Trabalho para SE - Simpósio Especial
SE 21: Patrimônios culturais em países de língua portuguesa: decolonialidade e reparação no contexto contemporâneo
"Meu encontro com Jacira": performances afrodiaspóricas e seus percursos contracolonias
Tarde de domingo em Lisboa, no início da Avenida da Liberdade, um grupo de pessoas reúne-se para acompanhar a performance denominada "Insularidade", da artista cabo-verdiana Jacira da Conceição. Num percurso marcado pelo uso do espaço público, em correspondência direta com monumentos e a materialidade da memória colonial presente nesta cidade, Jacira com seu pote de barro na cabeça, e seu corpo negro na rua, risca pontos, traz riscos, se coloca em risco, num percurso onde nada é fixo ou definitivo, tudo é partilhado, o pote, o trajeto, a cidade e a memória colonial. Jacira subverte a ordem da narrativa hegemônica, que teima em enaltecer o colonizador. Retomando um processo iniciado em 2020, com o movimento Black Lives Matter, o debate público sobre a remoção de monumentos dedicados a memória da escravidão, são impulsionados por manifestações que ganhavam as ruas de várias partes do mundo. Se, por um lado, a recorrente monumentalização de referências à colonização europeia das Américas e da África, e ao comércio de africanos escravizados, tem sido denunciada, por outro, é preciso olhar também para o reverso da moeda: o silenciamento da memória dos africanos e afrodescendentes. Diferentes camadas simbólicas e de ação política se evidenciam pela insularidade de Jacira, evocando reparação, afirmação e liberdade, neste encontro junto a sua performance contracolonial revela-se a potência e a profundidade de seu pote de barro, seu corpo e suas águas.