Grupos de Trabalho (GT)
GT 019: Antropologia dos/nos Gerais
Coordenação
Mônica Celeida Rabelo Nogueira (UNB), João Batista de Almeida Costa (Unimontes)
Debatedor(a)
Cláudia Luz de Oliveira (UNIMONTES), Alessandro Roberto de Oliveira (UNB), Breno Trindade da Silva (NEPPAMCs-UFMG)
Resumo:
É um imperativo ético-político discutir criticamente o destino do saber científico e suas interações com outros sistemas de conhecimento. Vivenciamos um tempo em que aqueles que foram e são olhados como o outro, o nativo do Sertão - e, assim, foram interpretados em termos da lógica e para os usos antropológicos dos de fora -, interpelam a ciência e seus agentes. Qual o olhar dos de dentro, viventes do Sertão dos Gerais, espaço territorial em Minas Gerais que possui tempo histórico e cultura diferenciada que se constitui na alteridade interna nesse estado? Duas perspectivas de abordagem interpretativa dialogam nesse exercício crítico: a daqueles originários da região de fronteira ou de povoados e de cidades dos Sertões descritos magistralmente por Guimarães Rosa e a daqueles que, como passantes, permaneceram por um tempo convivendo com os povos e comunidades que escolheram estudar. Nesse duplo caminhar, há as dúvidas que têm origem no fazer acadêmico e a devolução dessas dúvidas que são desafiadas por aquelas próprias dos que foram objeto de pesquisa, e questionam - desde a sua vivência histórica, social e cultural - o saber acadêmico. Nessa encruzilhada de saber antropológico, interessa a este GT contribuir para o diálogo entre essas vertentes, buscando compreender confluências e tensões, possibilidades de transformação do fazer acadêmico e elaborações dos sujeitos dos Gerais, em trânsitos ou interações com o campo acadêmico.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Brenda K. Souza Gomes (UNB)
Resumo: Marku Ribas foi um compositor, performer e músico norte-mineiro nascido em Pirapora-MG, cidade localizada no maior trecho navegável do que ficou conhecido como rio da integração nacional, o rio São Francisco. Destaco esse “lugar de gênese/nascimento não para aprisionar a minha leitura a esse lócus, mas para marcar que toda a composição de Ribas é atravessada pelos deslocamentos geográficos, afetivos, políticos e estéticos empreendidos pelo corpo artista que, invariavelmente, partem desse lugar e se fazem presentes no plano de composição de sua vasta produção musical ao longo dos anos de 1970 e 2013. A partir da leitura do espaço Pirapora/Gerais, nos termos que Marku o mobiliza, desejo propor nesta comunicação o esboço de uma cartografia afetiva que considere nos traços de seu desenho tanto as singularidades territoriais marcadas pelo artista quanto a sua plasticidade, isto é, a possibilidade de tomar esse espaço geográfico a partir de certo movimento de metamorfose ancorado na possibilidade do encontro. Marku inclui Pirapora, essa pequena cidade-passagem, no circuito da diáspora negra, desse modo, apreender os caracteres distintivos desse espaço passa pela compreensão dos movimentos, fluxos e encontros que o compõem. Dito em outros termos: existe uma cidade mapeada; do mesmo modo, existe uma cidade cuja cartografia se desenha fora e entre esse estado dado de mapeamento. Para empreender o movimento de leitura que proponho aqui, mobilizarei parte do vasto arquivo documental do músico – a partir de uma perspectiva etnográfica – com intuito de mapear como documentalmente a cidade se inscreve (ou é inscrita por ele). Aliado ao arquivo documental, pretendo ainda analisar o álbum Barrankeiro, de 1978, objeto privilegiado nesta análise.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Cledisson Geraldo dos Santos Junior (UFRRJ)
Resumo: A racionalidade capitalista ao se manifestar sobre o meio ambiente interfere nas condições de (re)produção dos povos e comunidades tradicionais, haja visto que a degradação da natureza, da sua biodiversidade, e dos ecossistemas provocam a modificação das práticas de manejo e gestão dos recursos naturais, forçando a reorientação de estratégias que resultam nas constantes mobilizações e reivindicações por autonomia destas comunidades. No Brasil, neste exato instante, povos e comunidades tradicionais e povos indígenas têm seus territórios e modos de vida ameaçados pela atuação do Estado, por corporações transnacionais, pelas monoculturas do agronegócio e por megaempreendimentos como a mineração e o hidronegócio. Entre estas comunidades violentadas estão os vazanteiros da Ilha de Pau de Légua, quilombolas ribeirinhos, do extremo norte de Minas Gerais, que tem o seu território ás margens do Rio São Francisco e sobreposto pelo Parque Estadual da Mata Seca, uma das condicionantes ambientais da segunda etapa de expansão do projeto Jaíba, o segundo maior perímetro irrigado em área contínua do mundo. A luta por liberdade, dignidade e manutenção dos seus território e modos de vida, são as tônicas da conflituosa relação destas comunidades com o Estado brasileiro. Há séculos, se instalou em seus corpos e territórios um campo de batalha racial, que, como acontecimento, nos permite apreender a partir das suas lutas, a criação no aqui e agora do contraponto radical a violência racista promovida pela colonização. Partindo da compreensão de que o território vazanteiro é resultado de inúmeros agenciamentos, fruto da fratura colonial, conceitos-chave serão mobilizados para a coesão desta comunicação como territorialidade, contra-colonização, cosmopolítica, ecosofia, cavalos de santo e catástrofes.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Igor Simoni Homem de Carvalho (UFRRJ)
Resumo: A criação de gado bovino foi fundamental na ocupação do interior do Brasil e na formação do campesinato dos biomas Cerrado e Caatinga. Nos cerrados do Norte de Minas, o gado se configura como elemento central na cultura, na economia, no manejo dos ecossistemas, no modo de vida e na territorialidade do povo tradicional denominado Geraizeiro. Entretanto, nos estudos e debates sobre a conservação da biodiversidade na região, o gado representa um “tabu”, pois a ele são atribuídos grandes impactos, mas praticamente inexistirem estudos que demonstram e mensuram estes impactos. Neste artigo, apresento elementos que demonstram a possibilidade de conciliação da criação de gado praticada no “Gerais – aqui denominada “Pecuária Geraizeira – com a conservação da biodiversidade no Norte de Minas, sugerindo ainda uma agenda de pesquisas relacionadas ao tema.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Isabela Martins Itabaiana (cnpq), Flávia Maria Galizoni (UFMG), Aureo Eduardo Magalhães Ribeiro (professor)
Resumo: No gerais, na margem esquerda do Alto rio São Francisco, Semiárido mineiro, as fontes de água foram e são delimitadoras de territórios e de soberania alimentar durante épocas de cheias ou de secas. Das chapadas aos mananciais, as populações geralistas criaram e criam domínios agrários e habitações mediadas pelo acesso à água. Nesta região, formas de insurgências, os brejos, tiveram papel fundamental no provimento das famílias, na criação de modos de vida e de sistemas de produção de alimentos baseados no uso comum de terra e águas. Os brejos são agroambientes socialmente construídos e categorizados a partir do conhecimento tradicional sobre a natureza. Entretanto, políticas de modernização da agricultura baseadas nos princípios da revolução verde, implantadas na região a partir da década de 1970, foram responsáveis por expropriações de acesso às águas e às terras tradicionalmente ocupadas por agricultores familiares; concomitantemente, cenários de mudanças climáticas, fomentados pelos padrões de produção e consumo de recursos da natureza instituídos, agudizaram questões socioambientais vinculados à morte e secamento de mananciais. Comunidades rurais precisaram se reorganizar para lidar com as mudanças impostas, buscaram então criar narrativas, técnicas e formas de ocupar o espaço geográfico e enfrentar os conflitos socioambientais, resistindo e compartilhando seus saberes e fazeres sobre as águas. É neste sentido, e com base na perspectiva teórica-conceitual de ciclos hidrossociais, que este trabalho apresenta resultados preliminares de pesquisa de dissertação cujo objetivo geral é compreender como as mudanças sociais e climáticas impactam as populações tradicionais que constituíram seus modos de vida a partir da convivência com os brejos, em comunidades rurais do gerais.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Jonielson Ribeiro de Souza (Escola Estadual de Ensino Médio)
Resumo: Este trabalho apresenta reflexões sobre as relações entre performances teatrais e outras formas expressivas de crianças e adolescentes gerazeiras com os modos de ser e viver de suas comunidades em contextos de conflitos socioambientais. É resultado de pesquisa de doutoramento do autor, realizada entre março de 2019 e outubro de 2023, nas comunidades Água Boa 2, Baixa Grande, Moreira e Sobrado, todas do município de Rio Pardo de Minas (norte do estado de Minas Gerais). Dezenas de comunidades rurais da região, como estas, vivenciaram processos de expropriação territorial desde os anos 1970, quando seus territórios foram invadidos por monocultivos de eucalipto, o que as colocaram numa situação de encurralamento. A partir dos anos 2000 várias dessas comunidades começaram a se organizar em prol da retomada de seus territórios e de seus modos de vida tradicionais. Tais processos de luta envolvem atos performáticos, sejam artísticos e culturais, sejam ritualísticos e/ou de resistência que, de alguma forma, envolvem corpos e vozes das crianças, adolescentes e jovens do lugar. Aliando etnografia e teatro, a pesquisa buscou entender como se dá o envolvimento das crianças e adolescentes nesses processos e como tais relações seriam expressas em performances teatrais executadas pelas mesmas, o que faz com que denominemos tal proposta metodológica como uma etnografia performativa. Tal denominação resulta da compilação de diferentes bases teórico metodológicas adotadas no trabalho, como a da pesquisa guiada pela prática, do etnoteatro e da etnografia propositiva. Para isso, a participação observante propiciada pela vivência do autor nos processos de luta ou eventos do cotidiano, aliada a práticas como caminhadas pelos territórios, somam-se às oficinas de iniciação teatral para crianças e adolescentes ministradas pelo autor nas comunidades foco do trabalho. O sentido de performance aqui desenvolvido vai ao encontro de perspectivas que percebem os atos performáticos enquanto processos capazes de gerar transformações, sejam individuais ou sociais, transitórias ou permanentes, tanto em quem os executa como em quem os assiste. As análises constatam que as performances executadas, além de expressarem territorialidades próprias das pessoas de tenra idade, demonstram capacidade de proporcionar as mesmas um aprofundamento dos vínculos com os processos de luta de suas comunidades. Por outro lado, para além do teatro, as formas expressivas dessas territorialidades geraizeirinhas são acionadas nos mais diferentes espaços de convivência dos pequenos, como a escola, eventos religiosos e culturais e caminhadas, sendo capazes de ampliar a difusão dos aspectos relacionadas às percepções sociais da territorialidade e identidade geraizeira.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Jordhanna Neris Sampaio Cavalcante (UNB)
Resumo: Este trabalho compõe um estudo etnográfico mais amplo sobre as trajetórias e histórias de vida de famílias baianas que migraram para Pirapora (MG) durante a década de 1970, em razão da construção da Barragem de Sobradinho (BA), erguida no período ditadura civil-militar no Brasil. Emaranhada nas malhas do “progresso do sertão”, a cidade mineira situada à margem direita do rio São Francisco – no limite de seu maior trecho navegável – já era uma passagem conhecida pelos migrantes da região nordeste nesse período de êxodo baiano, em 1970, e experimentava um promissor crescimento industrial produzido pelos investimentos da SUDENE nas gerais. Os fluxos de pessoas entre Juazeiro (BA) e Pirapora (MG), cidades que limitam o médio São Francisco, ilustram esses trânsitos recorrentes e conhecidos entre essas duas regiões. Nesse contexto, o interesse é compreender os processos percorridos desde a recepção da notícia sobre a construção da barragem à escolha do município norte mineiro como destino e a permanência nesse lugar. Dessa maneira, com o intuito de desviar do binômio causa-consequência, a pretensão é analisar etnograficamente a cidade de Pirapora (MG) como integrante de circuitos comunicativos e de parentesco formados no curso do São Francisco, cujo histórico de interações pode ter atravessado a escolha e agência das famílias migrantes diante do impasse causado pela construção da barragem. Tomando, então, a etnografia como mote deste trabalho, lanço mão da abordagem da história de vida, além de recursos como questionários fechados para mapeamento do campo, e entrevistas semiestruturadas para entender a genealogia das famílias migrantes e como elas construíram suas trajetórias, perante contingências, flexões históricas e contextos migratórios. Em suma, dada a relevância da cidade no contexto da construção de “grandes obras para o desenvolvimento e modernização nacional, esta proposta de pesquisa-trabalho tem a intenção de dilatar o campo etnográfico das migrações e parentescos a partir das trajetórias e histórias de vida desses sujeitos, registrando as narrativas que, embora não habitem largamente a história oficial ou as investigações antropológicas nessa região, compõem as dinâmicas formativas do Brasil no século XX.
Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Mauro Toledo Silva Rodrigues (UNIMONTES)
Resumo: De uma forma mais crítica, os conflitos ambientais podem ser compreendidos enquanto uma disputa de ""mundos"", em que o mundo ocidental hegemônico e sua visão de mundo entre em guerra com o mundo ribeirinhos, configurando uma verdadeira “guerra de mundos (LATOUR, 2002). É preciso ressaltar que no caso latino-americano, essa guerra de mundo está sendo travada por populações subalternas marginalizadas desde a inauguração das colônias com a invasão dos impérios europeus.
A configuração e constituição destes mundos operam a partir de ontologias distintas. No caso do conflito ambiental instalado pela megaprojeto da UHE Formoso, povos ribeirinhos reivindicam o “rio vivo ou mesmo o “rio livre em contraposição às implicações que serão causados a ela caso a UHE seja construída. Nesse sentido, o rio está presente em seus mundos enquanto uma pessoa mais que humana, detentora de agências que estruturam suas realidades e interconexões com o ambiente socionatural, sendo o rio considerado um ser vivo, um “parente segundo os ribeirinhos que pude conversar. Por outro lado, o Estado e os empreendimentos figuram o rio enquanto um “recurso natural”, um “objeto da natureza obtuso, passível de ter seu “potencial energético extraído em prol do progresso e do bem comum.
Munido desse instrumental analítico-metodológico, recorro aos meus dados primários coletados em trabalhos de campo junto aos povos do médio rio São Francisco para compreender alguns pontos que podem avançar com o campo de estudos dos conflitos ambientais e também no auxílio de possíveis caminhos de superação da crise ecológica no mundo ocidentalizado enfrenta: i) Qual a contribuição da incorporação da cosmovisão ribeirinha para a interpretação dos conflitos ambientais, sobretudo no que diz respeito a construção da UHE Formoso; ii) Como o rio se configura em sujeito e agente no mundo ribeirinho?; e iii) Como podemos pensar “desenvolvimento e conservação ambiental a partir destes povos?
© 2024 Anais da 34ª Reunião Brasileira de Antropologia - 34RBA
Associação Brasileira de Antropologia - ABA