ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 047: Elementos vitais: emaranhados socioambientais existenciais, reflexivos e expressivos na América Latina
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Coordenação
Eliana Santos Junqueira Creado (UFES), Ana Beatriz Vianna Mendes (UFMG)
Debatedor(a)
Francisco Araos (Universidad de Los Lagos)

Resumo:
A água, o fogo, a terra e o ar são elementos que sustentam a vida no planeta. Suas composições, formas de expressão e relações de que participam com seres humanos constituem emaranhados que permitem seguir trajetórias vitais dos/nos territórios. A ameaça de devastação generalizada que conta com certas participações humanas, conhecida como Antropoceno, e por incontáveis outros nomes, traz consigo uma renovada preocupação com as múltiplas maneiras de se viver em meio a esses elementos e às mais distintas ruínas. Tendo-se como base as discussões atuais envolvendo o Antropoceno, sobre o que é, quais constituem seus limites e possibilidades, serão discutidos trabalhos devotados aos diferentes agenciamentos elementais possíveis, em suas inúmeras conformações humanas e não humanas. Bem como estudos e escritos que, a partir de distintos territórios latinoamericanos, abordam alguns desses elementos e/m seus emaranhados. Um ponto que interessa especialmente ao GT é a questão das diferentes escalas de análises e de vínculos existenciais. Igualmente, para além da diversidade dos agenciamentos, os emaranhados vitais podem ser mobilizados em ações de proteção, cuidado ou regeneração da vida, projetando novas formas de coabitar n/o mundo. O GT é parte de um esforço anterior entre pesquisadoras/es da América do Sul, voltado à compreensão crítica de processos de gestão territorial em cenários de disputas e tensões socioambientais. Segue o convite para novas composições!

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Relações entre Humanos e Não Humanos e os entrelaçamentos envolvendo a monetarização e a sacralização das Vidas a partir do crime-desastre da Samarco
Amanda Kapiche Brito (UFES)
Resumo: Na tarde do dia 05 de novembro de 2015, a barragem de Fundão, localizada em Mariana-MG, rompeu-se e uma quantidade de aproximadamente 62 milhões de m³ de agregados orgânicos e inorgânicos (Creado, 2022) foram alcançando subdistritos, contaminando o rio Doce e suas extensões até desaguar no mar do litoral do Espírito Santo. Os rastros desse percurso enlameado e de (ir)responsabilidade das empresas Samarco Mineração S.A, a BHP Billiton e a Vale S.A, ficou marcado não só nos territórios, mas em todas as biointerações (Bispo, 2023) presentes no modo de vida dos animais humanos e não humanos atingidos, e, principalmente, nas subjetividades irrecuperáveis por indenizações ou reparações materiais-financeiras. No recorte temporal que marcou o segundo ano (novembro de 2016) e o sétimo ano (novembro de 2022) após o crime-desastre, ocorreu a sobreposição das pautas jurídico-financeiras em contraposição às ambientais, a partir da análise feita de materiais textuais, principalmente, de cunho jornalístico. A falta de diálogo, as imposições e ameaças das empresas rés, a negociação do crime e a propagação de ações pontuais como se fossem as resoluções do rompimento foram observações feitas sobre o processo da cobertura midiática e as pautas colocadas em evidência, bem como a secundarização das pautas envolvendo a urgência na recuperação dos ambientes e seres não-humanos atingidos ao longo das alterações socioambientais sofridas pelo Rio após a chegada da lama”. Desse modo, a continuidade da análise desses materiais textuais, somados aos imagéticos e audiovisuais, é direcionada aos discursos envolvendo as resistências feitas pelos humanos e não humanos atingidos, sendo o meio espiritual e seus entrelaçamentos que envolvem as festas sagradas, romarias e eventos de coletivos como os do grupo Regenera Rio Doce”. Assim, até onde é possível ressignificar a vivência sagrada após tantos traumas (re)vividos pelo crime-desastre? Como mensurar danos que estão na esfera do sobrenatural? Sendo a representação das águas para além das suas materialidades, as quais simbolizam em muitas culturas e espiritualidades a cura, a proteção, a purificação, sendo sinônimo de milagres e fertilidade, como fazer isso em um território intoxicado? Sendo esses um dos principais questionamentos que mobilizam a presente pesquisa. Portanto, cabe pontuar que a política do porão (Ferdinand, 2022) continua a sistematizar as múltiplas rupturas nas relações de pertencimento, com a terra e a natureza e com as arenas políticas, de modo a emergir sobre as águas os gritos de justiça daquelas e daqueles que tiveram seus modos de vida usurpados.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Para além da superfície: expansão de territórios em águas profundas
Eliana Santos Junqueira Creado (UFES)
Resumo: Essa proposta tem como objetivo pensar um conceito: o de Amazônia Azul, no que diz respeito à sua proposta de expansão do território brasileiro em águas profundas. Não se trata apenas de um termo, mas de uma força-motriz que busca modificar as relações de um país com seu território em que subjazem objetivos sócio-econômicos, geopolíticos e projetos de construção de conhecimento, mormente associados com a exploração minerária. Mais especificamente procurarei traçar algumas das linhas gerais desses objetivos e, em especial, qual o papel que se espera de algumas ciências nesse projeto expansionista e quais as alianças que dele emergem e que foram sub-repticiamente notadas a partir de um olhar de soslaio da proponente, a partir de seus próprios vieses terrestres e disciplinares e de seus vínculos de afetação com o crime-desastre da Samarco. Os materiais considerados nesse esboço analítico serão materiais secundários, como documentos e vídeos disponíveis online, todos de acesso público. Como pano de fundo, tem-se preocupações com agenciamentos humanos e não humanos, bem como as dobras dentre diferentes conhecimentos, incluindo aí a Antropologia e suas próprias fronteiras historicamente constituídas. Bibliografia preliminar KIRKSEY, S. E.; HELMREICH, S. 2010. The emergence of multispecies ethnography“. In: Cultural Anthropology, vol. 25, n. 4, pp. 545-576. Trad. de F. Vander Velden e T. M. Cardoso. R@U, 12 (2), jul./dez. 2020: 273-307. INGOLD, T. Antropologia versus etnografia. Cadernos de Campo (São Paulo - 1991), [S. l.], v. 26, n. 1, p. 222–228, 2018. DOI: 10.11606/issn.2316-9133.v26i1p222-228. MARCUS, G. O intercâmbio entre arte e antropologia: como a pesquisa de campo em artes cênicas pode informar a reinvenção da pesquisa de campo em antropologia”. Revista de Antropologia, vol. 47, n. 1, 2004

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
"Diálogos sobre Reparação Ecológica: Comparando Diferentes Escalas e Emaranhados Existenciais"
Gabrielly Merlo de Souza (UFMG)
Resumo: Apreciar os emaranhados mais do que humanos intrínsecos nos mundos que habitamos envolve iluminar práticas de manutenção da vida através de atos sutis implicados em processos de reparo, cura, cuidado e reinvenção por humanos e não humanos dos ecossistemas, apesar das investidas contínuas e possivelmente evitáveis de colapso. Este trabalho é parte de uma investigação em andamento desde a pesquisa do doutorado (Souza, 2020), envolvendo o que, anteriormente, chamei de práticas de cuidado do solo”. Formas alternativas de entender tanto as relações ecológicas quanto sua reparação passaram, desde então, por leituras adicionais que conduziram à noção de reparação ecológica”. A expressão é multifacetada e remete a uma série de significados: reparações eco-sensíveis”; reparações que respondam explicitamente à destruição ambiental, por exemplo, relacionadas a crimes ambientais; possibilidades de reparações transformativas”; reparações eco-sociais como reparação de terras e recompensas monetárias; entre outras. A reparação é uma categoria heurística que deve abranger um conjunto de respostas das comunidades locais e das instituições às graves crises socioambientais que estão intimamente ligadas aos riscos climáticos e às ameaças constantes ao bem-estar das sociedades humanas e dos ecossistemas. Atenta aos seus variados sentidos práticos, o conceito de reparação ecológica amplia o campo de investigação sobre cuidados e ética ecológica, rumo a experiências envolvendo modos insurgentes e inventivos de conservação, reparo, cuidado e recuperação de ecologias mais do que humanas. Especialmente para fins deste GT, serão compartilhadas reflexões sobre alianças, sensibilidades, afetividades e relações materiais em diferentes escalas que articulam noções de natureza, sociedade e justiça. A partir de experiências e estudos que dialogam com essa discussão, a apresentação se propõe a repensar conceitos e práticas que podem ser necessários para reparar e remediar tanto ecologias danificadas quanto as desigualdades persistentes, de forma a apoiar o ressurgimento de iniciativas e práticas contra injustiças mais do que humanas.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Entre o mar, árvores, fogueiras e areia: Uma etnografia dos afetos e entrelaçamentos compondo com as práticas de cuidados e cura de terapeutas e indígenas de etnia Pataxó (BA)
Jaqueline Rocha Oliveira (UFMG), Andréia Meinerz (IFRS)
Resumo: A partir do encontro de duas pesquisadoras e seus compartilhamentos, neste trabalho voltamos o nosso olhar para o campo realizado em Santa Cruz de Cabrália, na aldeia Nova Coroa Pataxó, localizada no Sul da Bahia, entre os dias 11 a 22 de janeiro de 2024. Ambas participam do mesmo grupo de orientação, sendo uma da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a outra da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Assim, a entrada para o campo etnográfico aconteceu por meio do convite de um grupo de terapeutas para participar da 5ª Viagem Terapêutica. Essa viagem acontece desde 2006, com intervalos de alguns anos entre uma e outra, reunindo majoritariamente pessoas da região do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. Além das(dos) praticantes de diferentes terapias e dos(das) praticantes mais experientes (LAVE & WENGER, 2022), mestras e/ou xamãs, o grupo também é composto por pessoas atendidas por essas práticas de cura e cuidados. São pessoas de diversas faixas etárias e etnias, boa parte residindo em territórios rurais Por meio das observações em campo, registros, conversas e afetos propomos um trabalho criativo utilizando a metodologia etnografica. Importante ressaltar que essa etnografia aconteceu, e constitui-se como parte de uma pesquisa de Doutorado em Educação na UFMG de uma das autoras. Esta pesquisa foi iniciada em 2022 e está em andamento. Portanto, interessa-nos debruçar sobre o trabalho de campo realizado em parceria entre as duas pesquisadoras, para que assim possamos compor com as nossas percepções. A partir do encontro entre as pesquisadoras, o mundo indígena e o mundo dos/das terapeutas, nos reposicionamos a partir das seguintes questões: O que pode o corpo das pesquisadoras em um trabalho de campo compondo com diferentes mundos? Quais os afetos (FAVRET-SAADA, 2005) produzidos pelas práticas de cura, cuidado e proteção durante um trabalho de campo etnográfico? Quais as interferências e entrelaçamentos produzidos entre as pesquisadoras e os diferentes territórios? Nas visitas à aldeia, fomos recepcionadas com alimentos, danças, cantos e fogueira. Participamos desses momentos com nossos corpos em movimento, implicadas e afetadas nas vivências coletivas. Ao compor com os diferentes mundos, seja o mundo indígena ou o mundo dos terapeutas, nos enredamos (INGOLD, 2010), desde a posição de pesquisadoras a um certo pertencimento da comunidade de práticas (LAVE & WENGER, 2022), cuidando e sendo cuidadas. Reposicionamos, então, a nossa forma de habitar e perceber outras ontologias. Construímos possíveis alianças (STENGERS, 2013) entre a nossa realidade e as árvores, o mar, as terapias, os cuidados, as fogueiras, o nascer do sol, os humanos e mais que humanos, indo além da dicotomia entre natureza e cultura.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Fazer-espaço-vital: relações de trabalho, (re)existências contra-coloniais e tecnologias de cosmoplanejamento no Alto e Médio Ribeira
Laura Pappalardo (USP)
Resumo: Este trabalho analisa os entrelaçamentos do uso dos termos "infraestrutura" e "vulnerabilidade" por órgãos do Governo do Estado de São Paulo no contexto da implementação de políticas públicas em territórios Quilombolas e Indígenas nos município de Eldorado, Iporanga e Sete Barras, no Alto e Médio Vale do Ribeira. Como o termo "infraestrutura", tal como aplicado pelo Governo do Estado de São Paulo, classifica e se sobrepõe, como uma categoria "universalizada" de gestão e ocupação do território, a formas diversas quilombolas e indígenas de gestão e organização territorial? Práticas quilombolas e indígenas de manutenção, manejo e cuidado da terra no Vale do Ribeira mantém também os maiores remanescentes de Mata Atlântica, tanto no Estado de São Paulo, quanto no Brasil. Traçando a distribuição orçamentária e de políticas públicas na região do Alto e Médio Vale do Ribeira ao longo dos últimos anos, o trabalho coloca, assim, a seguinte pergunta: como políticas públicas destinadas a questões climáticas e serviços ecossistêmicos estão dando suporte e subsídios para as práticas quilombolas, indígenas e caiçaras do Vale do Ribeira de cuidado do solo e manutenção da Mata Atlântica? Propõe-se o termo cosmoplanejamento para etnografar os entrelaçamentos e níveis de negociação entre práticas de planejamento territorial quilombolas e indígenas no Estado de São Paulo, demandas de políticas públicas auto-determinadas por estas mesmas comunidades, e a habilidade de resposta (response-ability) do Governo do Estado de São Paulo frente a estas demandas. Partindo das perspectivas do campo da antropologia em aliança com o campo do planejamento territorial, este trabalho se propõe a aprender e colaborar com práticas de planejamento territorial já praticadas há centenas de anos por lideranças, moradores e comunidades quilombolas, indígenas e caiçaras no Vale do Ribeira. O trabalho busca colaborar como uma pequena engrenagem que pretende agregar, de forma respeitosa e com escuta atenta, engajada e aberta, a esta longa história de alianças e resistências já estabelecidas e organizadas há muitos e muitos anos por lideranças e comunidades quilombolas e indígenas do Vale do Ribeira, conjuntamente com organizações aliadas, realizando um vasto trabalho de articulações, viagens, deslocamentos, resistências e lutas diárias.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Memórias Submersas: Um olhar sociocultural sobre as enchentes no município de Rio das Flôres, Rio de Janeiro.
Marco Antonio Almeida Cardozo (UFV)
Resumo: A chegada das águas tornou-se sinônimo de dor e perda para os moradores do município de Rio das Flôres ao longo dos anos, devido às fortes chuvas que procedem no aumento do fluxo das águas do rio Paraíba do Sul, resultando em enchentes - termo utilizado pelos moradores da região - no entanto, este cenário vem sendo agravado pelas mudanças climáticas. Partindo do pressuposto em que o sistema capitalista possui agencia direta nas mudanças ambientais, o seguinte trabalho visa analisar a dimensão sociocultural do fluxo das águas, buscando compreender os efeitos e afetos experienciados pelos moradores com a chegada das águas, e como este evento afeta os mesmos não apenas no âmbito material, mas no que constitui o simbólico, ou seja, como as enchentes afetam sua memória e história. Ademais, objetiva-se demonstrar a urgência de olhar para o problema do forte fluxo das águas de um viés onde elas são uma questão sociocultural, a fim de evitar o fatalismo e a inércia. Espera-se fornecer novas perspectivas e ferramentas para promover a resiliência ambiental diante das catástrofes no Antropoceno.