ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 038: Criatividades indígenas na transformação da educação escolar
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Coordenação
Antonella Maria Imperatriz Tassinari (UFSC), Nathalie Le Bouler Pavelic (paris 8)
Debatedor(a)
Felipe Bruno Martins Fernandes (UFBA), Clarice Cohn (UFSCAR)

Resumo:
Após séculos de políticas educativas assimilacionistas voltadas aos povos indígenas, experiências inovadoras nas escolas podem ser observadas. Ancoradas no movimento indígena, elas são produzidas por professores/as indígenas e apoiadas em um marco legislativo e políticas públicas que, se não garantem a sua efetivação, ao menos propõem reconhecer e valorizar os conhecimentos e epistemologias indígenas. Essas escolas vêm transformando suas rotinas, estruturas e regras para abranger saberes, atores/as e espaços-tempos próprios. Seres não-humanos têm sido considerados nas decisões escolares, assim como os tempos e espaços de rituais e atividades agrícolas importantes para o bem-viver são incluídos nos calendários escolares. Paralelamente, surgem experiências de escolas indígenas autônomas que visam garantir maior independência na sua gestão e propósitos e que, por vezes, atendem também estudantes não indígenas. Há um renovado interesse antropológico para analisar essas experiências, a partir de abordagens decoloniais e utilizando referenciais teóricos de autoria indígena. Etnografias recentes, muitas produzidas por autores/as indígenas, têm revelado maior articulação do cotidiano escolar com várias outras esferas da vida social, especialmente xamanismo e parentesco. O GT propõe discutir essas experiências de escolarização indígena, com potencial para uma abordagem inter-epistemológica transformadora da educação, valorizando as análises produzidas por pesquisadores/as indígenas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
As crianças xikrin e seus futuros: projetos escolares
Clarice Cohn (UFSCAR)
Resumo: Discuto aqui a importância da etnografia para estudos em ambientes escolares indígenas. Embora essa possa parecer auto-evidente, proponho demonstrar como é por ela que podemos entender as propostas de indígenas em relação à suas escolas, sua gestão, e as práticas pedagógicas nelas articuladas. Tenho argumentado que a educação escolar indígena é tanto uma política de Estado quanto uma política indígena - e há poucos lugares em que não são demandadas, de acordo com um projeto de futuro, uma concepção de infância e ensino e aprendizagem, uma relação específica com as crianças, as famílias, a comunidade, a territorialidade e as relações com o Estado, não-indígenas e outras instâncias com quem lidam atualmente. Pretendo explorar, a partir de etnografias feitas por mim, mas também em um âmbito comparativo, como a etnografia é um meio privilegiado para perceber, nas diferenças de propostas engendradas por esses povos, as criatividades que levam e praticam em suas escolas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
“A escola, assim como os Yanomami, tem corpo e precisa estar bem alimentada para ficar feliz"
Daniel Stiphan Jabra (Rede Pró-Yanomami e Ye'kwana), Thiago Magri Benucci (UFMG)
Resumo: A chegada da escola entre os Yanomami a partir da década de 1960 serviu às forças de colonização e sedentarização, mas também às estratégias indígenas de contraefetuação da colonização. A adoção das escolas pelos grupos Yanomami da região do rio Marauiá (AM) se dá paralelamente a um processo contínuo de reflexão sobre o que é a escola e o que eles têm buscado com ela e através dela. Neste contexto, as ações políticas de certos grupos yanomami passam a se apropriar das escolas para agir contraefetuando, ou diminuindo, a violência do contato e da assimilação. Assim como a escola, a arquitetura destes espaços nas comunidades também serviu ao colonialismo como instrumento civilizatório. Junto com os Yanomami da região do Marauiá (AM), nos provocamos a pensar em como poderíamos fazê-la servir aos interesses das comunidades. Como projetar uma escola capaz de refletir o modo yanomami de produzir e trocar conhecimento, ao invés de reproduzir a lógica ocidental/colonial? Seria possível pensar e construir uma escola propriamente yanomami? A nossa escola é como o corpo do Yanomamɨ. Usa algumas roupas dos napё (não-indígena), usa algumas coisas dos napё, mas ela tem pensamento Yanomamɨ”, sintetizaram os professores da comunidade Pukima Cachoeira. Partindo do acúmulo e reflexões de certas lideranças, xamãs e professores yanomami sobre a casa da escola como um corpo yanomami - com todas os seus compósitos físicos e imateriais - como arquitetos e antropólogos, trabalhamos junto com as comunidades yanomami na tradução espacial de ideias e conceitos, para muito além de sua arquitetura. O trabalho apresenta algumas elaborações yanomami a partir de um esforço coletivo com os professores e xamãs yanomami para construir uma escola propriamente yanomami, com olhos para enxergar o caminho certo e cabeça para pensar como Yanomamɨ pensa e para conhecer o pensamento dos napë”. Apresentamos reflexões não só conceituais, mas também empíricas decorrentes de um longo processo de projetar, construir e transformar duas escolas com as comunidades yanomami no alto rio Marauiá entre 2019 e 2023. (PS: Está prevista a presença de Sérgio e Maurício Yanomami em Belo Horizonte durante a RBA, ambos são interlocutores da pesquisa e mediadores de todo o processo da construção das escolas e poderemos contar com a participação de ambos na apresentação.)

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Sábados de Ciência Indígena: Educação, Conexão de Saberes e Perspectivas para o Futuro
Felipe Bruno Martins Fernandes (UFBA)
Resumo: O trabalho analisa duas edições do projeto de extensão "Sábados de Ciência Indígena", promovido pelo "Programa de Educação Tutorial (PET) - Conexões de Saberes - Comunidades Indígenas" da Universidade Federal da Bahia (UFBA). As edições de 2022 e 2023 ocorreram respectivamente no Colégio Estadual Indígena de Coroa Vermelha (Território do Povo Pataxó em Santa Cruz de Cabrália/BA - Aldeia de Coroa Vermelha) e no Colégio Estadual Indígena José Zacarias (Território do Povo Kiriri em Banzaê/BA - Aldeia de Mirandela). A terceira edição, prevista para 2024, será realizada no território do Povo Jiripankó no estado de Alagoas. Contextualizado nas transformações da educação indígena, especialmente na ampliação do acesso de estudantes indígenas ao Ensino Superior e na promoção de atividades de extensão nessas comunidades, o projeto emergiu da necessidade de redirecionar a atenção dos estudantes indígenas da capital baiana para suas próprias escolas. Diante da crescente demanda por suas perspectivas em escolas públicas de Salvador/BA sobre questões indígenas, a decisão coletiva foi tomada para canalizar a energia desses estudantes no desenvolvimento de um projeto de extensão de longo prazo focado nas escolas indígenas, particularmente aquelas enfrentando desafios significativos. A iniciativa envolve a mobilização de uma equipe composta por cerca de 20 estudantes indígenas, docentes e colaboradores indigenistas, deslocando-se para escolas indígenas no Nordeste Brasileiro. O projeto busca não apenas disseminar o conhecimento gerado pelos estudantes indígenas de diversos povos na iniciação científica universitária, mas também estabelecer uma conexão entre saberes e cosmologias. Atividades como mesas-redondas, exposições de fotografias, rodas de conversa e oficinas abordam temas como Saúde Indígena, Direitos Indígenas e Contextos de Violência e Discriminação, sempre em perspectiva interdisciplinar, uma vez que o grupo é composto por estudantes de várias áreas do conhecimento. O projeto vai além do aspecto acadêmico, promovendo encontros interculturais profundos. Em cada comunidade visitada, ocorre uma rica troca de saberes e uma imersão na história dos povos anfitriões, transformando a dinâmica do projeto em um processo abrangente de formação ativista, profissional e cidadã. Com a terceira edição planejada para Alagoas em 2024, o "Sábados de Ciência Indígena" continua a sua missão de fortalecer as conexões entre academia e comunidades indígenas, contribuindo para a valorização das criatividades indígenas e um futuro educacional baseado na autoridade indígena na produção e difusão dos saberes.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Projeto Matakan : escola na floresta, floresta na escola. Inovações na educação atikamekw (Quebec)
Laurent Jerome (Université du Québec a Montréal)
Resumo: Conduzido em parceria com o Conseil des Atikamekw de Manawan (aldeia do Quebec), Tourisme Manawan, a escola secundária da aldeia de Manawan e a Université du Québec à Montréal, o projeto Matakan tem como objetivo promover e transmitir o conhecimento Atikamekw relacionado a patrimônio, cultura, idioma e território. O projeto também visa incentivar a integração desse conhecimento nos currículos escolares por meio do uso de várias ferramentas, incluindo fotografias, filmes, peças de teatro e novas tecnologias. Esse conhecimento é transmitido aos jovens participantes em acampamentos de transmissão cultural realizados no site território Matakan, no Lago Kempt, durante uma quinzena por ano desde 2018. Os Atikamekw Nehirowisiwok (Haute-Mauricie e Lanaudière) estão preocupados com o desenvolvimento de seu patrimônio material e cultural (Nehiro Pimatisiwin), transmitindo o conhecimento associado ao seu território ancestral (Nitaskinan) e protegendo sua língua materna (Nehiromowin) e as práticas associadas a esse patrimônio vivo. O projeto Matakan reconhece e valoriza a experiência e os conceitos Atikamekw de ensino e transmissão de conhecimento, e conta com uma equipe interdisciplinar, intergeracional e intersetorial para fortalecer o sentimento de pertencimento à escola e o orgulho entre os jovens e membros da aldeia Manawan Atikamekw. O projeto tem como objetivo mostrar o território Atikamekw e afirmar a educação Atikamekw por meio da criação de espaços, atividades e conteúdos culturalmente relevantes que serão oferecidos e reconhecidos durante toda a carreira escolar dos jovens na escola de ensino médio Otapi de Manawan. O objetivo geral é documentar e entender melhor as semelhanças e diferenças entre três conceitos Atikamekw fundamentais nesse projeto: Kiskinohomakewin (educação), Kiskinohomatasowin (ensino) e Aniskenamakewin (transmissão). Nesta apresentação, discutiremos dos quatros objetivos específicos do projeto: 1) continuar a documentar o idioma Atikamekw (Nehiromowin), a cultura (Nehiro Pimatisiwin) e a educação (Kiskinohomakewin); 2) fortalecer o conhecimento do território Atikamekw (Nitaskinan) para ajudar a protegê-lo e promovê-lo entre os jovens; 3) incentivar o desenvolvimento de treinamento e iniciação à pesquisa para jovens Atikamekw; 4) desenvolver, por meio do uso de mídia digital, tecnológica e visual, novas ferramentas para a transmissão, proteção e promoção do conhecimento, do patrimônio e do território Atikamekw.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Memórias Pitaguary: um olhar sobre a ancestralidade através do jogo da memória
Mel Vanessa Lopes da Silva Pereira (UFC)
Resumo: Este trabalho é um recorte da minha monografia no curso de bacharelado em Ciências Sociais na Universidade Federal do Ceará, sobre a Escola Indígena Ita-Ará, do povo Pitaguary, na aldeia de Monguba, localizada no sopé da Serra de Aratanha, no Ceará. Durante o trabalho de campo, tomei conhecimento de que as escolas indígenas do Ceará possuem um componente curricular diferenciado, para além dos componentes convencionais (matemática, português, etc.). Como, por exemplo, uma série de conteúdos específicos que são fundamentados na cultura indígena no caso, da escola em questão, com ênfase na arte e no repasse da cultura. São chamadas de matérias eletivas”, que poderiam ser descritas como um recurso de uma pedagogia nativa”. Vale salientar que, até este momento, não há material didático específico sob a ótica da cultura indígena para ser utilizado em sala de aula; apesar disso, os professores(as) buscam realizar uma abordagem diferenciada em sala de aula, como por exemplo, a professora Cristina utiliza sementes para ensinar operações matemáticas, entre outras experiências. Nesse contexto, pensando em recurso pedagógico específico para escolas indígenas, pretendo apresentar no GT um jogo da memória didático com referências do povo Pitaguary, principalmente da aldeia de Monguba, produzido por muitas mãos, juntamente com a participação da escola, como proposta de desdobramento do texto acadêmico da minha pesquisa.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Arandu sentir o tempo na pessoa: Pedagogias nativas na construção de corpos
Oendu de Mendonça Pereira (CAPES)
Resumo: Esta pesquisa em andamento visa discutir algumas experiências de escolarização Guarani no Rio Grande do Sul, colocando em perspectiva as escolas autônomas nas retomadas de terras na mesma região. A centralidade da investigação reside na adoção de metodologias nativas para compreender como a construção do conhecimento Guarani se desenvolve através do corpo e da experiência vivida. Utilizando uma abordagem etnográfica, o estudo se baseia em textos etnográficos de Sandra Benites, incorporando trabalhos sobre educação de outros intelectuais indígenas, como Célia Xakriabá, Daniel Munduruku e Gersem Luciano Baniwa. O histórico da Educação Escolar Indígena no Brasil nos remete ao contato do colonizador, no qual as primeiras escolas foram criadas para atender às demandas da colonização, desde a catequização, vale salientar as Missões Jesuíticas Guarani, passando pela política de Estado integracionista e assimilacionista, até a redemocratização, com marco na Constituição de 1988, que regulamenta o Ensino Escolar Indígena com diretrizes de igualdade e respeito à diferença. Gersem Luciano Baniwa, enfatiza que o indígena contemporâneo busca o ensino escolar como um modo de fortalecimento na luta por direitos e cidadania, num processo de consciência histórica (LUCIANO, p. 46, 2019). Nesse sentido, ressalto as experiências das escolas autônomas, nas quais as comunidades criam as escolas sob seus próprios termos, como na Escola Autônoma Tekó Jeapó, que representa a realização de um sonho para o Cacique André Benites, responsável pelo levante para retomar as terras em Maquiné RS, na área da extinta Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária. Nas palavras do Cacique, "sonhar a escola" (André Benites, Retomada, 2019), considerando seu modo de vida e suas próprias pedagogias nativas. Em sua fala: "Retomada não é só território, não é só da terra, do lugar, retomada, é retomada da vida, a gente voltou a viver" (André Benites, Retomada, 2019). A pesquisa destaca uma filosofia educacional comunitária, evidenciada nos cuidados compartilhados, desde a fase pré-gestacional até a cerimônia do batismo (Nhemongarai). Os rituais de pós-parto, dedicados à proteção da criança e de seu espírito (nhe'é), são elementos essenciais dessa abordagem, que fundamenta a educação na experiência e em práticas de construção da pessoa. Isso culmina na fluidez da noção de pessoa, com ênfase na centralidade da corporeidade moldada por relações sociais e espirituais, em interconexão com outros seres, humanos e mais que humanos, em mútua relação com o cosmos e a natureza, participando do processo educativo e de construção de conhecimento. Finalizo com o exemplo da palavra guarani "arandu", comumente traduzida como "conhecimento" apresentada como uma relação temporal que atua no corpo da pessoa.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Educação Escolar e Patrimônio Cultural: Esforços Huni Kuĩ; para construir políticas públicas e proteger infâncias
Paulo Roberto Nunes Ferreira (UFSC)
Resumo: O texto que segue traduz-se como um exercício que articula reflexões desenvolvidas a partir de esforços indígenas para a transformação de duas políticas públicas: a de Educação Escolar e de Patrimônio Cultural, cujo efeito derradeiro é a proteção das infâncias, associada ao devir dos adultos. Os Huni Kuĩ, povo que vive em terras indígenas no Brasil e Peru, falantes da língua pano, desde os anos 2000 desenvolvem vigorosas estratégias para defesa de direitos e incidência nas políticas públicas que alcançam seus territórios. Suas perspectivas nos fazem ultrapassar o binômio políticas públicas interculturais e dirigidas aos povos indígenas, para específicas e construídas pelos Huni Kuĩ. Neste cenário, destaca-se a articulação intra-comunitária, que busca comunicar, ampliar, aprofundar e consolidar o que é denominado Educação Escolar Huni Kuĩ, que enseja a participação de sábios e sábias deste povo nos processos educativos escolares, a definição de currículos próprios, a autonomia e o protagonismo pedagógico. Ao mesmo tempo, empenham-se de forma intensa no campo da política de patrimônio cultural, que convocou o Instituo de Patrimônio Histórico, Artístico e Nacional (IPHAN) à proteção dos seus grafismos, os Kene Kuĩ que, com efeito, deu início ao seu registro como patrimônio cultural imaterial do país. Ao passo que agir sobre as políticas públicas é uma ação dos homens e mulheres em fase adulta, a sua consequência mobilizadora no interior das comunidades ocorre em virtude da compreensão Huni Kuĩ de que a exposição excessiva a conhecimentos exteriores é um perigo às infâncias e, deste modo, todo adulto deve estar comprometido com a educação das crianças para serem corpos/pessoas que pensam sobre sua comunidade, o que sugiro, é uma estratégia de proteção. Esta comunicação propõe uma análise inicial sobre a interconexão e efeitos da política Huni Kuĩ de produzir, proteger e fixar os corpos das crianças, articulada às suas dinâmicas externas de atuação e controle sobre a ação do poder público nos campos da educação escolar e do patrimônio cultural.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
“A escola, assim como os Yanomami, tem corpo e precisa estar bem alimentada para ficar feliz"
Thiago Magri Benucci (UFMG), Daniel Stiphan Jabra (Rede Pró-Yanomami e Ye'kwana)
Resumo: A chegada da escola entre os Yanomami a partir da década de 1960 serviu às forças de colonização e sedentarização, mas também às estratégias indígenas de contraefetuação da colonização. A adoção das escolas pelos grupos Yanomami da região do rio Marauiá (AM) se dá paralelamente a um processo contínuo de reflexão sobre o que é a escola e o que eles têm buscado com ela e através dela. Neste contexto, as ações políticas de certos grupos yanomami passam a se apropriar das escolas para agir contraefetuando, ou diminuindo, a violência do contato e da assimilação. Assim como a escola, a arquitetura destes espaços nas comunidades também serviu ao colonialismo como instrumento civilizatório. Junto com os Yanomami da região do Marauiá (AM), nos provocamos a pensar em como poderíamos fazê-la servir aos interesses das comunidades. Como projetar uma escola capaz de refletir o modo yanomami de produzir e trocar conhecimento, ao invés de reproduzir a lógica ocidental/colonial? Seria possível pensar e construir uma escola propriamente yanomami? A nossa escola é como o corpo do Yanomamɨ. Usa algumas roupas dos napё (não-indígena), usa algumas coisas dos napё, mas ela tem pensamento Yanomamɨ”, sintetizaram os professores da comunidade Pukima Cachoeira. Partindo do acúmulo e reflexões de certas lideranças, xamãs e professores yanomami sobre a casa da escola como um corpo yanomami - com todas os seus compósitos físicos e imateriais - como arquitetos e antropólogos, trabalhamos junto com as comunidades yanomami na tradução espacial de ideias e conceitos, para muito além de sua arquitetura. O trabalho apresenta algumas elaborações yanomami a partir de um esforço coletivo com os professores e xamãs yanomami para construir uma escola propriamente yanomami, com olhos para enxergar o caminho certo e cabeça para pensar como Yanomamɨ pensa e para conhecer o pensamento dos napë”. Apresentamos reflexões não só conceituais, mas também empíricas decorrentes de um longo processo de projetar, construir e transformar duas escolas com as comunidades yanomami no alto rio Marauiá entre 2019 e 2023. (PS: Está prevista a presença de Sérgio e Maurício Yanomami em Belo Horizonte durante a RBA, ambos são interlocutores da pesquisa e mediadores de todo o processo da construção das escolas e poderemos contar com a participação de ambos na apresentação.)

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A luta e a inventividade Tikmũ’ũn-Maxakali na (re)construção de sua educação escolar: um olhar a partir da circulação dos materiais de autoria indígena Maxakali entre as crianças
Vanessa Lorena Anastácio (UFMG)
Resumo: Este trabalho tem como objetivo refletir sobre as demandas Tikmũ’ũn-Maxakali na (re)construção de sua escola a partir da observação da circulação das produções impressas e audiovisuais de autoria maxakali, entre as crianças Tikmũ’ũn. Os Tikmũ’ũn têm a partir de sua relação com os cantos yãmiyxop (yãmiy = espírito, xop = grupo) especificidades sociolinguísticas, expressivas e cosmológicas. Um cotidiano repleto de agências que revelam um conhecimento do território ancestral e dos seres que o habitam transmitido ao longo das gerações por meio de modos de aprendizagem pautados na oralidade e na prática corporal e ritual coletiva. À educação maxakali soma-se a escola, tapet pet, e com ela a chegada de práticas de ensino-aprendizagem a partir da escrita, incialmente em língua maxakali e mais tarde também em língua portuguesa. A partir da expansão da escola, os Tikmũ’ũn passam a ter dois espaços agenciados como lugares de transmissão do conhecimento que vem do exterior, um deles é a kuxex (casa de religião), outro é a tapet pet (casa de papel). A concepção de espaço de aprendizagem entre os Tikmũ’ũn tem sido relatado por Sueli Maxakali e Isael Maxakali que elucidam: a aldeia é a escola, a escola é a aldeia, a floresta é a escola, a escola é a floresta, ou seja, todo espaço é lugar de aprender. Neste sentido, surgem inventividades e negociações diversas com os órgãos educacionais governamentais para a garantia dos conhecimentos e epistemologias tikmũ’ũn em sua educação escolar, além da autonomia didática e de gestão. É através da educação escolar indígena maxakali que se intensifica o acesso das crianças aos materiais produzidos em língua maxakali. Pois, é principalmente, a partir da criação das escolas indígenas específicas e diferenciadas que se passa a produzir material didático específico para as escolas indígenas de todo o país no contexto de programas governamentais e órgãos não governamentais. Neste ínterim, identifica-se nos diferentes territórios e aldeias Maxakali, o trânsito de materiais que revelam, por exemplo, a criatividade com que pensam sua educação escolar, no que tange seus saberes e tempos. Observar como as crianças se apropriam destas produções suas trocas e aprendizagens intergeracionais oferecerá subsídios para pensar novos materiais de educação, valorização e fortalecimento dos saberes, tempos e língua maxakali? Estas reflexões são parte de uma pesquisa de doutorado em que são feitos diálogos teóricos e metodológicos entre antropologia e educação, mobilizando também minhas experiências com professores maxakali no âmbito do Programa Saberes Indígenas na Escola (SIE) e de outros projetos de educação Maxakali.