Trabalho para SE - Simpósio Especial
SE 21: Patrimônios culturais em países de língua portuguesa: decolonialidade e reparação no contexto contemporâneo
“OS LUGARES INVISÍVEIS DA ESCRAVATURA”: percursos (de) coloniais na cidade de Lisboa (Portugal)?
Nos últimos anos, o tema das paisagens memoriais e das representações monumentais e toponímicas nos espaços urbanos ganhou relevância nas práticas ativistas e acadêmicas. Movimentos sociais, coletivos, investigadores, agentes de museus, de centros culturais e de agências de proteção dos patrimônios iniciaram reinterpretações das narrativas patrimoniais. Em Lisboa, as narrativas oficiais sobre a memória do colonialismo e do Império português, baseadas na ideologia política do luso tropicalismo, passaram a ser confrontadas por formas alternativas e contra-hegemônicas de ler a cidade. Os lugares densamente valorados como patrimônios históricos, arquitetônicos e culturais, como a Região de Belém, passaram a receber demandas por se apresentarem a partir de outras narrativas que não mais a narrativa oficial sobre a cidade, baseada na gesta-heroica dos descobrimentos, no pioneirismo da expansão marítima, na grandeza do império português, na ideia do colonizador tolerante, e no passado colonial que obnubila a violência da colonização. A escravatura e o racismo passam a ser desvelados, após séculos de invisibilidade, na materialidade urbana. Demandas por inscrições memoriais - monumentos e toponímias – relativamente aos povos escravizados, bem como questionamentos contra hegemônicos sobre monumentos em homenagem a personagens históricos envolvidos com o processo de colonização, “descobrimentos” e escravização ganharam corpo, sobretudo a partir de 2017. Dentre tantas ações patrimoniais praticadas na cidade de Lisboa, interpreto o percurso “Os lugares invisíveis da escravatura” - realizado pelo Museu de Lisboa – Palácio Pimenta - como uma ação patrimonial de decolonização das narrativas sobre Lisboa. São três os percursos executados duas vezes ao ano: o “Destino Lisboa”, o “Viver Lisboa” e o “Liberdade Lisboa”. Com base na etnografia de cada um desses percursos, realizados entre 2022 e 2023, interpreto-os a partir dos seguintes pontos: (1) que cidade enunciam; (2) quais personagens negras são destacadas; (3) quais narrativas são performadas; (4) quais agentes museais participam; (5) qual o perfil dos participantes. Além disso, interessa-me refletir sobre os desafios e as dificuldades dos agentes museais em operar amplamente uma ação patrimonial decolonizadora. Em que medida estes percursos contribuem para transformar a maneira como a cidade patrimonial é vivida, narrada, visitada e comercializada?