ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Mesas Redondas (MR)
MR 53: O FAZER ANTROPOLÓGICO NUMA SOCIEDADE DAS IMAGENS: perspectivas críticas e desafios teóricos e metodológicos aos cânones clássicos
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Coordenação:
Alexandre Fernandes Correa (UFRJ)
Participantes:
Juliana Loureiro Silva (PPGSA/UFRJ)
Jean Souza dos Anjos (UECE)
Adalberto Luiz Rizzo de Oliveira (UFMA)

Resumo:
Essa proposta é fruto de participações de membros do Núcleo Etnologia e Imagem em congressos científicos: VI REA (Salvador, 2019), I e II Encontro de Antropologia e Imagem (São Luís, 2016, 2022); GT’s e Simpósios da ABA e SBS, dando continuidade a reflexões sobre fotografias, filmes e demais acervos iconográficos investigados. Constata-se um consenso nas Ciências Sociais de que habitamos numa sociedade das imagens. Gruzinsky, Ranciére e outros apontam características peculiares de uma civilização que apresenta densa floresta de imagens em profusão. Nesta MR, pesquisadores de diferentes regiões refletirão sobre aspectos imagéticos e semiológicos no fazer antropológico com imagens de acervos produzidos, enfrentando desafios no percurso interpretativo. José de S. Martins introduz uma inquietação em relação ao significado sociocultural dos acervos imagéticos: “Sociólogos e antropólogos precisam de muito mais do que uma foto para compreender o que uma foto contém”. Portanto, a MR propõe o debate de como se tem enfrentado e superado estes dilemas interpretativos. A quais recursos extra-imagens recorremos para atingir o alcance semiológico das imagens investigadas? Os cânones clássicos da Antropologia ainda dão conta da realidade contemporânea? Como as novas tecnologias da imagem (IA) e os territórios socioculturais e étnicos dialogam transformando os códigos e as linguagens? Os convidados apresentarão suas dificuldades e conquistas no trabalho de campo com as imagens.

Trabalho para Mesa Redonda
ACERVOS ETNO-FOTOGRÁFICOS E PESQUISA ANTROPOLÓGICA: Representações imagéticas sobre povos indígenas em Curt Nimuendajú e William Crocker
Adalberto Luiz Rizzo de Oliveira (UFMA)
Resumo: O objetivo desta comunicação é analisar o trabalho etnográfico e imagético dos antropólogos Curt Nimuendaju e William Crocker, com ênfase nas respectivas produções fotográficas sobre os povos originários Apãnyekrá e Ramkokamekra-Canela, localizados no centro-sul do Maranhão. Parte-se de questões teóricas que relacionam a antropologia visual com a memória social (KOSSOY 2001 e 2002, HALBWACHS 2004), confrontadas a dados etnográficos contidos em textos e fotografias de Nimuendajú, e Crocker. Expoentes da Etnologia sobre os povos Jê, Nimuendaju e Crocker constituem paradigmas da pesquisa antropológica no Brasil. Autodidata, o alemão Curt Unkel chega Brasil no início do século XX e desloca-se para interior de São Paulo, iniciando junto aos Guarani sua trajetória de etnógrafo e colecionador, que se estende de 1905 a 1912. Em 1913 se transfere para Belém (PA), onde desenvolve, até 1944, seu projeto etnográfico junto povos do Cerrado e da Amazônia. De formação acadêmica, curador e pesquisador vinculado ao Museu Nacional de História Natural do Smithsonian Institution (EUA), William Crocker inicia suas pesquisas com os Canelas em 1957, que se estendem, sem interrupção, até a década de 1970 e de modo intermitente, até 2011. A produção imagética – fotográfica e fílmica – realizada por Nimuendaju e Crocker revela temáticas sobre a diversidade cultural e a dinâmica histórica dos Jê Setentrionais, especialmente dos Apãnyekrá e Ramkokamekra-Canela e suas relações junto às agências tutelares (SPI e FUNAI) e à sociedade regional. O acervo de Curt Nimuendaju refere-se a um conjunto formado por 70 fotografias sobre os Canelas geradas no período de 1928 a 1935, formando parte da Coleção Carlos Estevão de Oliveira, localizada no Museu do Estado de Pernambuco. Essas imagens resultam de viagens etnográficas realizadas junto aos Canela e outros povos Jê-Timbira - Apinayé, Krahô, Krikatí, Pukobyê, Krepumkateyê. Decorrente da relação profissional entre Nimuendaju e o advogado pernambucano Carlos Estevão de Oliveira, que exerceu o cargo de Diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi - evidenciada nas Cartas do Sertão (NIMUENDAJU 2000), em correspondências junto a etnólogos e representantes de museus no Brasil, EUA e Europa - este acervo foi parcialmente reproduzido em algumas monografias (NIMUENDAJU, 1939, 1942, 1946). A produção fotográfica e fílmica de William Crocker junto aos Canela, encontra-se no Smithsonian Institution (EUA), cujo acervo está parcialmente reproduzido em seus livros (CROCKER 1990, 2004, 2009 e outros), e de outros pesquisadores (IUVARO 2017). Esta comunicação aborda esse conjunto foto-etnográfico a partir de pesquisa antropológica sobre memória e imagem fotográfica junto aos Canela, presente nas obras de Crocker e Nimuendaju e de outros pesquisadores.
Trabalho completo

Trabalho para Mesa Redonda
Os impactos do brilho e fascínio da imagem no fazer e na interpretação antropológica.
Alexandre Fernandes Correa (UFRJ)
Resumo: A partir de pesquisas de campo realizadas no percurso dos últimos anos em terrenos específicos, - sobre a produção imagética do movimento do Grito dos Excluídos; os recentes ataques aos monumentos históricos; a produção de imagens sobre o bicentenário da independência; o desfile do GRES Mangueira (2019) -, entre outros espaços sociais analisados; desenvolve-se uma análise sobre o fazer antropológico em meio a conflitos entre sujeitos e processos históricos sociais em ebulição. Perspectivas críticas e desafios teóricos e metodológicos aos cânones clássicos se impõe num contexto de transformações aceleradas. Para participação nesta MR propõe-se uma investida sobre as mudanças nos gestos da pesquisa (Flusser, 2014), perscrutando os usos e produções das imagens alcançando as transformações radicais em curso nos modos de vida e no fazer investigativo. Instigado pela comparação de registros de Malinowsky (1983) - referência clássica- e Pierre Clastres (1980), - este acerca de um “retrato” feito numa “etnografia selvagem” no Paraguai -, apresenta-se reflexões sobre os usos das imagens e seus testemunhos pela antropologia. Considerando que “com o mesmo direito que a palavra e a escrita, a imagem pode ser veículo de todos os poderes e de todas as vivencias” (Gruzinsky, 1995), de maneira seu brilho e fascínio impactam na interpretação sociológica e etnológica contemporânea? Paradoxalmente, no momento que a imagem adquire status de documento, superando enfim a fixação do registro escrito clássico, a antropologia audiovisual sofre abalos quanto a fidelidade da sua “grafia” com a desconfiança dos usos da “inteligência artificial” (IA). De que modo a fluidez, a efemeridade e velocidade da produção e circulação das imagens promovem perdas de referenciais e a suspensão de “critérios de autenticidade” (Lévi-Strauss), colocando em xeque sua efetiva eficácia simbólica? De que modo o excesso e difusão alucinatória de imagens promovem esvaziamentos de sentido do registro visual? Qual o grau de “falha na regulagem estável entre o sensível e inteligível” que esta profusão de imagens denota? É o desafio que se pretende propor ao debate sobre o fazer antropológico e etnográfico colocando em foco o destino das imagens (Rancière) numa sociedade à deriva (Castoriadis).

Trabalho para Mesa Redonda
“Exu te ama”: arte e antropologia transgredindo em espaço público
Jean Souza dos Anjos (UECE)
Resumo: Esta apresentação diz respeito a experiência da Exposição “FestaBaiaGiraCura” que ocorreu no Museu da Cultura Cearense (MCC), dentro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC), equipamento da Secretaria da Cultura do Ceará (SECULT/CE) gerido pela Organização Social (OS) Instituto Dragão do Mar (IDM) entre 30 de setembro de 2023 e 11 de fevereiro de 2024, em Fortaleza, Ceará. “Exu te ama” é um painel de 24m x 6m, aproximadamente, com letreiro preto e fundo vermelho produzido na parede externa do Museu de Arte Contemporânea (MAC). O painel compôs a exposição “FestaBaiaGiraCura” e causou um enorme impacto visual dentro do CDMAC, seja pela sua grandiosidade estética, seja pela sua capacidade de inverter, insubmisso e transgressor, o racismo religioso contra as culturas afro-indígenas do Ceará. Além desse, outros painéis estiveram ao longo da exposição como “Arreda, homem, que chegou mulher” e “Não chuta que é macumba”. Duas salas no MCC com fotografias de terreiro e materialidades como um grande altar para a Rainha Pombagira Sete Encruzilhadas integraram a exposição. Na varanda dos museus, nas rampas de acesso às salas do piso inferior do MCC, mais fotografias. Por fim, no hall de acesso, um assentamento de Exu e um vídeo da Pombagira girando. Logo após a inauguração da exposição uma parlamentar da Assembleia Legislativa do Ceará (ALECE) filiada ao Partido Liberal (PL) requereu a retirada do painel “Exu te ama” alegando que o mesmo agredia os valores cristãos e não poderia estar em espaço público. Apesar do pedido da deputada, o painel não foi retirado e permaneceu até o final da exposição. Fruto de mais de vinte anos de produção de conhecimento dentro das Ciências Sociais e Humanas, e com recorte na celebração dos quarenta anos do terreiro de Umbanda e Candomblé Cabana do Preto Velho da Mata Escura / Ilé Asé Ojú Oyá, a exposição provocou reflexões em todo o Brasil e integrou arte, antropologia, pesquisa, teoria e prática. Este relato de experiência contribui para os fazeres antropológicos e artísticos desvelando intersecções, também, na prática antirracista.

Trabalho para Mesa Redonda
Reflexões sobre ética e estética na documentação e exibição audiovisual dos rituais de matriz africana para além das guerras de imagem
Juliana Loureiro Silva (PPGSA/UFRJ)
Resumo: Em 2004, filmei, pela primeira vez, uma festa de tambor de mina. Realizava uma pesquisa sobre questões territoriais no quilombo maranhense de Santa Rosa dos Pretos, quando fui convidada por Mãe Severina para filmar a festa de seu encantado-guia, o Caboclo Cearenso. O interesse pela filmagem foi por ela mesmo revelado: Eu tinha vontade de me ver dançando, porque até agora eu não me vi dançando, uma vez que incorporada, atuada, ela perde seus sentidos. Fiquei surpresa com seu pedido, pois até aquela época considerava que a produção e a circulação de imagens dos espaços, dos rituais e dos médiuns incorporados por entidades das religiões de matriz africana eram restritas e até mesmo proibidas. Atualmente, com o novo cenário sociotecnológico que permitiu o amplo acesso às câmeras de celulares, os próprios religiosos filmam e fotografam suas casas, festas, rituais, as danças dos orixás, inquices, voduns, caboclos, exus, pombagiras, promovendo nas redes sociais uma intensa, afirmativa e dispersiva profusão de suas imagens. Para a presente mesa, desafiada a refletir sobre o fazer antropológico numa sociedade das imagens, discorro sobre ética e estética na documentação e exibição audiovisual dos rituais de matriz africana para além das guerras de imagem, investigando e interrogando, a partir dos questionamentos de Latour sobre o iconoclash” (2008), as múltiplas performances imagéticas da documentação dos rituais, as dos documentados, as minhas e de muitas outras exibidas nas redes sociais.