ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 058: Experiências com laudos antropológicos no Brasil profundo
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Coordenação
Jorge Eremites de Oliveira (UFPEL), Antonio Hilario Aguilera Urquiza (UFMS)

Resumo:
A presente proposta de GT (Grupo de Trabalho) diz respeito à socialização de saberes, troca de experiências e discussões sobre a produção de diversos tipos de laudos antropológicos no Brasil profundo, isto é, nas vastas extensões do território nacional pouco visibilizadas pelas grande mídia e distantes dos maiores centros metropolitanos e suas instituições de ensino superior. Referimo-nos especialmente às regiões onde persistem configurações sociais que remetem à ancestralidade de populações originárias e tradicionais que reivindicam direitos territoriais, bem como o reconhecimento de expressões culturais que demandam a produção de laudos a profissionais do campo da Antropologia e áreas afins. Tais profissionais produzem diversos tipos relatórios técnico-científicos sobre assuntos dos mais variados: terras tradicionalmente ocupadas, adoção de crianças, pessoas que configuram como réus em processos judiciais, licenciamento ambiental, patrimônio cultural etc. Em geral são perícias destinadas ao Judiciário, relatórios produzidos a órgãos do Estado, laudos que fazem parte dos estudos exigidos para o licenciamento ambiental de diversos empreendimentos etc. Neste sentido, o GT estará aberto à participação de estudantes e profissionais em diferentes níveis de formação acadêmica que possuam estudos e reflexões sobre essas práticas antropológicas cada vez mais exigidas e recorrentes no Brasil e em outros países latino-americanos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Percepção ameríndia sobre processos judiciais criminais e perícia antropológicas: análise socio-jurídica antropológica de um caso criminal kadiwéu em Mato Grosso do Sul, Brasil
Bárbara Ferreira Ávila do Carmo (UFMS), Gustavo Costa do Carmo (RAIS)
Resumo: Processos criminais envolvendo os povos indígenas no estado do Mato Grosso do Sul, Brasil possuem uma estatística surpreendente. Em razão da resolução 287 do CNJ do ano de 2019 passa a ser indispensável a produção de laudos antropológicos nos casos em que envolvam pessoas indígenas. Esta pesquisa tem por objetivo apresentar uma análise e reflexão de um trabalho de campo ocorrido em função de um laudo antropológico em um processo criminal envolvendo uma pessoa kadiwéu (guaikuru) ocorrido no município de Bodoquena, oeste de Mato Grosso do Sul. A metodologia do trabalho de campo foi orientada por descrições etnográficas sobre as percepções da pessoa kadiwéu envolvida no processo judicial, bem como as percepções de sua família nuclear. Nesse ponto, o diagrama de parentesco foi fundamental para compreender as diferenças socioculturais entre perspectivas envolvidas no caso. Em relação aos resultados observou-se as discrepâncias entre o que está posto no processo e os fatos vistos do ponto de vista kadiwéu, assim como os impactos causados na vida cotidiana de sua parentela decorrente dos procedimentos do processo judicial. A estrutura desse conflito, por suposto, pode ser pensada no laudo antropológico, sobretudo, pelas relacionalidades e percepções kadiwéu

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Infâncias (des)abrigadas: quero perguntar ao juiz se minhas irmãs vão voltar para casa”
Célia Maria Foster Silvestre (UEMS)
Resumo: A comunicação pretende apresentar questões referentes a perícia antropológica realizada em 2021, durante a pandemia de Covid, através de convênio entre o Ministério Público Estadual e a Universidade Federal da Grande Dourados, UFGD. Entende-se que se trata de um caso emblemático, dados os atravessamentos nele presentes e por ser o primeiro relatório com atuação da perita. Reflete o trauma que a situação de abrigamento coloca para as famílias indígenas e a necessidade, por parte do estado, de políticas de enfrentamento à vulnerabilidade e fortalecimento dos laços familiares que ressoem futuros desejáveis a partir da valorização dos coletivos indígenas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A emergência de laudos antropológicos nos processos de adoção e medida de proteção de criança indígena em vulnerabilidade.
Gabriela Barbosa Lima e Santos (UFMS), Antonio Hilario Aguilera Urquiza (UFMS)
Resumo: Este trabalho consiste nas primeiras experiências como perita na área de Justiça no estado de Mato Grosso do Sul, e nas produções de Laudos Antropológicos enquanto produto destas. Dois casos distintos, ambos se tratando de Medida Protetiva de Menor (de criança Guarani-Kaiowá), ressaltam a emergência do trabalho do antropólogo como perita para salvaguardar os direitos da criança indígena, reconhecendo suas particularidades culturais. Cada caso complexifica-se pelos diferentes interesses que cada requerente à guarda da criança possui, mas também como ela é enxergada dentro de cada uma dessas famílias. Verifica-se que a solução dada pelos kaiowá para este problema, isto é, da adoção da criança em vulnerabilidade, através do seu direito consuetudinário, não está distante do que é estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo nº 28, quanto à escolha de uma família substituta, respeitada a qualidade de exceção, ou seja, quando não é possível o retorno da criança em seu seio familiar. O papel do/a antropólogo/a, além de pormenorizar a situação individual da criança, histórico de vida sua e de sua parentela, é avaliar e interpretar o contexto social onde a mesma vive, bem como o contexto dos requerentes à sua guarda, incluindo genitores, parentes e não parentes, em busca de sugerir as melhores opções de inserção ou reinserção familiar para seu crescimento saudável, para que assim ela ´possa exercer o seu direito de ser plenamente criança.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O tempo não-etnográfico: notas críticas sobre a atividade antropológica nos Licenciamentos Ambientais do Brasil
Ítalo Cassimiro Costa (UFMG)
Resumo: A proposta deste trabalho é apresentar um dos contextos do desenvolvimentismo no Brasil. Trata-se, portanto, de uma análise crítica a respeito do empreendimento de duplicação da rodovia federal BR 364 previsto para o centro-oeste brasileiro nas próximas décadas. Os povos Nambikwara, habitantes milenares dessa região do país, são os primeiros e principais atingidos pelo projeto caso ele venha a ser viabilizado. No entanto, apresento aqui reflexões que alertam para o modus operandi e para os litígios que tornam a consulta antropológica limitada e reificada no licenciamento, acarretando, dessa forma, prejuízos infralegais e constitucionais para os povos étnicos e tradicionais atingidos uma vez que as temporalidades envolvidas nos processos burocráticos tendem a ser aceleradas para o empreendimento e retardadas para a garantia de direitos étnicos. O texto apresentará uma análise sobre esse contexto a respeito do fator tempo no fazer antropológico em Licenciamentos Ambientais com base nos estudos já realizados por Johannes Fabian em O Tempo e o Outro: como a Antropologia estabelece seu objeto (1983), por Raquel Oliveira Santos Teixeira, Andréa Zhouri e Luana Dias Motta em Os estudos de impacto ambiental e a economia de visibilidades do desenvolvimento (2021) bem como por Deborah Bronz em Do campo etnográfico ao campo político: uma análise dos bastidores do licenciamento ambiental (2020).

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Do registro dos espaços nos laudos judiciais e administrativos ao mapeamento de terras e águas tradicionalmente ocupadas por comunidades Guató no Pantanal
Jorge Eremites de Oliveira (UFPEL)
Resumo: O objetivo desta comunicação é apresentar alguns dos procedimentos científicos recorridos à produção de laudos sobre áreas tradicionalmente ocupadas por comunidades indígenas no Centro-Oeste. São estratégicas científicas especialmente recorridas para o registro de espaços ocupados de diversas maneiras: habitações, roças, cemitérios, sítios arqueológicos, lugares de caça, pesca, manejo florestal etc. Os laudos de que tratam este trabalho foram produzidos sobre quatro terras indígenas: T.I. Buriti (2003) e T.I. Ñande Ru Marangatu (2007), em Mato Grosso do Sul; T.I. Santuário dos Pajés (2011), em Brasília; T.I. Baía dos Guató (2017), em Mato Grosso. A partir das experiências acumuladas durante a produção desses laudos, sendo três destinados à Justiça Federal e um à Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), são apresentadas as estratégias científicas recorridas em recentes trabalhos, voltados para o mapeamento de terras e águas tradicionalmente ocupadas por comunidades Guató no Pantanal. São estudos cujo propósito maior é atender a demandas que envolvem a reivindicação de duas áreas: uma anexa à Terra Indígena Guató e outra relativa ao território da comunidade da Barra do São Lourenço, ambas localizadas na divisa entre os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
PERÍCIAS SOBRE ABRIGAMENTO DE CRIANÇAS E GUARANI NO MS: obrigações parentais em cenário de múltiplas formas de negação de direitos
Levi Marques Pereira (UFGD)
Resumo: O artigo discute resultados de várias perícias realizadas em processos judiciais sobre abrigamento, adoção e destituição de guarda de crianças kaiowá no MS. Busca demonstrar como a atuação do Estado é responsável pela desterritorialização das parentelas, levando muitas delas a perder seus territórios de ocupação tradicional e a autonomia organizacional. A população kaiowá vive exposta a uma crise humanitária que dura muitas décadas, isto tem levado as parentelas e as famílias nucleares a encontrarem sérias dificuldades em proporcionar as condições necessárias ao desenvolvimento das crianças, com fizeram durante séculos. Ao final aponta algumas sugestões sobre como o Estado poderia rever sua prática colonialista.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A importância da Arqueologia na produção de laudos antropológicos: perspectivas Guarani, Kaiowá e Laklãnõ/Xokleng
Rosalvo Ivarra Ortiz (USP), Walderes Coctá Priprá de Almeida (Estudante)
Resumo: Nos últimos anos importantes trabalhos foram desenvolvidos acerca dos laudos antropológicos, envolvendo diversos grupos étnicos (Pacheco de Oliveira 1994; Eremites de Oliveira & Pereira 2009; Eremites de Oliveira 2012; Pacheco de Oliveira, Mura & Silva 2015). Conforme isso, com base em nossos dados arqueológicos obtidos através da etnografia multisituada (Marcus 1995) centrada na arqueologia do presente (González-Ruibal 2019; Silva 2024) e etnoarqueologia (Eremites de Oliveira & Milheira 2021; Rodrigues 2022) juntos aos povos indígenas Guarani e Kaiowá do Sul de Mato Grosso do Sul e Laklãnõ/Xokleng do Vale do Itajaí em Santa Catarina, temos por objetivos refletir a respeito desta temática fundante à antropologia brasileira. Em síntese, os dados em si são variados, como exemplos: objetos ritualísticos, artefatos líticos, sítios arqueológicos de artes rupestres, antigos assentamentos, cemitérios, lugares de memórias, paisagens múltiplas e áreas antropizadas que possuem profundas e intricadas relações cosmológicas e ontológicas com tais grupos ameríndios e, que precisam ser levados em consideração nas reivindicações territoriais e ambientais. Portanto, em contexto do Marco Temporal das terras indígenas que reconhece apenas as terras ocupadas pelos parentes em 1988 (data da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil) os dados arqueológicos e etnoarqueológicos tornam-se primordiais nesses processos de lutas e resiliências na era do Capitaloceno (Moore 2022), tendo em vista que atestam a história indígena de longa duração, em que díspares materialidades e espacialidades estão entrelaçadas no espaço-tempo. É por limiar, destaca-se que para obtermos os dados utilizamos o método genealógico com ênfase no sistema de parentesco com base na ancestralidade, consanguinidade, afinidade e afinidade política (Rivers 1991) dos anciãos e anciãs nas respectivas comunidades, no qual, privilegiou-se as narrativas orais e memórias individuais e coletivas. Diante disso, corrobora-se que é fundamental que as autoridades governamentais reconheçam a importância de 'preservar' e expandir as terras indígenas, pois, justamente os indígenas são os grandes responsáveis pela manutenção da fauna, flora e usos sustentáveis dos recursos naturais disponibilizados.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
E o/a antropólogo/a com isso? A prática da perícia antropológica em contextos quilombolas no Brasil
Rosânia Oliveira do Nascimento (UFRJ)
Resumo: Neste trabalho, visamos apresentar um balanço bibliográfico da produção antropológica no tocante a feitura de laudos antropológicos em contextos quilombolas. No Brasil, a prática surge nos anos 1980 do acordo firmado entre a Procuradoria-Geral da República e a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), aproximando as/os profissionais antropólogos/as da sistemática processual e da hermenêutica jurídica (Leite, 1996, p.6). Como demonstrado na literatura mobilizada neste texto, a promulgação da Constituição Federal de 1988, em seu Capítulo da Cultura e no Artigo 68 da ADCT, reconheceu os direitos territoriais, culturais e sociais das comunidades quilombolas. Nos anos 1990, o debate se concentrou na autoaplicação e/ou implementação destes preceitos legislativos à realidade nacional, as políticas públicas específicas na esfera do poder executivo estadual e federal surgem a partir do início dos anos 2000. Assim, a experiência antropológica em contextos indígenas se ampliou para as especificidades das terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades quilombolas. O crescente litígio envolvendo tais coletividades e os agentes antagônicos demandou da ABA, das/os profissionais antropólogo/as e do movimento quilombola esforços técnicos-científicos, intelectuais e políticos para lidar com a jurisprudência desconhecedora dos princípios da territorialidade e ancianidade negra. Assim, objetivamos entender a participação das/os antropólogas/os na produção de laudos antropológicos em contextos quilombolas, repensando os esforços e desafios do seu fazer antropológico e fazer etnográfico nos processos judiciais e administrativos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
É possível converter a experiência pericial em ensino de Laudos antropológicos”?
Ugo Maia Andrade (UFS)
Resumo: Respondendo a um cenário em que emerge, de forma eloquente, uma demanda por profissionais da antropologia a fim de atuarem em situações extra-acadêmicas diversas, a ABA passou a recomendar que graduações em antropologia ou em Ciências Sociais e PPGs em Antropologia mantenham em seus currículos componentes que tratem exclusivamente da produção de laudos antropológicos, estratégia que qualificaria profissionais no atendimento das demandas por laudos e, igualmente, faria frente a profissionais sem formação mínima em antropologia que pretendem atendê-la. Mas, é possível ensinar a ”fazer laudo”? Como - a partir de experiências etnográficas de situações de perícia cujo sentido emerge do emprego conjunto de conhecimentos gerais e específicos dos campos da antropologia e do direito - qualificar profissionais em formação para que lidem com suas próprias experiências de situação de perícia”? A comunicação pretende refletir sobre tais questões problematizando três experiências de perícia antropológica do autor, a saber, a produção de um laudo antropológico de acompanhamento do processo de obtenção de anuência prévia para acesso a conhecimento tradicional associado à patrimônio genético, realizado junto a uma comunidade ribeirinha do PA; e a produção de dois laudos periciais realizados para a JF junto a comunidades quilombolas do interior do CE e de SE.