Grupos de Trabalho (GT)
GT 016: Antropologia dos Povos Tradicionais Costeiros: Práticas Sociais, Disputas Identitárias e Conflitos
Coordenação
José Colaço Dias Neto (UFF), Francisca de Souza Miller (UFRN)
Debatedor(a)
Paulo Gomes de Almeida Filho (UFRN), Voyner Ravena Cañete (UFPA), Luceni Medeiros Hellebrandt (UFPR)
Resumo:
Diversos grupos sociais que vivem do extrativismo e da agricultura, entre outras atividades – tais como pescadores artesanais e ribeirinhos em geral – foram ou são habitantes de regiões costeiras e historicamente têm sido impactados por diversos fenômenos. A expansão metropolitana, os desastres ambientais de grandes proporções, o turismo em pequena e larga escala, as formas de controle oficial em áreas de interesse ecológico, são alguns processos que vem reconfigurando o uso e a ocupação de territórios costeiros e ribeirinhos no Brasil. Este Grupo de Trabalho tem reunido, de modo bem sucedido, nos últimos anos, pesquisas empíricas e de caráter etnográfico que colocam em evidência tensões, disputas e conflitos entre os povos e comunidades tradicionais e os vários modelos de uso e ocupação de territórios ribeirinhos e costeiros, além de reunir trabalhos que tem, de maneira inovadora, evidenciando as desigualdades de gênero, também encontradas nestes contextos. Reflexões sobre o manejo de ecossistemas, as formas de organização política destes grupos, suas estruturas econômicas, bem como os conflitos suscitados por diferentes processos e agentes sociais – sobretudo agências estatais, organizações não governamentais e empresas – são alguns dos aspectos que serão discutidos nesta atividade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Claudia Regina dos Santos (Pesquisadora), Francisco Araos (Universidad de Los Lagos)
Resumo: Na Zona Costeira catarinense populações tradicionais manejam a biodiversidade marinha, estuarina e dos ecossistemas associados ao Bioma da Mata Atlântica. Apesar do aparato legal, institucional as populações tradicionais não participam de forma satisfatória das instâncias de tomada de decisão voltadas para defender seus direitos. O objetivo desta pesquisa é analisar a relação entre aprendizagem social e pedagogia da autonomia em comunidades tradicionais. Neste artigo, será relatado o surgimento de uma rede nacional de pesquisa para promover a conservação da sociobiodiversidade por meio do fortalecimento das identidades das populações tradicionais de guaranis, descendentes de açorianos e de quilombolas. No sul do Brasil, a estratégia utilizada será a promoção de um curso de formação dialógica para populações tradicionais e atividades de educação ambiental em três escolas. Os participantes irão teorizar, discutir em grupo e propor alternativas em relação aos problemas socioambientais que são vivenciados pela comunidade. Desta forma, as situações enfrentadas no cotidiano passam a ser objeto de uma reflexão sistematizada e da experimentação de propostas alternativas. Estas ações estão inseridas em um modelo de análise voltado para a co-criação de conhecimentos sobre o território e a biodiversidade, vinculado às questões centrais do Antropoceno, como a justiça (quem provoca e quem paga os custos), o papel dos não-humanos (bióticos e abióticos) nas possibilidades de vida e as alternativas de restauração socioambiental.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Fernanda Pacheco Huguenin (PEA)
Resumo: A Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca, Lei nº 15.223 de 2018, foi construída a partir de um amplo processo de discussão com a participação dos pescadores das comunidades pesqueiras artesanais do Rio Grande do Sul. A principal diretriz da Política foi a proibição da pesca de arrasto, considerada extremamente predatória, em todo território do Estado, incluindo as 12 milhas náuticas da faixa marítima da zona costeira. Como consequência, o dispositivo confrontou a indústria pesqueira, sobretudo o setor industrial de Santa Catarina, responsável majoritário pela pesca de arrasto no litoral vizinho. A restrição deste tipo de pesca implicou a constituição de um conflito não apenas socioambiental, como também jurídico, tendo em vista a disputa em torno dos recursos, da arrecadação de impostos e da manutenção de empregos. Assim, foi ajuizada pelo Partido Liberal (PL) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 6.218 contra o Estado gaúcho, na qual sustentou que houve inconstitucionalidade formal da referida Lei, pois somente o Congresso Nacional seria o ente legitimado para legislar sobre o mar territorial. Tal controvérsia provocou o Supremo Tribunal Federal (STF) a decidir o problema, invocando suas decisões precedentes na matéria. A partir das decisões liminares dos ministros, bem como do julgamento de mérito da ADI, busco refletir sobre a dimensão política da questão e pensar o Direito como um tipo de saber local nos termos da antropologia cultural geertziana. Tal reflexão considera o ritmo processual da ADI como um encadeamento de fatos que, ao invés de resolver o conflito, o acirrou. A questão central na antropologia interpretativa é considerar como fatos e leis são realidades culturalmente (portanto, simbolicamente) imaginadas, de modo que o Direito pode ser visto como um campo dialético no qual o dever-ser das leis e o ser dos fatos compõem um saber local. Tal concepção requer considerar que a cisão ou a subsunção entre leis e fatos depende da linguagem e, logo, de sistemas simbólicos nos quais processos hermenêuticos nem sempre os distinguirão. Como representações, as decisões e mesmo os precedentes judiciais estão sujeitos a disputas políticas, escolhas nem sempre racionais, prestações, contraprestações e interesses diversos. Neste particular, o ritmo processual da ADI revela uma interessante competição por competências, não apenas administrativas e legislativas constitucionalmente previstas, mas aquelas referentes ao próprio conhecimento (o saber local da comunidade pesqueira e o saber local do STF) acerca da matéria em análise. Este resumo é resultado de pesquisa financiada pelo Projeto de Educação Ambiental (PEA) Pescarte, que é uma medida de mitigação exigida pelo Licenciamento Ambiental Federal, conduzido pelo IBAMA.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Isabela de Oliveira Brasil (UNB)
Resumo: O presente estudo etnográfico busca investigar formas contemporâneas de resiliência e adaptação desenvolvidas por comunidades caiçaras diante dos desafios impostos pelos novos contextos nos quais estão inseridas, com ênfase em experiências observadas na Praia da Cocanha, em Caraguatatuba, litoral norte de São Paulo. Tais grupos, formados por pescadores e agricultores de subsistência, cujas práticas culturais estão fundamentalmente ligadas ao ambiente marinho e costeiro, vêm enfrentando cada vez mais os impactos diretos da globalização dos processos econômicos e das mudanças climáticas associadas ao Antropoceno. Tais impactos não se limitam apenas ao clima e aos ecossistemas, mas também afetam as estruturas existentes e os ciclos naturais, resultando em prejuízos econômicos e sociais para esses grupos que, de acordo com Diegues e Gassala (2011), possuem um caráter singular associado aos vínculos peculiares com os ecossistemas que habitam, especialmente o mar, onde passam a maior parte de suas vidas, e que têm sido cada vez mais afetados por intervenções humanas e fenômenos atmosféricos capazes de transformar suas condições. A partir deste contexto, esta pesquisa tem como objetivo analisar como esta comunidade caiçara tem desenvolvido tecnologias adaptativas e de resiliência para permanecer em seu território, com especial atenção para as atividades de pesca e cultivo de mexilhões, atividade econômica emergente na região. Considera-se, aqui, a implementação das fazendas marinhas de mexilhão enquanto uma nova técnica de manejo e domesticação do ambiente, representando uma forma de resistência e alternativa para aqueles que optam por permanecer em seus locais de origem. Através desta perspectiva vislumbra-se uma valiosa reinvenção da relação com o mar por parte destes indivíduos, essencial tanto para a comunidade da Praia da Cocanha quanto para a cultura caiçara como um todo.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Jerônimo Amaral de Carvalho (UFES)
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo apresentar a prática de pesca de muruada,
predominante na Costa Amazônica, abrangendo os Estados do Pará, Amapá e Maranhão. A
pesquisa está situada na Reserva Extrativista Marinha de Cururupu, na costa norte do
Maranhão, na região conhecida como reentrâncias maranhenses. A muruada é uma modalidade
de pesca que utiliza as forças das marés de preamar e baixamar para capturar camarões brancos
e sete-barbas, conhecidos localmente como camarão piticaia. Ao contrário das pescas de
camarão realizadas na costa sul, sudeste e parte do nordeste, que empregam o sistema de arrasto,
a muruada inverte a forma de captura do camarão, utilizando a força da maré.
Esta prática não se limita à inversão da forma de captura, mas vai além, evidenciando
de forma extrema as agências compartilhadas entre humanos e não humanos em um mesmo
plano, apresentando relações simétricas e assimétricas entre eles. A hipótese da pesquisa coloca
a técnica, enquanto artefato, como elemento mediador desses dois planos (humanos/não
humanos), estabelecendo relações simétricas/assimétricas por meio dos agenciamentos
(Despret, 2013).
Ao situar as muruadas nessa mediação, observou-se que elas estão inseridas em um
sistema anímico, sendo uma ontologia presente nas relações humanas e não humanas com
caráter social (Viveiros de Castro, 2004; Descola, 2012; 2016). Nesse contexto, conforme
descrito por Descola (1992, 1996, 2012), o animismo apresenta modos de relação com a
natureza, como troca, predação, reciprocidade, produção, proteção e transmissão. Assim, é
possível que haja um circuito de operação desses modos relacionais na pesca de muruada,
representando práticas sociais dos povos das marés.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Jocyele Ferreira Marinheiro (UFRN)
Resumo: O estudo que está sendo elaborado tem por objetivo analisar as vivências, tradições locais de moradores da comunidade Pajuçara no município de São Gonçalo do Amarante/RN — conhecido pela cultura popular e grupos folclóricos — tem como principal fonte de sustento a pesca artesanal de camarão, sururu e outros crustáceos, pensando também, as tradições que ainda vivem e as transformações na comunidade pesqueira que tem suas memórias desde a cultura do camarão, sendo este, o prato típico mais consumido pelos moradores e também pelos seus visitantes.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
José Glebson Vieira (UFRN)
Resumo: A presente comunicação examina as transformações na prática de mariscagem entre os Potiguara, desenvolvida no estuário do Rio Mamanguape, situado no litoral norte da Paraíba. Através de experiências etnográficas com mulheres indígenas, observa-se uma mudança significativa na dinâmica da coleta de mariscos, anteriormente liderada por mulheres, agora apresentando uma preeminência masculina que resulta no reforço da desigualdade de gênero. O objetivo é problematizar as mudanças no contexto das atividades pesqueiras, especialmente no que diz respeito ao trabalho feminino, em face do aumento significativo na comercialização de frutos do mar, impulsionado pela produção de camarão em viveiros, que tem contribuído para a reconfiguração do uso e da ocupação de territórios costeiros e para redefinições no mercado regional. Ademais, busca-se discutir a adoção, por parte dos/as marisqueiros/as, de novas técnicas de coleta e beneficiamento, bem como estratégias de comercialização, o que inclui a redefinição de papéis de homens e mulheres no âmbito da pesca, coleta de crustáceos e moluscos, além das complexas redes comerciais locais e regionais.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Larissa de Fátima Ramalho Pereira (IESP - UERJ)
Resumo: O presente trabalho é parte da dissertação de mestrado da autora, que analisa a Economia Popular Solidária a partir do trabalho associado dos pescadores e marisqueiros artesanais reunidos coletivamente na TAMBOA, sigla para Trabalhadores Associados do Mar de Boa Viagem. Neste estudo, apresento a história de formação da Associação e as imbricações com os conflitos sócio-ambientais e com as disputas e diálogos travados com os órgãos da Prefeitura Municipal de Niterói. O trabalho discute as motivações para a Associação dos pescadores e marisqueiros artesanais da Ilha de Boa Viagem, a TAMBOA, que flutuaram ao longo do tempo, conforme se estreitavam as disputas pelo território e pelo direito à memória, e se identificavam oportunidades diversas e, por vezes, antagônicas. Esses conflitos se relacionam às transformações urbanísticas do município e aos discursos sobre o tipo de cidade pensada pela gestão pública. Os dados utilizados foram coletados no trabalho etnográfico realizado entre 2022 e 2023, além de entrevistas semi estruturadas com oito membros da TAMBOA e quatro marisqueiros e marisqueiras individuais que trabalham diretamente com a associação. Nesse sentido, o trabalho tem como foco a análise sobre a experiência dos pescadores artesanais, grupo historicamente tutelado e marginalizado pelo poder público, para observar o sentido que esses atores dão às suas práticas. Os resultados indicam que a coletivização do trabalho não suscitou fortes laços associativos, contudo, a formalização da Associação trouxe benefícios para o grupo analisado, principalmente no que tange ao direito à memória e ao território, sendo reconhecidos institucionalmente e conquistando a promulgação do decreto municipal nº15.058, de setembro de 2023, que reconhece os marisqueiros da Ilha de Boa Viagem como comunidade tradicional da cidade de Niterói.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Laylson Mota Machado (UFPEL), Gabriela Pecantet Siqueira (UFPEL), Manoela Vieira Neutzling (UFPEL)
Resumo: Os conflitos socioambientais estão presentes entre grupos sociais que fazem uso diversificado da apropriação do território e que atribuem significação distintas a este. Na maioria das vezes são causados por grandes empreendimentos que afetam além do meio ambiente, a vida de povos e comunidades tradicionais. Entre os grupos atingidos destaca-se a comunidade ribeirinha do Acampamento Coragem, que ocupa um território em Palmeiras do Tocantins (TO) e é formada por um grupo de pescadores/as e ribeirinhos/as que foram atingidos pela a construção da Usina Hidrelétrica de Estreito (MA). Atualmente quem detém a posse do território ocupado por essa comunidade é o Consórcio Estreito Energia (CESTE), empreendedor da usina, que disputa judicialmente a posse da terra desde outubro de 2015. A contenda tem ocasionado efeitos e conflitos diretos com as comunidades que foram atingidas por esse megaempreendimento, desde sua chegada à região, em 2007, até os dias atuais. A comunidade teve sua relação com o rio, por exemplo, completamente transformada, visto que o empreendimento provocou mudanças naquele ecossistema, afetando inclusive a atividade pesqueira. Em vista disso, este trabalho tem por objetivo analisar as alterações nos modos de vida da comunidade ribeirinha perante os conflitos socioambientais causados pela UHE de Estreito, buscando compreender como a população tem enfrentado os conflitos e as alterações na cultura ribeirinha, com foco nas lutas e r-existências no processo de reivindicação do lugar ribeirinho. A pesquisa é de cunho etnográfico, com a articulação da observação participante na comunidade e o método de histórias de vida de cada morador/a do acampamento. Este é utilizado como recurso metodológico para aprofundar as inteligibilidades do que acontece na vida social da comunidade e possibilitar a descrição, a partir das narrativas orais, como a vida se moldou a partir dos efeitos enfrentados contra os empreendedores da barragem e as formas de luta e resistência que enfrentam para continuarem exercendo suas práticas culturais e de subsistência. Diante disso, é perceptível as afetações advindas da construção da barragem na região que desde sua instalação até hoje tem ocasionado disputas, violado direitos e alterado compulsoriamente as vivências das populações atingidas.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Layse Rosa Miranda da Costa (UFPA), Denise Machado Cardoso (UFPA)
Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar, por meio de pesquisa bibliográfica e etnográfica, a vivência das moradoras - conhecidas como Filhas - em torno do universo da pesca artesanal em uma das antigas vilas de pesqueiras da região do Salgado Paraense, denominada Marudá, que está inserida na RESEX Marinha Mestre Lucindo e localizada no litoral do nordeste paraense. Este texto é um dos desdobramentos da minha dissertação de mestrado, que está em prosseguimento. Além do amparo teórico oriundo de trabalhos de pesquisadoras sobre o universo pesqueiro artesanal no Estado do Pará, utilizo outras referências que abordam a temática de gênero nesse contexto, assim como minha própria vivência, enquanto mulher amazônida e periférica, pesquisando nessas conjunturas litorâneas, além de outros marcadores sociais que permeiam as histórias de vida dessas mulheres em uma localidade situada na região amazônica, a qual apresenta suas desigualdades, conflitos e particularidades.
Palavras-chaves: Universo da pesca artesanal; Gênero na pesca; Filhas; Vivências; Marudá/PA.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Layza Thalita Lisboa Silva (UFPA), Gustavo Goulart Moreira Moura (efetivo), Michele Escoura Bueno (UFPA)
Resumo: Os diversos modos de vida estabelecem diversas relações de gênero em comunidades pesqueiras, não permitindo que concepções generalizantes se tornem paradigmas. Este trabalho, desenvolvido dentro do Programa de Iniciação Científica da Universidade Federal do Pará (UFPA), surge a partir de minha primeira experiência etnográfica na Vila do Jubim, no município de Salvaterra-PA, costa oriental do Arquipélago do Marajó, em que fui defrontada a uma forma de se referir à atividade da pesca feminina que em muito se diferia das atividades na região do “salgado paraense (na costa Atlântica), de onde sou, onde é comumente chamada “mariscagem”. Estava em um restaurante na beira da praia e perguntei a uma moça que trabalhava no local se conhecia alguma marisqueira na região, quando um homem a interrompeu dizendo “ela não sabe o que é isso”. E me ajudou com os nomes e endereços que procurava. Depois, ao conversar com a moça, entendi que o termo utilizado era, na verdade, pescadora. O ocorrido me levou a refletir sobre a pesquisadora que sou e os marcadores sociais que trago comigo por onde passo e em como tais posicionamentos exigem reflexividade sobre a atividade em campo tanto quanto sobre os limites e as possibilidades para a produção de dados antropológicos. Neste trabalho, adoto o entendimento de que a atividade da pesca compreende uma complexa rede de relações na terra, no mar, nos lagos, nos igarapés, entre homens e mulheres, e também parto da análise crítica do surgimento do termo “marisqueira”, notando quais processos históricos o circunscrevem, ou seja, a tentativa de negritar a assimetria nas atividades desenvolvidas por homens e mulheres na pesca, compreendendo, no entanto, a sua importância na garantia de direitos. Na região costeira da Amazônia, seja na relação com as águas salgadas ou as águas doces, existem diversos mundos de vida, nos quais, categorias são constituídas por diversos processos particulares. Assim, elaboro uma reflexão sobre as produções de identidades múltiplas em um território muitas vezes dito “comum”, evocando o caráter relacional das identidades e a complexidade do território. Desta maneira, relativizo a condição “de perto e de dentro e “de longe e de fora”, uma vez que uma “mesma Amazônia se mostra multidiversa de uma outra perspectiva e, como a pesquisadora amazônida que sou, reconheço, na Vila do Jubim, um “Outro”. Por fim, cortejo a possibilidade de identificar a pluralidade das e dos amazônidas, contribuindo para que a Amazônia seja compreendida, em contrapartida, como as Amazônias.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Lucas Gabriel Pereira da Silva (UFPA), Gustavo Goulart Moreira Moura (efetivo), João Bráullio de Luna Sales (UFPA)
Resumo: Diversos povos e comunidades tradicionais de pesca se engajam no mundo marinho-costeiro, inclusive os que habitam a zona costeira amazônica. Os pescadores experimentam multisensorialmente o mundo marinho-costeiro e suas variações espaço-temporais, e as incorporam nas suas tomadas de decisão. Dessa forma, este trabalho busca analisar os processos de des-re(corpo)territorialização dos modos de conhecer o mar. Para isso, analisamos a construção da constelação-epistêmica-corpoterritorializada da pesca marítima de Jubim por meio da incorporação de novas técnicas ao longo do tempo. Neste trabalho, (corpo)território é um espaço epistêmico, ou seja, de produção de conhecimentos. Com a chegada de novos instrumentos de pesca (motor, redes de pesca, sondas etc.) novas habilidades surgem remodelando os modos de produção do mar incorporando-se novas formas de acesso e de revelações do espaço marinho-costeiro. Nesse ciclo de retroalimentação, em uma relação simbiótica entre o corpo, instrumentos e o espaço ao seu redor, tem-se a produção de múltiplas corpoterritorialidades. Portanto, o processo de des-re(corpo)territorialização gera em movimentos diagramáticos infinitos uma constelação-epistêmica-corpoterritorializada, um processo dinâmico que molda o mundo.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Luceni Medeiros Hellebrandt (UFPR), Thiago Zagonel Serafini (UFPR)
Resumo: O trabalho que propomos é uma pesquisa de pós-doutorado em andamento, que compõe o projeto selecionado no edital “Iniciativa Amazonia +10”, desenvolvido em parceria pela UFPR, UFPA e Unifesp, denominado “Maretórios amazônicos: ameaças aos espaços de produção de sociobiodiversidade e garantia de mundos de vida da comunidade tradicional de pesca de Jubim, Arquipélago do Marajó – Salvaterra/PA)”. Na pesquisa que desenvolvemos, utilizamos lentes de gênero para observar e analisar relações que constituem um território de interface mar e terra (maretório), destacando a atuação das mulheres da Vila de Jubim na forma como constituem relações socioprodutivas, considerando a utilização de recursos costeiros e o envolvimento em redes e organizações coletivas que se fazem presente em seus cotidianos. Em Jubim, distrito do município de Salvaterra (Marajó/PA) a atividade pesqueira artesanal tem especial relevância para a soberania alimentar local, composta de uma grande diversidade de recursos pesqueiros, frutos e tubérculos. Dentre as atividades produtivas praticadas pelas mulheres da comunidade, pode-se destacar a pesca na beira de rios e igarapés, capturando espécies como pratiqueira, arraia, pitú, camarão, siri, o trabalho no mangal, tirando caranguejo e turu, nas roças de mandioca, produzindo farinha, nos açaizais nativos e na coleta de diversas outras plantas e frutas locais, que compõem a dieta da comunidade onde “só passa fome quem é preguiçoso”. Além da alimentação, o uso medicinal é revelado em receitas que compartilham para a cura de diversas doenças. Essa coleção de saberes ouvidos nas conversas com mulheres em Jubim revela a vivência num continuum mar e terra, permeado por relações de pertencimento e cuidado com a comunidade. Para a falta de interesse governamental na comunidade, assumem como estratégia a organização coletiva, evidenciando o protagonismo das mulheres na defesa dos territórios, referenciado na literatura e no discurso e prática de quem vive o território marajoara. Como resultados preliminares, destacamos os usos dos recursos costeiros, sobretudo na relação com a pesca, tanto na captura quanto nas atividades de pré e pós captura, tais como os trabalhos de confecção de redes e comercialização local dos recursos pesqueiros, e o surgimento do “bloco das patroas”, organização coletiva informal, pensado inicialmente como espaço de socialização e diversão para o carnaval em um grupo exclusivo de mulheres, mas que expande suas ações com atividades em benefício da comunidade.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Márcio De Paula Filgueiras (IFES)
Resumo: A pesquisa que venho coordenando nos últimos cinco anos no campus Piúma tem tido como um dos pontos de atenção principal o setor da cadeia produtiva da pesca referente à esfera da circulação do pescado. Esta envolve desde doações voluntárias, pagamento pelo trabalho, presentes políticos, ofertas religiosas até a comercialização. Neste contexto, o crédito aparece como um ponto chave para entendermos a natureza das relações sociais presentes na esfera de circulação do pescado. Neste artigo vou contrastar as formas de crédito encontradas em Piúma com o crédito como ele é oferecido no sistema bancário. Para tanto, vou explorar as diferenças entre o princípio da escassez e aquele da raridade. Podemos dizer que, enquanto o acesso ao crédito bancário está submetido à lógica da escassez, ou seja, é universalmente acessível, desde que o indivíduo demonstre possuir os recursos para pagá-lo, (recursos estes que são sempre escassos por definição, como pretende a teoria econômica clássica), o acesso ao crédito pessoal obedece à lógica da raridade, ou seja, não é universalmente acessível, mas apenas àqueles que dentro do sistema local hierárquico da confiança pessoal possuem o prestígio para acessá-lo. E este prestígio depende tanto da possibilidade objetiva de pagar, quanto das relações estabelecidas ao longo do tempo. Assim, podemos compreender empréstimos feitos mesmo que o credor tenha poucas chances de ser ressarcido, ou que são considerados pagos, ainda que o valor total não tenha sido quitado. Como aponta Godelier: "A balança de trocas é regulada, portanto, antes de tudo pelo volume das necessidades sociais". Assim, se o crédito bancário faz parte de um mercado de crédito, o crédito pessoal é uma forma de crédito fora do mercado, nos termos que expliquei acima.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Paolla Correa Azeredo (UENF)
Resumo: A pesca configura-se como atividade milenar praticada por diferentes povos em distintos territórios. No que concerne ao território nacional, a pesca artesanal representa importante atividade econômica com forte expressão sociocultural nas regiões litorâneas. A despeito das vulnerabilidades e afastamento dos produtores diretos em relação ao seu meio de produção em virtude dos processos de desterritorialização ocasionados, com frequência, por conflitos socioambientais, os pescadores artesanais continuam reivindicando a permanência nos territórios junto a manutenção da atividade pesqueira. O modelo vigente de desenvolvimento, com frequência confundido com crescimento econômico, tem sido direcionado pelo acúmulo de capital e contínuo fluxo de mercadorias, que traduz-se na presença de infraestruturas exógenas em territórios costeiros, por exemplo, a partir da implantação de grandes empreendimentos que compõe o sistema global de produção. Nesse contexto trago ênfase aos desdobramentos da relação de dissenso quanto uso e apropriação territorial pelo Porto do Açu, maior complexo portuário e industrial privado da América Latina, o qual teve suas obras iniciadas no ano de 2007 no 5º distrito de São João da Barra (RJ) com início das operações em 2014, e os pescadores artesanais oceânicos de Atafona, 2º distrito de São João da Barra. Apresento nesta comunicação resultados iniciais da pesquisa etnográfica desenvolvida desde 2023 no âmbito do curso de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política (PPGSP) da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). Nela busco descrever e analisar a percepção de pescadores artesanais marítimos acerca da construção e impactos ocasionados pelo Porto do Açu. Assim, considerando as alterações diretas ocasionadas pelo empreendimento na atividade da pesca oceânica, investigo como os pescadores artesanais lidam com a presença do mega empreendimento portuário no território? Quais são as estratégias assumidas pelos pescadores para lidar com as alterações na atividade pesqueira advindas desta implementação? Tendo em vista a restrição da área de pesca, como se dá a atualização dos quadros de conhecimento em relação aos antigos e novos pesqueiros?
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Silvia Beatriz Mendonca (UFSC)
Resumo: "Na região de Porto Belo, Santa Catarina, o processo de criação de reservas teve início no final da década de 80 e concretizou-se com a criação da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo criada, através do Decreto Federal n° 99.142 de 1991. Esta inviabilizou algumas modalidades de pesca e a comunidade tradicional do Araçá viu-se obrigada abandonar esta importante área sob o risco de tornarem-se infratores da lei ambiental.
Mais recente foi a criação da Área de Proteção Ambiental Ponta do Araçá através do Decreto 395 de 30 de Abril de 2008. Esta, ao demonstrar a importância daquele território para a comunidade tradicional em seu Plano de Manejo conseguiu assegurar maiores restrições em determinadas localidades auxiliando a preservação da própria comunidade em vista os conflitos presentes com as pessoas “de fora”.
As interferências ocorridas na região ao longo de cinco gerações levaram a modificar o modo de vida, de habitar, de ocupar o território e também as práticas de agricultura e pesca desta comunidade. Entretanto, a paisagem do Araçá, é natural e social ao mesmo tempo, é uma coisa só.
Ingold (2000a) afirma que a paisagem é a expressão da relação entre os seres humanos e o meio ambiente e que não é um objeto estático, mas um organismo em movimento. A paisagem para os pescadores é mais do que uma representação simbólica, pois seus pesqueiros existem concretamente, e podem deixar de existir pelas restrições que as UC´s podem impor, ou pela ação de outros empreendimentos que ganham existência concreta através de práticas de gestão e de restrição da relação dos pescadores com as ilhas do Arvoredo, ou com outras áreas, através de políticas públicas.
Em minha pesquisa atual, tenho ponderado sobre o papel das Unidades de Conservação na sua modulação. Procuro em minha análise compreender a criação de Unidades de Conservação integralmente e como um fenômeno sociocultural específico, sendo, portanto, necessário considerar as suas múltiplas dimensões.
Me auxilia nesta reflexão o conceito de fricção de Anna Tsing. Ao pensar as UCs como espaços de fricção, entendo que elas são espaços onde diferentes valores e práticas sociais se encontram e se confrontam. As UCs são criadas por meio de processos de negociação e conflito, e são constantemente moldadas por essas interações.
Anna Tsing me provoca a questionar: como se impõe uma “floresta oficial em uma paisagem social? Como se constrói a paisagem da Comunidade do Araçá combinando seus morros, roças, barcos de pesca, peixes, ilhas, praias, mares e matos com Unidades de Conservação, navios, lanchas e urbanização? "