas no corpo, nos afetos e naquilo que nos mobiliza enquanto pessoas - políticas, sociais, criadoras e criaturas -, conclamamos aprendizes (pesquisadoras/es, docentes e estudantes) a compartilharem experimentações, sem receio de infringir modelos acadêmicos pré-formatados. Nesse sentido, pensamos a “performance inscritiva” (Ingold, 2021) da experiência antropológica a partir dos métodos epistolar e cartográfico (Deleuze e Guattari, 1995; Caiafa, 2007; Passos, Kastrup e Escóssia, 2009; Mejía, 2015; Ferraz, 2015), incluindo cartas (Benjamin, 1985; Diniz, 2012; Figueiredo, 2015; Rocha et al., 2017; Baitello, 2018; Anastassakis, 2019; De Oliveira, 2020), vídeo-cartas (Bumachar, 2016; Ikpeng, Ikpeng e Txicão, 2001), cartas sonoras (Martins, 2022), cartovideografias (Caffé e Hikij, 2009), mapas visuais (Elias, 2018) e outros processos artesanais e insurgentes que mesclam vivência, experimentação e saber-fazer, por meio do engajamento no e com o mundo.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Nas pegadas do Juruena: paisagens em foco
Andrea Jakubaszko (UNIMONTES)
Resumo: Das tatuagens, da anatomia do bico do beija flor que encontra a flor, até desfiladeiros, areias ou geleiras a perder-se no infinito, as escalas da paisagem sempre encantaram e estiveram em foco no horizonte dos hominídeos. Assim também a história das cartografias é remota, e por isso atravessa indiferente as nominações com as quais pode(re)mos sucessivamente classificá-las. Capturar a paisagem como conceito é tarefa difícil, figurando desde a pintura, a fotografia, os croquis, mapas/etnomapas, passando pelas disciplinas das geociências, ecologia, paisagismo, urbanismo, arqueologia, arquitetura, cada vez mais, a categoria Paisagem ganha relevo como eixo etnográfico. Na RBA de 2012, a partir do envolvimento direto com o Registro do Ritual Yaokwa como Bem Imaterial Indígena, procuramos contribuir com a construção de aportes para a noção de Paisagens Culturais em correlação aos direitos territoriais, destacando os desafios para a Salvaguarda de Bens Imateriais Indígenas. A partir de 2016 seguimos a reflexão, com o marco legal da PNGATI (2012), problematizando, via constatação da ausência de avanços na garantia ao acesso desses lugares pelas vias das políticas públicas instituídas, a negação de direito ao desenvolvimento e, consequentemente, ao futuro. Deste modo, circunscrita nas interfaces entre a antropologia, geografia e ecologia política, esta rota se realiza a partir de estudos de casos concretos: Tucumzal, Castanhal, Jenipapal, Taquaral, barreiral, Morcegal, Patuazal e tantos outros ‘adensamentos monoespecíficos/ áreas core e/ou ecótonos’, que estão versados em vasta documentação, constituem pleitos em peças e processos administrativos de revisão de limites de TIs (além de denúncias formais reiteradas que clamam por providências efetivas de proteção) que não avançam, enquanto a aceleração exponencial da destruição dessas paisagens manifesta-se a olho nu solapando a sociobiodiversidade do país. Nesta fase, em continuidade aos estudos de longa duração da paisagem pelas lentes da antropologia, avançamos na sistematização, em curso, de análises comparativas dessas representações no Vale do Juruena (MT) via PGTAs, apreendendo esses Planos produzidos pelos indígenas, nos termos de Little (2010), como “etnografias dos conflitos socioambientais”. Essa perspectiva tem permitido prospectar concepções nativas sobre a paisagem em diálogo com contextos acadêmicos, políticos, jurídicos propondo abordagens que exercitam uma “etnografia das intercientificidades (idem,ibidem), em nosso caso, elegendo a categoria -Paisagem- como eixo privilegiado de convergência para férteis reflexões.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Um diário de viagem e outras correspondências: uma grafia da vida de Luiz Carlos Lessa Vinholes (1933 -)
Hellen da Fonseca (UNICAMP)
Resumo: A pesquisa de doutorado por mim desenvolvida tem a vida de Luiz Carlos Lessa Vinholes como tema. Nascido em Pelotas-RS em 1933, Vinholes é um poeta, compositor e músico que se mudou para o Japão aos 24 anos de idade para estudar música. Anos mais tarde, quando ainda vivia no país, foi integrado ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil (MRE) onde atuou como Oficial de Chancelaria até sua aposentadoria. Em razão da natureza de seu ofício, Vinholes viveu e conheceu diferentes países onde difundiu a música e poesia brasileira. Além disso, atuou como músico, compositor, curador, tradutor, colecionador de obras de arte - sobretudo gravuras. Essa proposta se debruça sobre os materiais de Vinholes encontrados durante minha pesquisa de campo, com destaque para dois objetos escolhidos para esta apresentação. O primeiro será o diário de viagem escrito por Vinholes durante os 33 dias em que permaneceu a bordo do navio Burajiru Maru, que zarpou de Santos-SP com destino ao Japão. O segundo será um conjunto de correspondências trocadas entre Vinholes e seu professor, o compositor Hans-Joachin Koellreutter (1915 – 2005). Conhecendo as potencialidades das experimentações (BRUNO, 2019) com diferentes grafias como forma de produção de conhecimento antropológico (KOFES, 2023), essa apresentação propõe experimentar com tais materiais – e não somente tomá-los como objeto de análise. Espera-se construir um mapa capaz de imaginar o caminho percorrido pela viagem de navio que Vinholes realizou ao Japão. Também proponho criar uma narrativa acerca da transformação dos vínculos entre Vinholes e Koellreutter, tomando como base as cartas que ambos trocaram ao longo de suas vidas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Diálogos interescolares - troca de cartas como proposta de interculturalidade em salas de aula do Ensino Médio
Janaína Meira Reis (secretaria de estado de educação do distrito federal)
Resumo: O trabalho apresenta pesquisa sobre troca de cartas entre estudantes indígenas do Mato Grosso (MT) e estudantes não indígenas do Distrito Federal (DF). Realizei a pesquisa em turmas de ensino médio no DF onde era também professora. Foram analisadas duas experiências, a primeira entre estudantes do Ensino Médio (EM) de escola da rede pública localizada na região administrativa de Taguatinga (DF) e estudantes indígenas da etnia Mehinako também do EM de escola no Território Indígena do Xingu. Já na segunda experiência, estudantes indígenas do EM de duas escolas da mesma região, uma em aldeia da etnia Mehinako e outra Yawalapiti, trocaram correspondências com estudantes de Samambaia (DF). Quando observo as trocas de cartas aqui apresentadas, concordo com as professoras Meritxell Simon-Martin, Ana Tereza Reis da Silva e Gloria Jové-Monclús ao tratar sobre o intercâmbio epistolar que realizaram, quando consideram que a experiência não chega a alcançar o conjunto das dimensões nem a profundidade da interculturalidade crítica como caracterizada por Catherine Walsh (2012), mas que tem o potencial pedagógico para interculturalizar e decolonizar universidades ocidentalizadas (Simon-Martin et al., 2022). Esse é um objetivo aqui compartilhado pelo trabalho que foi observado: o de interculturalizar e de decolonizar o conhecimento produzido, mesmo sabendo das limitações do exercício da troca de cartas em um sistema escolar que tradicionalmente exclui a pluralidade étnica e desumaniza saberes e corpos que não estão a serviço da colonialidade de poder/ser/saber tal como o termo é trabalhado por Aníbal Quijano (2005). Dessa forma, o diálogo por meio das cartas não é entendido como ponto de chegada, já que se entende que a atividade por si só não é suficiente para enfrentar e abalar essa estrutura colonial-racial. Apesar das limitações, nos relatos de estudantes que participaram, foi destacado como as cartas tinham apelo afetivo e eram capazes de transportar cenas do mundo cultural, cotidiano e sentimental. Não se trata de romantizar as relações e não situar as diferenças hierárquicas entre os polos de diálogos, isso deve ser pontuado e discutido ao longo das atividades. O que defende-se é que, enquanto instrumento pedagógico, as cartas podem de alguma forma questionar a hegemonia da razão. O processo de corazonar (Arias, 2010) epistemologias dominantes contribui para a construção de outros sentidos da existência e de outra proposta acadêmica e epistêmica. Segundo Patricio Guerrero Arias (2010), as sabedorias insurgentes nos ensinam a não negar a afetividade nos conhecimentos, já que essa negação é entendida por ele como uma das formas mais perversas de colonialidade do poder.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Cartografias de palavracidade
Lara Denise Oliveira Silva (Mecila)
Resumo: Esta proposta de trabalho busca compreender, descrever e imaginar as trocas e interações possíveis entre cidades e seus habitantes a partir da experiência da palavra escrita, anônima e publicamente, nas mais variadas superfícies urbanas. Refiro-me a frases, riscos e palavras escritas e marcadas em muros, paredes, postes e outros equipamentos urbanos. A partir do registro fotográfico e da caminhada como dispositivos metodológicos, busca-se traçar as conexões entre quem escreve, lê, reescreve, risca e interage na paisagem urbana tomando como materialidade as escritas de rua. Nos últimos anos (SILVA 2011;2013;2021), minha atenção enquanto pesquisadora, se mobilizou para compreender e interpretar intervenções que escapavam e pareciam fugir das classificações costumeiras das artes de rua. Eram palavras e frases aparentemente aleatórias e sem significados evidentes como – alento, nua, qualquer coisa, existo etc - escritas, grafadas em equipamentos urbanos diversos como, bancos de praça, caixas de energia, postes, placas de sinalização, asfalto, muros, paredes em demolição etc, sem autoria ou intenção aparente. Para esta proposta em particular, busco perceber o que narram as interações registradas nestes equipamentos urbanos a partir das trocas e diálogos que se estabelecem por meio das rasuras, respostas, riscos, atropelos etc. Ou seja, de que forma o muro registra as interações entre escritores, leitores e passantes a partir da palavra ou frase escrita inicialmente ali? Para responder a estas indagações, um vídeo-carta endereçado aos leitores da cidade será montado. A cidade e a ligação que estabelecemos com ela parece extrapolar o construído, o ir e vir, a racionalidade dos deslocamentos, a temporalidade demarcada, o anonimato e a impessoalidade. Há outras camadas além do concreto das ruas, avenidas, praças, prédios e outros objetos construídos. É possível, portanto, compreender a cidade a partir de lentes alternativas aos estudos e abordagens clássicas, tomando como ponto de partida as inscrições – riscos, frases, palavras, desenhos, garatujas etc – feitas em muros, paredes, calçadas, postes, bancos de praça e tantas superfícies públicas da cidade. E é esta compreensão que proponho aqui: uma abordagem alternativa, não costumeira e transdiciplinar aos estudos da cidade ao debruçar-se sobre um fenômeno crescente e abundante na paisagem urbanas: as intervenções públicas realizadas em superfícies “desimportantes e que parecem narrar a cidade ao escreverem textos aparentemente sem intenção ou significado, mas que podem se configurar como um instrumento de compreensão da relação entre os sujeitos e como eles se apropriam das cidades.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Quilombolas do Vão Grande, a história daqueles que (r) existem
Lucas Esteves dos Santos Costa (UFMT), Natalia Alencar Cantini (UFMT)
Resumo: Os conflitos por terras com uso de violência se impõe como um grave problema que afeta diretamente os modos de vida das populações e comunidades tradicionais quilombolas e se constitui como uma das formas de manifestação da questão social que repercute nos direitos sociais. Por meio de cartas a oralidade ganha forma e se registra as ocorrências intercorrências que permeiam as relações deste grupo social, desta forma, esta proposta de pesquisa visa compartilhar as expropriações e diversas violências de direitos sofridas pelos povos Quilombolas do Vão Grande por meio de registros de cartas e história oral, para a partir daí, relacionar com as teorias que embasam as contradições originadas pelo capitalismo e sua ótica desenvolvimentista, com recorte ao território quilombola do Vão Grande em Mato Grosso. Os resultados parciais apontam as evidencias de violações graves de direitos humanos, tratados e acordos internacionais e endossadas pela inercia do Estado brasileiro, fatores que contribuem para as explorações predatórias dos territórios, recursos naturais e consequentemente o genocídio dos povos tradicionais quilombolas.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Experimentações verbo-visuais como possíveis aproximações a modos Kaiowá de ‘ver’ e ‘dizer’
Luiza de Paula Souza Serber (UNICAMP)
Resumo: Para este GT, proponho apresentar algumas experimentações verbo-visuais que tenho realizado a partir de um conjunto diverso de materiais - conjugados sob a noção de “práticas de inscrição (INGOLD, 2000, 2007, 2011) - os quais, no escopo da minha pesquisa, vêm contribuindo para iluminar os imbricamentos entre ‘imagem’ e ‘palavra’ no pensamento Kaiowá (povo de língua Tupi-Guarani que vive em MS e no Paraguai). Abrindo uma fresta nos modelos acadêmicos vigentes, tenho buscado aliar à produção etnográfica e à pesquisa em arquivos, as dimensões do ‘imaginar’ e do ‘criar’ enquanto dispositivos metodológicos para a pesquisa em antropologia, em geral, e na etnologia indígena, em particular. As referidas experimentações ancoram-se, sobretudo, em operações de montagem (BRUNO, 2009; 2019; WARBURG, 2010; BATESON, MEAD, 1942) que nos convocam a um ‘pensar por imagens’ (SAMAIN, 2012) em que se entretecem diferentes elementos do universo Kaiowá - tanto aqueles considerados por eles como “tradicionais quanto produções contemporâneas. Os processos criativos empregados em tais experimentações contribuem, ainda, para que observemos os trânsitos entre imagem-palavra e memória, atualizando as relações entre ‘ára pyau’ (espaço-tempo novo) e ‘ára ym㒠(espaço-tempo antigo). Partindo então da costura artesanal de narrativas, cantos-reza, fotografias, desenhos e mapas, entre outros elementos, espero apresentar aos participantes do GT algumas produções antropoéticas que nos permitem entrever uma complexa trama de modos Kaiowá de ‘ver’ e ‘dizer’ - os quais articulam e gerem os campos do visível e do invisível e as relações entre pessoas, coisas, animais, lugares e alteridades mais-que-humanas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Os livros no registro do chão
Maria Candida Vargas Frederico (PUC-RIO)
Resumo: Durante o ano de 2019, na cidade do Rio de Janeiro, frequentei um percurso caminhado (Central do Brasil até Copacabana), para escrever minha tese de doutorado sobre sebos (livrarias de livros usados, raros, esgotados). A variedade de sebos me levou aos sobrados antigos, às feiras de antiguidades, aos leilões, ao sebo de internet, ao camelô de calçada e ao shopping chão (feira horizontal na altura dos pés, espalhada e acomodada aos lances do destino, nas fissuras do ordenamento público, nos dilemas migratórios de quem vive, mora e trabalha pelas ruas). Acompanhei catadores e expositores de coisas descartadas nas ruas e nas portas de prédios. Também conheci outras pessoas que recebiam doação destas coisas e, por isso, não se moviam tanto nas buscas. Existe o shopping chão de aleatoriedades, de tudo que faz sentido estar lado a lado por arranjos e esquemas muito particulares, situacionais, íntimos, e que reservam à edição muitas maneiras de ver, sentir e organizar o mundo; mas existe também o shopping chão de livros, empenhado um pouco, talvez, mais nas entranhas do vai-e-vem da universalidade e da particularidade por separar e reunir “dentro de um mesmo grupo”. Os livros no chão são vivos, nômades, migrantes, articulados, sobreviventes que se entrosam na arbitrariedade de ser livro e de estar no chão, longe das estantes. As classificações “obras de consulta”, “literatura estrangeira”, “crítica de arte e as fronteiras produzidas pelas estantes obedecem às convenções da divisão dos saberes moderna, contudo, no shopping chão, elas estão suspensas no remelexo da exposição. O que está em jogo é deixar de percebê-los através das ordens de cátedra, dos modos de referência duros, dos determinismos presos à localização, ordenação uniforme; e ainda compreender que a descrição possível do seu embaralhamento não deve ser refletida pelas condições tais que o fizeram chegar ao chão: descartes oportunos, visões de utilidade, perdas, falta de espaço, morte de alguém que lia e colecionava-os etc.; os livros expostos no chão existem no amontoamento e na dispersão do “monta e desmonta cotidiano como técnica, fazer e habitar nos lençóis e lonas esticados. A instrução seletiva de quem os expõe, que é inusitada e depende de cada um, faz suspender o juízo na ênfase dos seus lugares, onde as estantes ordenadoras se refazem e se dissolvem no turbilhão das calçadas, da reunião entre títulos, gêneros, brochuras, volumes, materiais e ambiente. Cartografias urbanas livrescas promovem uma convivência com a assimetria, refazendo e reformulando as imagens da cidade e da leitura, da precariedade, ou ruínas cheias de desejos e forças; cartografias de não precisão, mobilidade dos escapes, fugas, rolos, virações e garimpagens da segunda mão compõem narrativas etnográficas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Composição, emaranhado e lugar-criação: desestabilizando a prática e a análise musical com a diferença.
Paulo Oliveira Rios Filho (UFSM)
Resumo: O presente trabalho apresenta um percurso de pesquisa na área de composição musical, iniciado em 2011, em meu doutorado, e desdobrado até aqui principalmente através dos projetos do grupo de pesquisa CM.ÊPA! - Criação musical, experimentação e pesquisa artística (UFSM/CNPq), no Departamento de Música da Universidade Federal de Santa Maria, onde atualmente sou professor. Trata-se de apresentação de uma proposta de análise musical calcada na imaginação feita com linhas de toda sorte: linhas melódicas, linha rítmicas; os fios sinuosos das senóides espectromorfológicas e das representações diagramáticas das propriedades sonoras; os padrões de vibração das cordas e das colunas de ar, mas também os traços de memória, as trajetórias riscadas dos afectos musicais, os percursos lineares de criação, as setas atiradas de ideias e os corpos de diversas natureza (o corpo-compositor, o corpo-instrumento, -rascunho, -partitura, -som), que também são linhas. Tal análise se configura não mais como um corpo textual assessorado por exemplos em imagens, mas sim como uma análise diagramática assistida pelo verbo, onde agenciamentos (Deleuze; Guattari, 1995) musicais são traçados entre zonas analíticas e composicionais de um mesmo lugar (Ingold, 2011, p. 148), aqui entendido enquanto um emaranhado complexo de linhas em constante movimento. Esse esforço de criação analítica parte, assim, de um contexto mais amplo dado pela pesquisa artística (Coessens et al, 2009; López-Cano, 2020), lançando mão da criação e manutenção de evidências do meu próprio processo criativo (rascunhos, anotações, vídeos, registro de conversas e sensações, diários de campo composicionais, etc.). Por fim, tal horizonte metodológico é empregado para, ao longo de um percurso de comunicação entre pessoas, coisas, ideias e sons, tentar desestabilizar, com essas outridades, meus pensamentos e sentimentos particulares (Goldman, 2009, p. 132)—mais do que isso: para tentar desestabilizar, através da diferença e com ela, teorias e práticas artísticas e seus reflexos no campo da pesquisa acadêmica em música.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Entre espinhas e discursos: reflexões a partir de um laboratório fílmico imersivo
Potira de Siqueira Faria (UFRJ), Rebeca Hertzriken Ferreira (UFF)
Resumo: O presente trabalho nasceu da parceria entre uma antropóloga e uma cineasta. Juntas, desenvolvemos um laboratório imersivo para a realizar um filme como Trabalho de Conclusão de Curso que buscou levantar reflexões sobre verdade, veracidade e legitimação atrelados ao território. O artigo desenvolvido, está dividido em: I. Relato do Laboratório; II. Discussão metodológica sobre a disciplina; III. O conceito de verdade através da linguagem de documentário e a invenção como potencialidade metodológica. Em Setembro de 2023 partimos para o desafio de criar um roteiro em 20 dias. Os interlocutores já eram conhecidos por conta do projeto Orla sem Lixo da UFRJ que participamos, assim como a câmera por ser usada para fotografar eventos do projeto. Com a proposta de um laboratório imersivo, partimos da ideia de coletar histórias de pescadores que zarpam da Ilha do Fundão e legitimar essas histórias com saberes acadêmicos (inventados ou não). Assim, a primeira etapa do laboratório foi o trabalho de campo se amparando na observação flutuante de (PÉTONNET, 2008) e com a escuta ativa (INGOLD, 2010). Após coletadas as histórias, entrevistamos professores acadêmicos das áreas que as histórias abordaram. A terceira etapa, posterior ao laboratório, trata de filmar atores encenando professores acadêmicos, onde o texto será escrito por nós. A primeira reflexão, uma discussão metodológica, aborda a origem do fazer antropológico. Com Cardoso de Oliveira, refletimos sobre a relação entre o saber tradicional dos nativos e o saber acadêmico, parte do processo de escrita. Fazendo um paralelo com o Encontro de Saberes (CARVALHO, 2020) problematizamos a legitimação do conhecimento como unicamente acadêmica. Partindo de uma responsabilidade com o território em que pesquisamos (LIBOIRON, 2021), nos debruçamos na história da Ilha do Fundão (aterramento de territórios pesqueiros, remoções, ocupações) para interpretar a ilha como um território em disputa. Somado a discussão metodológica com Geertz, Wagner, discutimos os conflitos entre trabalho de campo e veracidade. A segunda reflexão, aborda a relação entre verdade e ficção no documentário. Surge assim o mocumentário, gênero que discute a verdade pelo seu próprio formato, onde é usado a linguagem do documentário, mas sem haver compromisso com a verdade. Segundo Miranda Campbell (2007) , o mocumentário traça uma linha fina entre fato e ficção. Por fim, entendemos a experiência do laboratório como algo atrelado ao encontro (BONDÍA, 2002) e após questionar a verdade, propomos o uso da experimentação como ferramenta metodológica. Assumimos os riscos (ALVES, 2018) das relações entre diferentes (entre cinema e antropologia, pesquisadoras e interlocutores) e defendemos a potência desses encontros geradores de roteiros e pesquisas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
De constelações escritas: uma etnografia do escrever de minha avó
Rubens Arley de Almeida Junior (UNESP)
Resumo: O seguinte trabalho procura realizar uma imersão poética-narrativa mediada e conduzida pelo fazer memorial, pela reminiscência. Desse modo, por meio das memórias e de seus registros materiais, tais como papéis e fotografias, procura-se esboçar possibilidades e potencialidades do processo de escrita realizada por Dona Tereza, uma costureira da cidade de Uberaba, Minas Gerais. A esse processo denominou-se escrita do cotidiano, a qual é marcada pela ruptura com a linearidade e a organização escolarizada. Entende-se que essa escrita é composta por múltiplos fios temporais, que se sobrepõem e se tensionam, sendo também composta a partir de uma determinada configuração de vida em que múltiplos sujeitos/as escreviam coletivamente.
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Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Carta para o meu filho Arthur ou Como chegamos na Aldeia A'Ukre
Thaís de Souza Pereira (prefei)
Resumo: Uberlândia, 15 de março de 2024. Oi meu filho!! Hoje eu resolvi fazer uma carta para você. Fui inspirada pela Valéria, professora querida, e o Sensibilidades Antropológicas, o projeto dela, que tem o podcast que eu estava ouvindo e gostando tanto, lembra? Com alguns episódios de cartas sonoras. Quando eu pensei em escrever uma carta, a primeira pessoa que me veio foi você… meu filho. Eu escrevi uma carta para você não tem muito tempo, né? Foi quando a escola propôs, e eu achei muito legal. Ficou tão grande, ne? Você comentou. Quando a gente pára para escrever uma carta para alguém, vem tanta coisa que a gente quer falar, acaba que rende! A carta que eu escrevi foi uma carta de finalização do ciclo do fundamental I na escola. Agora essa carta eu quero falar sobre a nossa viagem para a aldeia A’Ukre. Em 2017, eu estava indo para fazer o trabalho de campo da minha dissertação. Era minha terceira visita à aldeia e eu levei você, então com 4 anos, completando 5. Você lembra um pouco, ne? Eu queria falar um pouco sobre a nossa viagem nesta carta, como chegamos na aldeia A’Ukre. Eu fui a primeira vez para a aldeia em 2014, você estava com 1 ano e 8 meses. Na época, lançaram um edital para um curso de campo lá. Eu estudava, então, educação. Era o tema que eu escolhi pesquisar no meu trabalho de conclusão de curso. E teve muito a ver com você a escolha desse tema, inclusive, né? Antes de você nascer, eu pensava em estudar algo relacionado a religião no trabalho de conclusão de curso. Mas com a sua vinda, sua chegada na minha vida, cada vez mais eu tive interesse em entender, estudar mais sobre educação e infância. O tema do meu TCC foi educação escolar infantil. O que tem muito a ver com você ter entrado na escola com 1 aninho. Era uma EMEI, Escola Municipal de Educação Infantil. Para que eu pudesse continuar meu curso de Ciências Sociais e trabalhar no turno da tarde. Como você, muitas crianças entravam na escola ainda bebês, a partir dos 4 meses. As vagas eram concorridas e tinha lista de espera. Eu me interessei por pesquisar mais sobre esse tema da educação escolar de bebês. Nessa época, pouco após o período que fiz trabalho de campo em uma escola infantil, foi lançado um edital com bolsa para um curso de campo na aldeia Kayapó A’Ukre. Eu fiquei interessada, me inscrevi e deu certo! Eu achei incrível como as crianças da aldeia, já a partir de uns cinco anos, andam em grupos com outras crianças com muita liberdade, brincando no rio, nas trilhas, nas árvores, no pátio da aldeia e nos arredores das casas. (Continua…)
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