ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Grupos de Trabalho (GT)
GT 082: Para além do CEP/Conep: desafios e reflexões sobre ética na pesquisa antropológica
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Coordenação
Hully Guedes Falcão (Fiocruz), Fernando José Ciello (UFRR)

Resumo:
Desde os anos 90 o tema da ética da pesquisa tem sido recorrentemente associado ao sistema CEP/Conep. Esse sistema está ancorado no Conselho Nacional de Saúde (CNS) e, ao sugerir uma relação unívoca entre ética e pesquisa, termina por pautar de modo controverso a avaliação da ética nas pesquisas em Ciências Humanas, muitas vezes inviabilizando e invisibilizando o trabalho que é aí realizado. Este GT busca fomentar discussões sobre ética do trabalho antropológico em suas diferentes dimensões, problematizando a correlação imediata com o Sistema CEP/Conep e indo além do que dispõe esse aparato. Entendemos que a ética da pesquisa é plural e diz respeito a qualquer situação em que estejam presentes pessoas que agem sob perspectivas diferentes, sendo questão incontornável no fazer antropológico, e se impondo desde os momentos mais iniciais das investigações até suas publicações. Essa proposta resulta das atividades do Comitê de Ética em Pesquisa nas Ciências Humanas da ABA, que tem como objetivo compreender o que a comunidade antropológica tem discutido sobre ética de pesquisa para, então, produzir um debate capaz de apontar outros caminhos para a construção de uma governança científica democrática. Serão bem-vindos trabalhos que abarquem desafios e reflexões éticas presentes no processo de escrita, campo de trabalho, relação com empresas e entre pares, entre outras dimensões, bem como experiências com o atual aparato burocrático de controle da avaliação da ética da pesquisa.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Vivências emocionais no cuidado paliativo pediátrico: uma abordagem antropológica das práticas profissionais
Ayra Hannah H. Cabral da Silva (UFPB), Ednalva Maciel Neves (PPGA)
Resumo: Esse estudo aborda cuidados paliativos na infância a partir da perspectiva da antropologia das emoções, problematizando aspectos envolvendo: fase da vida, família, doença e morte. A antropologia das emoções ganhou força no Brasil desde a década de 1990 (REZENDE e COELHO, 2010; KOURY, 2014), em contraposição à ideia de que estas são universais e inatas. Compreendemos como as emoções são atravessadas pelos fatores culturais, sociais e históricos. Assim, a leitura antropológica inclui não apenas as emoções dos profissionais de saúde que atuam em cuidados paliativos pediátricos, mas sobre como as normas sociais e culturais moldam sua percepção e expressão emocional. Dentre as doenças, o Instituto Nacional do Câncer estima que mais de 400 mil crianças e adolescentes são diagnosticadas com câncer no mundo por ano, o que representa que a cada três minutos alguma criança morre em decorrência de câncer (BRASIL, 2022). A abordagem sobre os cuidados paliativos, antes limitada à perspectiva biomédica, tem sido expandida para outros domínios de conhecimento. A definição comumente utilizada é dada pela OMS (2002), afirmando que os cuidados visam não somente a qualidade de vida, mas buscam o conforto do paciente – que enfrenta alguma doença que impeça a continuidade da vida – e de seus familiares. Aqui, o foco recai sobre médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais que enfrentam diariamente os desafios emocionais associados ao tratamento paliativo na ala pediátrica do Hospital Napoleão Laureano, em João Pessoa, PB. Cabe ressaltar que quase sempre negligencia-se o cuidado a quem presta cuidados, especialmente quando se trata de crianças e como pode afetar as emoções e sensações dos cuidadores em saúde. O objetivo é etnografar o cotidiano do cuidado paliativo hospitalar, recolhendo as narrativas dos profissionais de saúde sobre suas vivências e emoções frente ao sofrimento infantil. Entende-se que as emoções (sentimentos de angústias, entre outros), para esses profissionais, não se restringem ao cuidado paliativo, mas acompanham o itinerário de adoecimento desde o diagnóstico e envolvem também familiares/cuidadores das crianças. Buscamos destacar as narrativas desses profissionais, a fim de entender como descrevem seus sentimentos e sofrimentos, como extrapolam o ambiente de trabalho, as condições de trabalho e a rotatividade no setor infantil. Considerando que muitos profissionais desempenham papéis sociais fora do ambiente hospitalar, como: mães, pais, irmãos, nos interessamos sobre a permeabilidade entre esses papéis e suas práticas, pensando nos impactos sobre o cuidado prestado, a partir de um conhecimento situado em que gênero, raça e outras intersecções atravessam as práticas de saúde.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Avanços e desafios na ética em pesquisa com seres humanos na Antropologia com a institucionalização dos CEPs/CONEP
Cleomar Felipe Cabral Job de Andrade (IFBAIANO)
Resumo: Este trabalho busca refletir sobre avanços e desafios na ética em pesquisa com seres humanos na área da Antropologia, após as Resoluções do Conselho Nacional de Saúde de n. 466/2012 e n.510/2016. As experiências a partir da formação acadêmica e a trajetória enquanto professora-pesquisadora dessa área, além da visão ética presente e vivenciada enquanto membro do CEP/CONEP (2021-2023), foram os caminhos percorridos para elaboração desse trabalho. Neste trabalho, a ética em pesquisa científica pode ser compreendida como um conjunto de hábitos ou comportamentos humanos que se constituem por inúmeros fatores como meios de realizações para fins almejados, isto é, são padrões de conduta (regras) decorrentes das experiências e vivências sociais e que orientam e disciplinam sobre o que é e não é socialmente aceitável. (Neves; Santos, 2018, p. 15). A reflexão ética constitui-se parte do processo formativo do antropólogo e condutora do fazer antropológico, ao ponto de instigar e fornecer aporte metodológico para diferentes áreas do saber. A Antropologia enquanto ciência da alteridade, da afirmação do outro”, da sensível relação dos sujeitos - o eu e o outro -, de como e quando se chega no chão da noite”, da difícil ação de interromper o processo e de se despedir, de tencionar medidas para que a pesquisa contribua com a comunidade, se estrutura a partir da reflexão ética. A partir dessa ciência também é feita a reflexão sobre a escuta sensível do dizível e de como perceber o indizível”, de como respeitar a oralidade e a escrita, a palavra e o silêncio, da preservação da integridade dos sujeitos, dos corpos e das corpas divergentes, de desvelar a diversidade na pluralidade cultural. As Ciências Sociais contribuíram para que, após episódios de pesquisas desastrosas para as comunidades pesquisadas na área da saúde e da publicação de um conjunto de medidas e leis internacionais protetivas, refletissem e instituíssem órgãos de acompanhamento da ética em pesquisa científica com seres humanos no Brasil. Por outro lado, posteriormente, também se viu imersa a um conjunto de procedimentos documentais e ético para o desenvolvimento de suas pesquisas, gerando avanços, como também vários desafios ao fazer antropológico. Considera-se que, dentre os avanços, a importância da responsabilidade do(a) pesquisador(a)-coordenador(a) no planejamento e desenvolvimento da pesquisa evidenciar os riscos da pesquisa. Dentre os desafios, acompanhar os impactos da pesquisa à comunidade-participante após o encerramento do projeto, como também, enquanto avanço e desafio, garantir a cobertura dos possíveis ressarcimentos de gasto e reparação de danos aos participantes da pesquisa, em pesquisas com recurso próprio.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Dilemas nos destinos das nossas etnografias
Daniela Velásquez (UFF)
Resumo: No ano de 2017, após alguns meses de encorajamento por parte dos meus interlocutores para encaminhar a minha dissertação de mestrado sobre a comunidade do Quilombo do Grotão para o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), finalmente entrei em contato com o homem encarregado do processo de titulação da comunidade. A minha dissertação se colocava num lugar que, para a comunidade, era essencial no seu processo de reconhecimento como comunidade remanescente de quilombo – dentro do instrumento jurídico disposto no artigo 68 do ADCT. O processo tomou alguns minutos entre o envio de um e-mail e uma ligação pelo telefone. A ligação, embora curta, suscitou algumas problemáticas acerca do trabalho que me outorgou o titulo de mestre: o encarregado do processo insinuou que pela sua natureza antropológica poderia entrar no lugar de um laudo de identificação da comunidade. O principal sentimento estimulado nessa ocasião não foi necessariamente a preocupação pelos limites do meu trabalho: tratava-se de algo entre curiosidade, estranhamento e revolta da falta do entendimento da diferença entre um trabalho de caráter científico - que deriva na obtenção de um título acadêmico- e a produção de um laudo de identificação requerido pelo INCRA – que deriva na outorga de direitos territoriais a uma comunidade remanescente de quilombo. A diferença de natureza entre essas duas produções, bem como os limites entre elas em termos de confecção, envolvimento, treinamento e autonomia, sob o meu olhar de mestre à época, aparecia abismal, como um funcionário do Estado poderia ter em mente que uma poderia substituir a outra? Este questionamento arrastou consigo um conjunto de desdobramentos analíticos associados à prática da antropologia na sua qualidade de disciplina científica bem como também no seu papel fora deste contexto. O oficio da antropologia se desdobra da pesquisa, age em algumas ocasiões no âmbito das lutas políticas e de movimentos sociais, produzindo uma forma de responsabilização. A qual se rege por um compromisso estável e constante com o campo de pesquisa, com os nossos interlocutores – por mais próximos ou distantes que eles estejam das nossas experiencias pessoais. Busco refletir acerca da plasticidade e elasticidade que se desenha nesta relação, na implicação das circunstâncias do nosso trabalho no estabelecimento de diretrizes que orientem a profissão ao mesmo tempo em que lidamos constantemente com as imposições da bioética principialista na regulação das pesquisas no interior das instituições universitárias – o lugar privilegiado do fazer antropologico e seu único espaço de regulação que ao mesmo tempo nos nega constantemente a possibilidade de nos tornarmos trabalhadores no oficio da ciência.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Desenvolvimento, Ética e Campo: discursos e gestos sobre a construção da morte.
Josie da Silva Lessa (UFF)
Resumo: Este artigo propõe uma conversa entre Métodos em Antropologia, ética em pesquisa e a entrada e iniciação no campo, para o desenvolvimento de minha pesquisa de mestrado. Assuntos como aplicação da boa morte por parte dos profissionais médicos e não médicos, conflitos diante da inevitabilidade da morte e os discursos acionados pelos nativos deste campo. Dito isto, podemos considerar que conhecimentos antropológicos podem alterar a organização social das coisas, a emissão de luz sobre determinado objeto de estudo, dentro de uma perspectiva do objeto sociológico de estudo traz formas, olhares e reflexões que antes não haviam sido pensadas ou que devem ser repensadas. Todo exercício de retorno pode gerar uma reconfiguração de sobre como entendemos o tal objeto e no caso, aqui pretendido para pesquisa de mestrado, esse objeto chegara para todos e enquanto não chega para nós vamos vivenciando e experimentando os ensaios proporcionados por nossos conhecidos, amigos, familiares e amores – a morte. Palavras-chave: Antropologia da Morte; Cuidados Paliativos; Ética.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Qual é o seu "n"? A Plataforma Brasil e um encontro conflituoso entre burocracia, ética e lógicas de produção do conhecimento
Lucas de Magalhães Freire (UERJ)
Resumo: No Brasil, a burocracia de regulação da pesquisa é feito por meio do sistema CEP/CONEP, formado pela rede de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) ramificada pelo país e centralizada em Brasília pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), vinculada ao Ministério da Saúde. Esse sistema é operacionalizado por meio da Plataforma Brasil, um portal destinado a receber, protocolar e tramitar todo o processo de avaliação ética de um projeto de pesquisa. Assim como ocorre em outros países, essas burocracias produzem e impõem a diversas áreas do conhecimento regulamentações baseadas nos princípios particulares e na pretensão universalista da bioética, orginalmente concebidas e certamente mais pertinentes para o controle dos riscos de pesquisas clínicas e experimentais no campo da biomedicina. Sendo assim, os debates acadêmicos sobre os desafios práticos e epistemológicos que surgem a partir desses encontros/desencontros expressam tanto um conflito de éticas quanto disputas de autoridade entre os saberes biomédicos e os das Ciências Sociais e Humanas (CSH). Levando essa questão em consideração, esse paper discute a tensão entre os diferentes modos de produzir conhecimento e de conceber os procedimentos éticos e metodológicos desses dois campos vivenciada em uma interação que tive com a coordenadora (uma médica) da área de pesquisa de uma instituição da cidade de São Paulo para apresentar um projeto de pesquisa. O projeto, que foi redigido de acordo com uma série de imposições da Plataforma Brasil que não fazem sentido para uma pesquisa etnográfica, já havia sido submetido ao CEP da universidade e tinha sido aprovado. No entanto, mesmo tendo preenchido satisfatoriamente as exigências ético-burocráticas, o projeto foi extremamente mal recebido por minha interlocutora. A partir dessa cena – que chamo de um encontro conflituoso –, busco discutir de que maneira a incorporação da etnografia e de outros métodos de pesquisa de caráter qualitativo em pesquisas sobre saúde têm provocado discussões e atritos que colocam em xeque a hegemonia do campo biomédico e suas lógicas de produção do conhecimento.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
Já podemos pintar? Já posso registrar? Expectativas acerca da aprovação ética de uma pesquisa com desenhos etnográficos em um ambulatório.
Matheus Piter (UFRRJ)
Resumo: Nesse trabalho busco traçar uma rota de reflexões sobre a construção da minha pesquisa de mestrado, em um ambulatório em saúde, pela métrica da burocracia dos CEPs que venho submetendo meu projeto. A pesquisa pretende compor uma metodologia que incorpora a confecção de desenhos, meus e de interlocutores, na sala de espera, para fins etnográficos de abordagem e análise. As sensações de angústia e confusão no processo de submeter uma pesquisa através da Plataforma Brasil não consistiam exatamente novidades, pois, anterior ao meu ingresso no mestrado, me familiarizei indiretamente com alguns trâmites em uma pesquisa multidisciplinar, da qual fiz parte, apoiada pela própria instituição que gere o ambulatório. No entanto, atualmente, ao assumir um novo projeto como único autor (além da minha orientadora) e também incorporando meu desejo de realizar uma etnografia por meio de outra instituição (um programa de pós-graduação universitário em ciências sociais), novos desafios surgiram e também, com estes, necessidades de novas respostas para sair das pendências. Busco elaborar o que percebia antes e o que mudou agora que estou protagonizando tal imbróglio como pesquisador-desenhador.

Apresentação Oral em Grupo de Trabalho
A Ética Burocrática e o Espírito do Cartorialismo: O Sistema CEP/CONEP e suas Tramas Inquisitoriais e Cismáticas
Rosa Maria Dias de Oliveira (UFF)
Resumo: O Sistema CEP/CONEP comporta inúmeras tensões e paradoxos na regulação da ética em pesquisa. A lógica emprestada ao modelo se assemelha em muito com aquela identificada por inúmeras pesquisas desenvolvidas na Antropologia brasileira sobre a Justiça e a Burocracia do Estado Brasileiro. Suas tramas burocráticas, seu viés inquisitorial, seus meandros cartoriais fazem do sistema CEP/CONEP uma instância regulatória que encontra resistência, crítica e é, em certa medida, desvalorizado por parte da comunidade científica, em particular das Ciências Sociais e Humanas em virtude de sua ética burocrática e seu espírito cartorial. A partir de pesquisa etnográfica realizada no âmbito do CEP/Humanas da Universidade Federal Fluminense, seguindo as atividades do Curso de Extensão destinado aos estudantes e professores da Universidade com a finalidade de difundir sobre o funcionamento do sistema e da Plataforma Brasil, busco compreender uma outra dimensão presente no sistema e no interior da comunidade científica: a cisma. Diferentemente da desconfiança, que permite a transação e transição dos pontos de vista, na cisma prevalece um julgamento encapsulado que impermeabiliza a negociação das perspectivas sobre o que se avalia. Por um lado, a comunidade científica que, em boa parte, cisma que o Sistema CEP CONEP não tem serventia ou validade alguma para a governança científica da pesquisa. Por outro lado, os instrumentos, lógicas e aparatos do Sistema CEP/CONEP que reforçam o julgamento sobre os protocolos a partir de uma base cismática, ou seja, de uma suspeição generalizada e quase incontornável que culmina em fórmulas arbitrárias e repressivas de regulação da ética em pesquisa. Nesse sentido, o objetivo do trabalho consiste em analisar a relação cismática produzida e reforçada pelo espírito cartorial do sistema CEP CONEP, partindo de dados etnográficos coletados em pesquisa desenvolvida no NUFEP/UFF e no INCT/InEAC.