Simpósio Especial (SE)
SE 21: Patrimônios culturais em países de língua portuguesa: decolonialidade e reparação no contexto contemporâneo
Coordenação:
Izabela Maria Tamaso (UFG)
Renata de Sá Gonçalves (UFF)
Sessão 1 - Patrimônios, cidades e reparação
Participante(s):
Joana Ramalho Ortigão Corrêa (UFRJ)
Pedro Henrique Baima Paiva (NIPAM-UFG)
Simone Pondé Vassallo (UFF)
Debatedor(a):
Izabela Maria Tamaso (UFG)
Sessão 2 - Patrimônios, cidades e decolonialidade
Participante(s):
Ema Cláudia Ribeiro Pires (UFG)
Izabela Maria Tamaso (UFG)
Renata de Sá Gonçalves (UFF)
Debatedor(a):
Daniel Bitter (UFF)
Sessão 3 - Roda de Conversa|Patrimônios, decolonialidade e reparação
Participante(s):
Daniel Roberto dos Reis Silva (CNFCP/IPHAN)
Hugo Menezes Neto (UFPE)
Patricia Martins (Ministério da Cultura)
Vinícius Ferreira Natal (CEFET)
Debatedor(a):
Renata de Sá Gonçalves (UFF)
Resumo:
Nas últimas décadas, o tema dos patrimônios culturais ganhou destaque no conjunto de várias áreas disciplinares. A Antropologia está comprometida com este debate tanto no plano nacional, quanto mundial, produzindo pesquisas, atuando em políticas e ações em articulação com movimentos sociais, e operando categorias analíticas nas agências governamentais e não governamentais. A partir dos patrimônios e museus em países de língua portuguesa, entre Brasil, Portugal e Moçambique, apresentaremos as demandas por reconhecimento de identidades (sobretudo de grupos menos hegemônicos ou vulneráveis), por reparação, a luta por direitos sociais, bem como os movimentos de revisão das representações em espaços públicos, como a toponímia e os monumentos que fazem referência a um passado colonialista, patriarcal e escravagista. Nos sítios patrimoniais, o passado e a memória em disputa se fazem presentes por meio de afirmações de identidade e diferença articuladas com as políticas de reconhecimento. Este Simpósio visa pôr em debate valores e escalas variadas - espaços museais, pequenas e grandes cidades, patrimônios nacionais e mundiais, de forma articulada e comparada. Objetivamos analisar similaridades e diferenças de cada contexto (1) à democracia nos processos decisórios; (2) aos resultados alcançados quanto às demandas por reconhecimento; (3) aos obstáculos enfrentados; (4) às categorias usadas no conjunto da gramática patrimonial; (4) às mais diversas formas narrativas e performáticas.
Trabalho para SE - Simpósio Especial
Daniel Roberto dos Reis Silva (CNFCP/IPHAN)
Resumo: Esta comunicação tem por objetivo expor alguns resultados de pesquisa do projeto Culturas Populares no Brasil: memórias e acervos das mulheres nos arquivos do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP) que visa um estudo sobre a produção e atuação das mulheres no campo das culturas populares no Brasil a partir dos arquivos do CNFCP. De modo específico, pretende analisar seus respectivos papéis na construção e consolidação de um campo de conhecimento no país, a partir da década de 1940, considerando a ampla, porém pouco difundida, produção das mesmas. A análise de seus arquivos nos permite perceber os trânsitos e embates da presença feminina nas instituições culturais brasileiras e nos auxilia a (re)pensar olhares sobre as culturas populares enquanto campo de estudos.
Trabalho para SE - Simpósio Especial
Hugo Menezes Neto (UFPE)
Resumo: O Museu Lusófono da Diversidade Sexual e o enfrentamento à precarização patrimonial. Temas como os patrimônios LGBTQIAPN+ e a emergência de museus ligados à diversidade sexual e de gênero têm ampliado o “vocabulário do patrimônio” (Gonçalves,
2012) e provocado debates sobre reparação histórico-patrimonial de grupos sociais alijados da história oficial, da gerência dos arquivos (Foucault, 2013), dos espaços de aparição (Butler, 2019) e da maquinaria patrimonial (Jeudy, 2005). Nos últimos anos, a população LGBTQIAPN+ têm também ocupado a internet, criando museus virtuais dedicados a evidenciar e salvaguardar os vestígios históricos e as narrativas contra-hegemônicas, além de celebrar marcos temporais, personagens e lugares de suas referências. Um dos exemplos emblemáticos desse movimento é o Museu Lusófono da Diversidade Sexual (MLDS), instituição virtual que tem a premissa de “resgatar a história, reafirmar o presente e desenhar o futuro das populações LGBT+ de dez países e regiões que tem como idioma oficial a língua portuguesa” (site). Nesta comunicação, intento discutir como a proposta do MLDS se converte no enfrentamento à ideia de museu como tecnologia de poder desenvolvida para a manutenção do pacto hétero-cisgênero que promove a precarização da vida das pessoas LGBTQIAPN+. Nesse sentido, proponho a noção de “precarização patrimonial” como constitutiva da experiência social da população LGBTQIAPN+ nos países de língua portuguesa. Logo, inspirado em Butler (2015; 2019), penso na inscrição androcêntrica, cis-heteronormativa e LGBTfóbica da maquinaria patrimonial, por conseguinte, na incidência de suas ações para a população LGBTQIAPN+, como o seu apagamento histórico e a interdição ao conhecimento público de suas memórias. Como efeito advertido, tais operações transformam um grupo social em sujeitos de cultura não
patrimonializável e, por conseguinte, não musealisável. Parece interessante, desse modo, pensar o enfrentamento à precarização da vida a partir dos investimentos do ativismo memorial LGBTQIAPN+ (Soares, 2020) em se infiltrar na maquinaria patrimonial para reconhecer patrimônios e instaurar museus, esses dispositivos de legitimação de narrativas, produção de verdades e de sacralização dos bens culturais.
Trabalho para SE - Simpósio Especial
Izabela Maria Tamaso (UFG)
Resumo: Nos últimos anos, o tema das paisagens memoriais e das representações monumentais e toponímicas nos espaços urbanos ganhou relevância nas práticas ativistas e acadêmicas. Movimentos sociais, coletivos, investigadores, agentes de museus, de centros culturais e de agências de proteção dos patrimônios iniciaram reinterpretações das narrativas patrimoniais. Em Lisboa, as narrativas oficiais sobre a memória do colonialismo e do Império português, baseadas na ideologia política do luso tropicalismo, passaram a ser confrontadas por formas alternativas e contra-hegemônicas de ler a cidade. Os lugares densamente valorados como patrimônios históricos, arquitetônicos e culturais, como a Região de Belém, passaram a receber demandas por se apresentarem a partir de outras narrativas que não mais a narrativa oficial sobre a cidade, baseada na gesta-heroica dos descobrimentos, no pioneirismo da expansão marítima, na grandeza do império português, na ideia do colonizador tolerante, e no passado colonial que obnubila a violência da colonização. A escravatura e o racismo passam a ser desvelados, após séculos de invisibilidade, na materialidade urbana. Demandas por inscrições memoriais - monumentos e toponímias – relativamente aos povos escravizados, bem como questionamentos contra hegemônicos sobre monumentos em homenagem a personagens históricos envolvidos com o processo de colonização, “descobrimentos” e escravização ganharam corpo, sobretudo a partir de 2017. Dentre tantas ações patrimoniais praticadas na cidade de Lisboa, interpreto o percurso “Os lugares invisíveis da escravatura” - realizado pelo Museu de Lisboa – Palácio Pimenta - como uma ação patrimonial de decolonização das narrativas sobre Lisboa. São três os percursos executados duas vezes ao ano: o “Destino Lisboa”, o “Viver Lisboa” e o “Liberdade Lisboa”. Com base na etnografia de cada um desses percursos, realizados entre 2022 e 2023, interpreto-os a partir dos seguintes pontos: (1) que cidade enunciam; (2) quais personagens negras são destacadas; (3) quais narrativas são performadas; (4) quais agentes museais participam; (5) qual o perfil dos participantes. Além disso, interessa-me refletir sobre os desafios e as dificuldades dos agentes museais em operar amplamente uma ação patrimonial decolonizadora. Em que medida estes percursos contribuem para transformar a maneira como a cidade patrimonial é vivida, narrada, visitada e comercializada?
Trabalho para SE - Simpósio Especial
Joana Ramalho Ortigão Corrêa (UFRJ)
Resumo: As políticas patrimoniais de cultura enfrentam atualmente dois grandes desafios: o primeiro é o alargamento da concepção de cultura a partir da desconstrução do pensamento colonial; e o segundo é de não se limitarem a constituir meras listas de reconhecimento de bens culturais, mas de fato se desdobrarem em iniciativas de acautelamento das redes patrimoniais de detentores e dos sentidos que sustentam a patrimonialização. Apontaremos alguns caminhos para o enfrentamento destes desafios a partir de análise das tramas culturais que tecem redes patrimoniais no município do Serro, em Minas Gerais.
Reconhecido no cenário das políticas patrimoniais brasileiras por ter sido o primeiro município a ter seu conjunto histórico e arquitetônico tombado no Brasil, o Serro hoje segue como um território de referência diante do impressionante conjunto de bens culturais que cresceram substancialmente a partir das políticas do patrimônio imaterial, reconhecidos em três esferas governamentais e ainda em âmbito internacional. Serão apresentadas reflexões para a proteção de territórios patrimoniais frente ao assédio de empreendimentos do grande capital articuladas no capítulo As tramas culturais do Serro (MG) e caminhos para a proteção de territórios patrimoniais, escrito pela expositora em parceria com as também antropólogas Regina Abreu e Íria Borges, do Observatórios do Patrimônio Cultural no Sudeste, enviado para a publicação Patrimônio cultural e direitos coletivos de minorias organizada por Luciana Carvalho e Renata Gonçalves (ABA, 2024, no prelo)
Trabalho para SE - Simpósio Especial
Patricia Martins (Ministério da Cultura), Jacira da Conceição (Universidade de Évora)
Resumo: Tarde de domingo em Lisboa, no início da Avenida da Liberdade, um grupo de pessoas reúne-se para acompanhar a performance denominada "Insularidade", da artista cabo-verdiana Jacira da Conceição. Num percurso marcado pelo uso do espaço público, em correspondência direta com monumentos e a materialidade da memória colonial presente nesta cidade, Jacira com seu pote de barro na cabeça, e seu corpo negro na rua, risca pontos, traz riscos, se coloca em risco, num percurso onde nada é fixo ou definitivo, tudo é partilhado, o pote, o trajeto, a cidade e a memória colonial. Jacira subverte a ordem da narrativa hegemônica, que teima em enaltecer o colonizador. Retomando um processo iniciado em 2020, com o movimento Black Lives Matter, o debate público sobre a remoção de monumentos dedicados a memória da escravidão, são impulsionados por manifestações que ganhavam as ruas de várias partes do mundo. Se, por um lado, a recorrente monumentalização de referências à colonização europeia das Américas e da África, e ao comércio de africanos escravizados, tem sido denunciada, por outro, é preciso olhar também para o reverso da moeda: o silenciamento da memória dos africanos e afrodescendentes. Diferentes camadas simbólicas e de ação política se evidenciam pela insularidade de Jacira, evocando reparação, afirmação e liberdade, neste encontro junto a sua performance contracolonial revela-se a potência e a profundidade de seu pote de barro, seu corpo e suas águas.
Trabalho para SE - Simpósio Especial
Pedro Henrique Baima Paiva (NIPAM-UFG)
Resumo: A Ilha de Moçambique é um lindo recife de corais com 184 km² a 15° de latitude Sul caprichosamente deitado à frente da baía de Mussuril na Província de Nampula, região norte de Moçambique. A área peninsular foi reconhecida como Patrimônio Mundial em 1991, o que tem provocado a gentrificação de moradores locais e um conflito envolvendo os materiais utilizados na construção e restauro dos imóveis da ilha. Há algum tempo, os estudos em cidades patrimoniais têm abordado os conflitos acerca das reformas, restauros e a conservação dos imóveis, nesse artigo procuro ressaltar as consequências ambientais provocadas pela retirada das riquezas naturais necessárias para garantir as características históricas dos imóveis tombados. Fruto da minha pesquisa de doutorado defendida em 2023, nessa pesquisa se destacaram como metodologia a observação participante, a construção de mapas mentais e a produção audiovisual compartilhada com o objetivo de refletir sobre a necessidade de se pensar o patrimônio e seu valor histórico excepcional frente aos desafios climáticos da atualidade.
Trabalho para SE - Simpósio Especial
Renata de Sá Gonçalves (UFF)
Resumo: No início do século XXI, o projeto de renovação urbana para a região portuária do Rio de Janeiro concentrou-se na dimensão de grandes reformas urbanas. Ao mesmo tempo, a produção cultural local tem buscado frequentemente se adaptar aos impactos da transformação urbana. Nesse contexto, as visitas guiadas organizadas por movimentos sociais na região promoveram noções complexas sobre a herança africana, destacando lugares de significado histórico e de usos contemporâneo a partir de diferentes referências locais distintas das representações oficiais, dramatizando suas ligações com pessoas e lugares e suas fronteiras contestadas. Nesse contexto, a Pequena África envolve a produção de localidades concebidas localmente por associações culturais que promovem visitas à região, com o objetivo de definir itinerários que adaptam ou subvertem o tempo e o espaço, extrapolando esse espaço e adquirindo dimensões da memória da presença africana no sentido mais amplo. Este estudo de caso serve como porta de entrada para o debate sobre trânsitos transatlânticos entre o Brasil e o continente africano, memória social e suas representações culturais contemporâneas.
Trabalho para SE - Simpósio Especial
Simone Pondé Vassallo (UFF)
Resumo: O Cais do Valongo é um sítio arqueológico situado na região portuária do Rio de Janeiro, numa localidade que é há décadas reivindicada como um território negro por inúmeras lideranças, pesquisadores, agentes culturais, dentre outros. Em 2017, o cais foi reconhecido pela UNESCO como um patrimônio sensível, um testemunho de um crime contra a humanidade que foi a escravidão, pois por ali teriam desembarcado cerca de 1 milhão de africanos escravizados durante as primeiras décadas do século XIX. Sua patrimonialização se insere num contexto mais amplo de emergência de debates públicos sobre a colonização e a escravização, que produz novas paisagens memoriais. Em meio aos mecanismos de produção de consensos que decorrem do reconhecimento do bem pela UNESCO, procurarei trazer aqui algumas formas de apropriação do cais por parte de lideranças negras, bem como alguns conflitos decorrentes do seu processo de patrimonialização.
Trabalho para SE - Simpósio Especial
Vinícius Ferreira Natal (CEFET)
Resumo: A partir do acervo de entrevistas do Museu do Samba, constituído, atualmente, por mais de 120 depoimentos, irei analisar as narrativas dos compositores acerca do processo de patrimonialização do samba do Rio de Janeiro. Composto desde 2006, na ocasião do processo de titulação, o acervo se mostra como uma importante chave para o entendimento dos próprios sambistas acerca do processo e, mais ainda, um entendimento próprio sobre seus limites e desdobramentos das políticas públicas entre os sambistas.
Para tanto, utilizarei os compositores presentes no acervo como uma categoria artística e profissional de interesse para esse entendimento, buscando quantificar e qualificar suas narrativas dentro do conjunto do acervo e em seus processos de individualização no ambiente urbano.
© 2024 Anais da 34ª Reunião Brasileira de Antropologia - 34RBA
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