ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 084: Patrimônios Culturais, Gênero e Diversidade Sexual: confluências e divergências
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Coordenação
Daniel Roberto dos Reis Silva (CNFCP/IPHAN), Fabiano de Souza Gontijo (UFPA)

Resumo:
Nas últimas duas décadas o campo do patrimônio cultural passou por significativas transformações conceituais e políticas que impactaram de modo decisivo as formas de olhar e agir sobre este campo no Brasil. Percebemos situação análoga nos estudos sobre gênero e diversidade sexual com relação à sua consolidação e continua transformação desde meados dos anos 1980. Mas, o que dizer sobre as interfaces entre estes dois campos? Por um lado, elas parecem apontar para as práticas instrumentais e simbólicas de poder governamental estatal para manutenção de coesões morais nas bases das ordens sociais vigentes. Por outro, apresentam também os múltiplos saberes, discursos e práticas de resistência aos efeitos daquelas práticas de poder. Nesse sentido, esse grupo de trabalho pretende reunir resultados consolidados ou provisórios de pesquisas, atividades de extensão e intervenção que proponham reflexões teóricas e/ou metodológicas que ajudem a responder perguntas como: qual é o panorama atual dos estudos sobre gênero e/ou experiências da diversidade sexual nos contextos de produção cultural, situações ritualizadas, festividades ou processos de patrimonialização e musealização? Que expressões, conflitos, tensões, silenciamentos e resistências perpassam esses campos em suas interações? Como estas questões impactam a reflexão sobre coleções, museus ou fundos arquivísticos? O que este olhar pode nos oferecer como possibilidades de refletir sobre a produção de sujeitos e instituições hoje?

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O acervo de Natalina Cuba Barros, mulher e fotógrafa durante o Estado Novo em Portugal, no Centro Português de Fotografia, Porto
Alexandre Bergamo (UFSC), Aida Olímpia de Freitas Ferreira (CPF/PORTO/PORTUGAL)
Resumo: Esta pesquisa tem por objetivo discutir a trajetória de Natalina Cuba Barros, fotógrafa talentosa, mas que, devido ao contexto da época, o Estado Novo em Portugal, deixa a fotografia de lado para assumir as funções esperadas para uma mulher de família. As fontes utilizadas para discussão são: o fundo arquivístico de Natalina Cuba Barros, pertencente ao Centro Português de Fotografia, em Porto, para o qual foram doados os seus negativos no período de 1946 a 1966; os álbuns de família organizados pela própria Natalina ainda na posse da sua filha; o depoimento de sua filha a respeito dos registros fotográficos de sua mãe, assim como os álbuns, com as provas de artista, que foram posteriormente organizados por ela após o falecimento de Natalina. O conjunto dessas fontes nos permite discutir uma série de questões relevantes a respeito das práticas sociais de registro e transmissão de memórias por meio da fotografia. Nelas podemos observar as diferenças de gênero nos registros fotográficos do período, seu aprendizado técnico e artístico durante os anos em que trabalhou no Studio Photo Stand, de 1948 a 1955, a tensão entre a memória pessoal (negativos) e a memória coletiva (álbuns de família), as relações estabelecidas entre fotografia e narrativa, e os caminhos que conduziram à patrimonialização de seu acervo.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
O protagonismo das mulheres marabaixeiras na produção e comercialização de bens associados ao marabaixo do Amapá.
Daniel Oliveira Terto (IPHAN), Fabio Gabriel Pereira da Rocha (UNIFAP), Lavínia Salomão Bezerra (iphan)
Resumo: Em Macapá e nos municípios limítrofes de Santana e Mazagão, onde há a ocorrência do marabaixo no Amapá, com atenção às inúmeras comunidades negras rurais presentes nesses territórios, é possível verificar a circulação de artefatos oriundos da produção artesanal feita em sua maioria por marabaixeiras, que se destinam à comercialização de objetos como representativos do universo afroamapaense do marabaixo, tais como: a caixa de marabaixo, a gengibirra, as indumentárias, colares, pulseiras, enfeites de flores, bonecos(as) marabaixeiros(as) etc. No contexto do processo de patrimonialização do marabaixo, esses bens são entendidos pelo Iphan como bens associados ao bem registrado, tanto que na fase de documentação do processo são contemplados no inventário e no dossiê de registro, bem como, após o registro são potencialmente estratégicos para a formulação das políticas públicas no âmbito da salvaguarda, que é um espaço atuação política institucional que busca garantir a promoção, valorização e a transmissão de conhecimentos sobre o patrimônio cultural imaterial acautelado. Nesse viés, conforme os dados que vêm sendo obtidos através da realização de um diagnóstico da dinâmica econômica do marabaixo com as detentoras e detentores por meio de entrevistas estruturadas, pretende-se analisar os aspectos socioeconômicos da vida das entrevistadas e entrevistados, que como produtores de bens afrocentrados busca-se compreender como se identificam com o bem registrado como Patrimônio Cultural do Brasil. A pesquisa aponta para o protagonismo das mulheres na produção e circulação desses bens associados ao marabaixo, tal como ocorre na participação social do processo de patrimonialização. No entanto, quando analisa-se o tipo de artefato produzido é possível perceber a reprodução de uma divisão social quanto ao sexo/gênero. Outro ponto importante nos resultados da pesquisa a ser analisado é o fato de que a realidade da produção e comercialização não fornece plenamente o sustento das famílias, pois a maioria dos sujeitos necessita exercer atividades profissionais paralelas para garantir melhores condições materiais de vida, como também há casos que indicam situações de vulnerabilidade social, o que nos leva a pensar que os processos de reconhecimento do marabaixo na esfera pública ainda não são suficientes para mudar a realidade dos sujeitos.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Mulheres, culturas populares e política pública
Karine de Oliveira Moura (UFPB)
Resumo: O Registro do Patrimônio Vivo (RPV) vem sendo instituído no âmbito de estados e municípios brasileiros há duas décadas. Sua capilarização se deu inicialmente por regiões do nordeste do país e essa política tem se destinado a mestras(es) e grupos do segmento da cultura popular e da cultura tradicional, conforme os termos de seus editais. Por meio da produção etnográfica acerca do RPV em Alagoas durante o mestrado, identifiquei uma série de tensões e assimetrias. Entre essas, o número inferior de mulheres inscritas como patrimônio vivo em relação ao de homens foi o que deteve mais a minha atenção e foi um fator determinante para a escrita da minha dissertação. A falta de reconhecimento ou sua insipiência na esfera pública é inversamente proporcional a liderança que essas mulheres exercem dentro de seus lares e grupos e está atrelada ao fato delas estarem associadas ao lugar do cuidado. A busca pelo Estado por autenticidade para a manutenção das tradições culturais locais está predominantemente voltada à valorização de modalidades consideradas símbolos da cultura alagoana”, o que gera o reconhecimento majoritário de pessoas de determinadas grupos como é o caso do guerreiro, folguedo considerado genuinamente alagoano. Enquanto isso desigualdades sociais, como a de gênero, seguem sem ser observadas no âmbito da realização dessa política pública. A falta de sistematização de dados sobre o RPV em Alagoas é reflexo da forma como se dá a relação do Estado com o público alvo dessa política. Essa ausência implica a não observação das questões de raça, gênero e classe que estão intrinsecamente presentes quando se discute cultura popular e faz com que o Estado incorra na reprodução de desigualdades sociais ao implementar o RPV. As trajetórias de vida dessas mulheres demonstram em sua maioria a falta de reconhecimento em diversas outras atividades. Possuem pontos comuns que possibilitam discutir a partir de seus itinerários importantes questões sociais. O que na etnografia se deu teórica e metodologicamente por meio da interseccionalidade.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Montando a Baiana: encruzilhadas de gênero, sexualidade, raça e religião no Maracatu de Baque Virado.
Kelwin Marques Garcia dos Santos (FFLCH-USP)
Resumo: Nesta comunicação pretendo apresentar o desenvolvimento da pesquisa de mestrado Baianas Ricas no Maracatu de Baque Virado: corpovocalidades entre tradição e transgressão”, realizada no PPGAS-FFLCH-USP. Esta pesquisa, que parte também da Antropologia das Formas Expressivas, tem como objetivo perscrutar os lugares ocupados pelas baianas ricas, figura encarnada por homens gays, bichas, pessoas trans e travestis, no cortejo do Maracatu Nação. Essa figura ocupa espaços importantes tanto no séquito real das nações de maracatu, quanto nas festas, apresentações e atos políticos em que os novos grupos de maracatu participam. É a partir das décadas de 1960 e 1970 que os chamados frangos passam a ocupar especificamente a figura da baiana rica - anteriormente ocupada apenas por mulheres cis -, mas não sem ruídos nas comunidades maracatuzeiras. Uso aqui o termo frango por denotar a feminilidade dissidente corporificada historicamente por homens gays, mas também travestis e mulheres trans. É sob a exigência de entidades femininas, pombogiras, mestras de jurema e orixás, que essas novas baianas passam a desfilar nas cortes, sempre homenageando suas entidades. As comunidades nas periferias de Recife se constituem modernamente, sendo impactadas pelas lógicas sexistas que o pensamento ocidental informa. Mas ao considerá-las também enquanto comunidades de prática, é possível a pergunta: para além do sistema de gênero imposto e reproduzido colonialmente, quais lógicas de produção de corpo e gênero da diáspora movimentam, também, tais comunidades? Quais os lugares possíveis para esses femininos no universo de sentido das tradições afro-brasileiras? O que dizem esses corpos sobre si mesmos? Considerando a proximidade das comunidades maracatuzeiras com as religiões de matrizes africanas, é importante considerar a bibliografia sobre a presença de homossexuais e transsexuais nas comunidades de santo e suas implicações. (Birman, 2005; Dias, 2017; Fry, 1982; Landes, 1947; Segato, 2000). Para lidar com essas experiências racializadas e generificadas, o transfeminismo (Nascimento, 2021) surge como uma possibilidade teórica de estabelecimento de diálogos entre o feminismo e corpos/performances dissidentes. Isso coloca a possibilidade de não alcunhar os interlocutores a partir do jogo de poder e exclusão das identidades, como aponta Berenice Bento (2006, p.205), mas esperar as categorias mobilizadas na heterogeneidade das experiências e compreender também os percursos de cada categoria. Isso porque a figura da baiana surge nas biografias ora como forma de culto às ancestrais, ora como espaço de exercício de liberdade, e por vezes como um caminho para a compreensão do próprio gênero, como no caso de mulheres trans que transicionam a partir do exercício de montar sua baiana.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Viados e Caboclo Queer nas celebrações cívico-populares do Dois de Julho na Bahia
Vinícius Santos da Silva (UFS)
Resumo: Depois de dezoito meses de conflitos armados entre brasileiros nacionalistas que defendiam a independência do Brasil do domínio colonial de Portugal, finalmente, em dois de julho de mil oitocentos e vinte e três as tropas populares baianas conseguiram definitivamente expulsar ou vencer pelo cansaço as tropas lusitanas de Salvador, permitindo a sua pacífica ocupação. Este acontecimento histórico protagonizado por homens e mulheres negras escravizadas, também contou com a brava obstinação da população indígena denominada de caboclos da terra”. A data desde então ficara marcada como a primeira insurgência nacionalista e popular e, duzentos anos depois, mantém-se incorporada de símbolos nacionalistas, como a própria celebração do Dois de Julho na Bahia, infestada de representações vernáculas da povo brasileiro que se expressão entre a contradição performática da formalidade cívica, popularidade religiosa e subversão moral no centro antigo de Salvador. Neste contexto, observa-se o caboclo queer”, a imaginária indígena móvel enviadecida e venerada, ao seu modo, pela comunidade sexo diversa numa zona efemeramente forjada no trajeto do desfile cívico na Avenida Sete de Setembro e denominada de Território da Fechação”. O ethos do Caboclo passa a se configurar no assimilacionismo divino e que tensiona os paradigmas heterossexuais outorgados ao indígena a partir do contato com o colonizador. Portanto, apresento a etnografia sobre este patrimônio imaterial artístico-jocoso, onde categorias analíticas como churria, viadeiro, viados de fanfarra e fechação impõe seus valores e significados próprios, além de imprimem uma particularidade popular e contra higienista dos movimentos culturais e revolucionários baianos. A partir de características singulares, procuro interpretar os processos intersubjetivos de independência política e rebeldia sexual dos atores envolvidos na cena para construção do dossiê de conhecimento desta expressão lúdica no livro de registros especiais associado as celebrações do Dois de Julho na Bahia.