ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 061: Formas da restituição: coleções científicas, reparação e a longa jornada de volta.
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Coordenação
Edmundo Marcelo Mendes Pereira (UFRJ), Manuel Ferreira Lima Filho (UFG)

Resumo:
Nas últimas décadas, vem se ampliando e complexificando, no âmbito das arenas culturais, processos de restituição. Ainda que se configurem em multifacetadas formas e nomeações, têm como princípio jurídico gerar remédios restitucionários para reparar danos por roubo, tráfico e saída ilegal de fronteira territorial. Este idioma ordena parte da cadeia político-administrativa por onde passam contestações sobre a posse de coisas, remanescentes humanos, arquivos e conhecimentos patenteados. Por outro lado, o campo de estudos da restituição (suas formas, temporalidades, objetos e atores) tem evidenciado tanto as disputas pelos sentidos da figura, quanto seus variados arranjos socioculturais ordinários e institucionais ao redor da demanda por coleções etnográficas, biológicas, e arquivos audiovisuais gerados em situações coloniais e de guerra. Neste quadro, os sentidos da restituição não só se relacionam com o que a reparação tem de retificação dos contratos e justiça corretiva, mas também com o reconhecimento de direitos violados e demandas pelo paradeiro de antepassados e desaparecidos políticos. Processos de restituição, portanto, operam como aceleradores de transformações nos direitos e práticas patrimoniais, bem como catalisadores de memórias silenciadas e retornos de bens inalienáveis em suas “longas voltas para casa”. A proposta é estimular um encontro entre as ciências humanas e naturais para gerar etnografias e histórias de processos de restituição em variadas configurações.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Liberte Nosso Sagrado: uma análise sobre a restituição de acervos e imagens afro-diaspóricas no contexto brasileiro e transnacional
Fernando Carlos de Sousa (UENF)
Resumo: Na presente proposta de trabalho será apresentado o anteprojeto de pesquisa de doutorado, em que pretendo analisar os modos de representação e circulação de coleções afro-diaspóricas no contexto brasileiro e transnacional, considerando processos recentes que reivindicam a restituição de acervos, objetos e patrimônios. Ao longo da pesquisa pretendo investigar a presença litigiosa, questionável e até ilegal de acervos afro-diáspóricos em coleções públicas, tendo em vista o contexto de aquisição ligado direta ou indiretamente à criminalização das religiosidades de matriz africana e à colonização, nos cenários brasileiro e transnacional, respectivamente. Para tanto, algumas perguntas vão nortear os primeiros passos da pesquisa, tais como: em quais contextos se deu a formação de acervos afro-diaspóricos? Qual o estado de acondicionamento, preservação e exposição desses acervos? De que forma esses acervos são apresentados nas diferentes mídias, tais como jornais, revistas, matérias jornalísticas e produção cinematográfica, quando for o caso? A pesquisa será desenvolvida com base na revisão da literatura já produzida sobre o assunto, na análise sobre processos de acondicionamento, preservação e exposição de acervos afro-diaspóricos. Ainda serão utilizadas como fontes de pesquisa imagens reproduzidas em jornais e revistas, bem como a produção cinematográfica sobre o tema.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Alegria e preguiça: arte contemporânea e museus etnográficos
Geslline Giovana Braga (UFRN)
Resumo: Muitos museus etnográficos incorporam entre suas mostras obras de arte contemporânea. Seja para compensar lacunas históricas, como processo de atualização do espaço expositivo museal ou reação às críticas das últimas décadas, que apontaram os museus etnográficos (e também os universais) como a própria representação materializada da narrativa colonial. Com as discussões sobre restituição à baila na esfera pública e midiática, a arte contemporânea passou a figurar dentro dos museus como um instrumento de suposta indicação de abertura à discussão sobre a devolução de objetos ou um jeito de assimilar e debater as críticas externas nas próprias paredes dos museus. Como se as obras de artistas que tiveram seus antepassados vilipendiados pudessem redimir os museus de sua a aura sepulcral e colecionista dos antigos gabinetes de curiosidades. O presente trabalho pretende discutir sobre o papel decolonizador da arte contemporânea em museus etnográficos e seus limites nas políticas de reparação e restituição. Analisando as obras de artistas contemporâneos em duas exposições recentes em museus etnográficos. As obras de Osaze Amadasun na exposição Benin - Perspectiva (de outubro a dezembro de 2023), no Museu Weltkulturen de Frankfurt, na Alemanha. E as obras de Emeka Ogboh no Museu Wereld (até outubro de 2024), em Leiden, na Holanda. Ambos os artistas têm como tema a restituição das peças de bronze do antigo reino Benin. A partir da metodologia de Marília Xavier Cury (2021) analiso como a montagem das exposições sugerem diferentes leituras, mas as legendas que as acompanham levam a uma mesma conclusão quanto a pauta dos artistas, de que a restituição das obras não cabe aos museus.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Decolonização em Processo: O Retorno do Manto Tupinambá
Hellen Tauana Silva Batista (Centro de Memória do TRF6)
Resumo: Os Tupinambás eram uma população indígena do tronco linguístico Tupi, e originalmente os mantos das tribos eram utilizados por pajés durante rituais, e considerados vestimentas sagradas. Datados dos séculos XVI e XVII, eram construídos manualmente a partir de penas costuradas em malha, por meio de técnica repleta de ancestralidades do povo Tupinambá. Atualmente poucos exemplares são encontrados em Museus pelo mundo (não ultrapassando 5 exemplares), e foram levados de seus povos por europeus em viagens, para serem oferecidos como presentes aos monarcas. Os mantos, tal como o Manto Tupinambá, são representações valiosíssimas da arte indígena, e vestimentas carregadas de religiosidade. O Manto, que está há mais de 300 anos na Dinamarca, será devolvido, e deve ser repatriado para o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2024. A decolonização surge como um movimento de (re)apropriação, aplicando o olhar para os povos oprimidos ao longo da história, e permitindo sua reconstrução; e junto a museologia social, que defende os Museus como locais de uso comunitário e participativo, para salvaguarda, e também divulgação das histórias sobre termos próprios de cada povo, surge o questionamento: qual será a história da arte indígena, por detrás daquela criada e contada pelos colonizadores? Este estudo aborda e levanta respostas para tal questionamento; aponta e dissemina a história que compõe o caminho percorrido pelo Manto Tupinambá, desde sua saída do Brasil, seus 300 anos na Dinamarca, até a decisão da sua devolução ao seu país de origem. E esta pesquisa também discute, e apresenta, possíveis contribuições da museologia social para a valorização e reconstrução da história da arte indígena. Descolonizar a arte indígena, em meio a participação ativa de seu povo, é criar meios para um futuro de reapropriação, em meio aos novos caminhos e novas faces também dos museus e das museologias.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Estratégias de mediação e participação social no processo de patrimonialização da Coleção Perseverança
Maicon Fernando Marcante (IPHAN)
Resumo: A Coleção Perseverança composta por mais de 200 objetos de Matriz Africana roubados de terreiros de Alagoas nos ataques do ano de 1912 conhecidos como Quebra de Xangô vive um processo que pode resultar em seu reconhecimento e acautelamento como Patrimônio Cultural do Brasil. Na instrução de tombamento levada a cabo pelo IPHAN, instituição da qual faço parte como servidor da área técnica, diversas ações vêm sendo desenvolvidas com o objetivo de viabilizar a participação social e o protagonismo de religiosas e religiosos de Matriz Africana no processo de atribuição dos valores e da significação cultural da Perseverança, tal qual determina a Política do Patrimônio Cultural Material da instituição. Além disso, as interlocuções em curso compreendem mediações com agentes diversos, particularmente com o Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas que detém a guarda dos objetos. A presente proposta visa apresentar rendimentos da prática etnográfica em curso junto a esse processo de interlocução e mediação que atravessa a instrução de tombamento da Coleção Perseverança. A partir da posição de técnico do IPHAN, enfoco as estratégias desenvolvidas buscando estabelecer uma interlocução simétrica entre religiosas/os de Matriz Africana, equipe técnica e demais agentes envolvidos por meio da institucionalização de um grupo de trabalho, nas quais se revelaram influências de minha própria formação no campo da Antropologia especificamente em relação à formulação metodológica da proposta de participação social. Discorro sobre os resultados desse processo de interlocução e mediação condensados na atribuição dos valores históricos, etnográficos e artísticos dos objetos, evidenciando que a instrução de tombamento encontra-se subsumida em um mais amplo processo de patrimonialização da Coleção Perseverança enquanto patrimônio do povo de Santo. Finalmente, abordo as discussões atualmente em curso acerca das diretrizes de gestão dos objetos compreendendo a proposição de uma gestão compartilhada entre os diversos agentes envolvidos e centrada no protagonismo de religiosas e religiosos de Matriz Africana.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Pelos caminhos da bykyrè: coleções etnográficas e jornadas de restituição
Marília Caetano Rodrigues Morais (UFRJ)
Resumo: As bykyrè, esteiras de palha tecidas pelas mulheres Iny a partir do entrelaçamento das fibras do buriti, desempenham papéis fundamentais na vida cotidiana e ritualística do povo Iny e vão além do que comumente se classifica como objetos utilitários, pois possuem usos e significados culturais profundos. Ao longo da história, muitas bykyrè, entre outros objetos Iny (Karajá), foram coletadas e incorporadas às coleções de museus, nem sempre com o consentimento das comunidades indígenas. Em meu projeto de doutorado, que encontra-se em fase inicial, pretendo compreender os diferentes regimes de memória, tanto indígenas quanto não indígenas, relacionados à produção, circulação e colecionamento das bykyrè. Também busco caracterizar os contextos de relações interétnicas que emergem desses processos, evidenciando as narrativas das mulheres Iny e os discursos produzidos pelas instituições museológicas. Nesta apresentação oral, pretendo refletir sobre a dimensão da restituição proposta pelo GT, dialogando com discussões contemporâneas sobre a devolução de objetos culturais às comunidades de origem. A partir dessa abordagem, proponho problematizar não apenas a importância das bykyrè como elementos de patrimônio cultural, reunidas em coleções etnográficas, acervadas e exibidas em museus nacionais e estrangeiros, mas, sobretudo, refletir sobre as demandas das comunidades Iny por reconhecimento, justiça e reparação por meio do acesso a esses materiais produzidos por seus antepassados. Dessa forma, a partir das intenções iniciais do projeto, brevemente apresentadas, o diálogo aqui proposto poderá contribuir para uma discussão sobre a longa jornada de volta e os processos de restituição no contexto das coleções etnográficas e científicas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Restituição, matéria e metáfora: para uma ética decolonial de porosidade museal
Nuno Porto (University of British Columbia)
Resumo: Partindo da experiência curatorial num museu universitário situado em terra indígena não cedida na costa noroeste do Pacífico, pretendo explorar situações específicas de articulação entre reclamação de bens culturais, restituição, reparação, pós-memória, lei, economia e ética. O argumento desdobra-se com base em processos concretos de reivindicação de coleções pelos seus proprietários culturais. Contrastando casos locais envolvendo pertences das populações indígenas da costa noroeste do Canadá no âmbito de uma longa história de colonialismo interno, com casos de coleções africanas remissivas a enquadramentos imperiais, pretendo explorar como formas de conciliação patrimonial podem assumir formas que podem parecer opostas e argumentar que a presente situação é um incentivo para o desenvolvimento de uma ética e de práticas de porosidade (epistemológica, ética, administrativa, técnica e governativa) nos museus.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Restituição, memória e a agência dos objetos no Mayombe (RDC)
Rosa Cavalcanti Ribas Vieira (UFRJ)
Resumo: Pedidos de restituição de artefatos africanos localizados em acervos de museus norte-americanos e europeus por parte de governos, instituições e coletivos têm se tornado cada vez mais visibilizados nos últimos anos. São frutos também de um novo contexto de críticas pós-coloniais e decoloniais, que motivaram questionamentos ao monopólio dos museus etnográficos constituídos nos séculos XIX e XX, sobre objetos, arquivos e narrativas a respeito de culturas não ocidentais. Debates e demandas sobre o direito ao patrimônio africano têm provocado acenos recentes de museus europeus, como, por exemplo, a confirmação do British Museum a respeito do retorno dos bronzes do Benin à atual Nigéria. Ao mesmo tempo, é importante compreender como essas questões se apresentam localmente, indicando outras camadas para se refletir sobre o retorno de objetos aos territórios africanos. A estatuária oriunda da região transfronteiriça do Mayombe é uma das mais valorizadas da África Central, como os chamados minkisi nkondi, e faz parte dos acervos de grandes museus etnográficos. Baseado em dados reunidos em uma pesquisa etnográfica de longa duração, este trabalho analisa as histórias, memórias e suspeições que objetos de acervos museológicos atualmente evocam em vilarejos Yoómbe. O trabalho articulará três frentes: 1. Fará um balanço das discussões contemporâneas sobre a restituição e o direito ao patrimônio em África; 2. Identificará os diferentes tipos de objetos do Mayombe nos grandes museus etnográficos, refletindo como são categorizados e apresentados; 3. Discutirá os relatos dos Yoómbe a respeito destes objetos. A hipótese sugerida é que, no Mayombe, estes objetos consistem em materialidades fisicamente ausentes, mas que se fazem presentes enquanto memória, tendo efeito nas práticas cotidianas e nas moralidades relativas ao dinheiro. O trabalho visa contribuir para a antropologia dos museus, refletindo sobre as possibilidades, como também as dificuldades, a respeito do retorno e das práticas etnográficas colaborativas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Mapeamento das Coleções Etnográficas no Brasil: um estudo de caso da pesquisa nas regiões sudeste e nordeste
Vitória Lorenzi Corrêa (UFF), Ana Luiza Alves de Oliveira da Silva (UFU), Kaiena Thyelle Malaquias da Silva (UFPE)
Resumo: O Mapeamento das Coleções Etnográficas no Brasil é um projeto de caráter extensionista. É uma iniciativa do Comitê de Patrimônios e Museus da ABA Associação Brasileira de Antropologia, que teve início após o Seminário Antropologia e Museus: desafios do contemporâneo, realizado em 2018. A proposta de mapeamento visa identificar e catalogar os objetos e coleções etnográficas que estão sob a guarda de museus, centros culturais e outras iniciativas comunitárias. Dentro do vasto panorama das instituições de memória no Brasil, onde milhares delas se dedicam à preservação de objetos, é notável que uma parcela significativa detenha artefatos oriundos de diversos grupos sociais. Entendemos coleções etnográficas como objetos e /ou coleções representativas do cotidiano, de momentos festivos e especiais desses inúmeros grupos sociais, como, povos indígenas, objetos de arte e cultura popular, artefatos de grupos afro-brasileiros, de imigrantes entre outros. O principal objetivo é contemplar, em um único local, informações abrangentes sobre as coleções etnográficas. Para isso, optamos por uma abordagem virtual, acessível gratuitamente, utilizando a plataforma Tainacan para congregar esses dados. A intenção é que essas informações sejam uma fonte valiosa que possa ser explorada de diversas maneiras no futuro, seja pela comunidade acadêmica ou pelo público em geral. Em 2022 o projeto foi contemplado com auxílio do CNPq, assim nos organizamos em três equipes, sendo elas: pesquisa, banco de dados e difusão. Neste trabalho pretendemos falar mais sobre a experiência da difusão, mais especificamente na região Sudeste e Nordeste. O processo de pesquisa envolvendo o contato direto com as instituições é uma tarefa delicada, pois há uma variedade imensa de organizações envolvidas. Algumas são empreendimentos de grande porte, com uma rede extensa de colaboradores dentro do museu, enquanto outras são menores e podem ter menos familiaridade com o conceito de coleções etnográficas. Por essa razão, a abordagem da pesquisa pode variar consideravelmente, e nosso trabalho, muitas vezes, se assemelha ao esforço paciente de formigas, construindo passo a passo até alcançar um resultado significativo em escala mais ampla.