Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
GT 047: Elementos vitais: emaranhados socioambientais existenciais, reflexivos e expressivos na América Latina
Relações entre Humanos e Não Humanos e os entrelaçamentos envolvendo a monetarização e a sacralização das Vidas a partir do crime-desastre da Samarco
Na tarde do dia 05 de novembro de 2015, a barragem de Fundão, localizada em Mariana-MG, rompeu-se e uma quantidade de aproximadamente 62 milhões de m³ de agregados orgânicos e inorgânicos (Creado, 2022) foram alcançando subdistritos, contaminando o rio Doce e suas extensões até desaguar no mar do litoral do Espírito Santo. Os rastros desse percurso enlameado e de (ir)responsabilidade das empresas Samarco Mineração S.A, a BHP Billiton e a Vale S.A, ficou marcado não só nos territórios, mas em todas as biointerações (Bispo, 2023) presentes no modo de vida dos animais humanos e não humanos atingidos, e, principalmente, nas subjetividades irrecuperáveis por indenizações ou reparações materiais-financeiras.
No recorte temporal que marcou o segundo ano (novembro de 2016) e o sétimo ano (novembro de 2022) após o crime-desastre, ocorreu a sobreposição das pautas jurídico-financeiras em contraposição às ambientais, a partir da análise feita de materiais textuais, principalmente, de cunho jornalístico. A falta de diálogo, as imposições e ameaças das empresas rés, a negociação do crime e a propagação de ações pontuais como se fossem as resoluções do rompimento foram observações feitas sobre o processo da cobertura midiática e as pautas colocadas em evidência, bem como a secundarização das pautas envolvendo a urgência na recuperação dos ambientes e seres não-humanos atingidos ao longo das alterações socioambientais sofridas pelo Rio após a chegada da lama.
Desse modo, a continuidade da análise desses materiais textuais, somados aos imagéticos e audiovisuais, é direcionada aos discursos envolvendo as resistências feitas pelos humanos e não humanos atingidos, sendo o meio espiritual e seus entrelaçamentos que envolvem as festas sagradas, romarias e eventos de coletivos como os do grupo Regenera Rio Doce. Assim, até onde é possível ressignificar a vivência sagrada após tantos traumas (re)vividos pelo crime-desastre? Como mensurar danos que estão na esfera do sobrenatural? Sendo a representação das águas para além das suas materialidades, as quais simbolizam em muitas culturas e espiritualidades a cura, a proteção, a purificação, sendo sinônimo de milagres e fertilidade, como fazer isso em um território intoxicado? Sendo esses um dos principais questionamentos que mobilizam a presente pesquisa.
Portanto, cabe pontuar que a política do porão (Ferdinand, 2022) continua a sistematizar as múltiplas rupturas nas relações de pertencimento, com a terra e a natureza e com as arenas políticas, de modo a emergir sobre as águas os gritos de justiça daquelas e daqueles que tiveram seus modos de vida usurpados.