Mesas Redondas (MR)
MR 69: Socialidades animais nas ciências humanas e sociais: desafios multidisciplinares e diálogos multiespécies
Coordenação:
Beto Vianna (UFS)
Participantes:
Beto Vianna (UFS)
Juliana Fausto de Souza Coutinho (PUC-RIO)
Arthur Arruda Leal Ferreira (UFRJ)
Resumo:
Os encontros e desencontros que (con/de)formam as identidades de humanos e outros animais, bem como o reconhecimento, ainda tímido, da participação dos outros-que-humanos na composição do social, têm sido matéria/trama das ciências humanas e sociais há algumas décadas, ou, como um campo de investigação difuso, bem antes disso, nas discussões mais gerais sobre a presença animal em contextos humanos, tanto econômicos como simbólicos, entre outros. Nesta mesa, propomos refletir sobre alguns percursos recentes da pesquisa inter e multidisciplinar compreendendo as sociedades humano-animais, principalmente no âmbito da antropologia brasileira na medida em que suas interseções com a psicologia, a filosofia, e com as ciências biológicas e da linguagem são atualizadas. Nos diálogos da antropologia com outras disciplinas, propomos discutir modelos da etologia e da psicologia comparada, estudos multiespécies, que apontam para os diversos modos de produção conjunta de mundos, e as coderivas ontogênicas no caminho explicativo da biologia do conhecer. Situados no campo dos estudos animais, buscamos pensar nesta mesa como os modos de associação entre diferentes entidades adquirem diferentes e mesmo divergentes semblantes e qual a sua capacidade de vinculação e valência, seja em uma relação simbiótica, um ecossistema ou em um processo multiespécies de mundificação.
Trabalho para Mesa Redonda
Arthur Arruda Leal Ferreira (UFRJ), Arthur Arruda Leal Ferreira (IP/UFRJ)
Resumo: Em muitos países como o Brasil, pelo menos em grandes centros urbanos, os cães vira-latas estão se
tornando cada vez mais uma espécie em franca desaparição: os cães só podem habitar o espaço urbano sob a
propriedade de algum proprietário ou responsável e aqueles que estão fora desse registro, são confiscados
pelo Estado, como se a existência de cães fosse possível apenas como propriedade de um ser humano e
vinculada à posse responsável. Restam algumas matilhas em periferias e em algumas favelas. E os cães que
acompanham populações de rua em grandes cidades, o que confirma de alguma forma a perspectiva de seu
estatuto como propriedade.
No entanto, no Chile (e em algumas cidades do oeste da Argentina), há uma singularidade que já foi descrita
por viajantes como David Byrne: a existência de cães nas cidades não está referida apenas a proprietários
particulares, mas também é perceptível como parte singular das cidades. Nesses casos, se eles não são
animais domésticos, qual é o status deles como espécie (doméstica, selvagem ou praga)? Qual é a sua situação
em relação a esse espaço supostamente próprio da ecologia humana, isto é, cidades? Que formas singulares
esses animais apresentam diante outros canídeos (selvagens e domésticos)? O objetivo deste trabalho é
examinar as formas de associação entre cães, humanos e cidades em instancias específicas, como
manifestações, praças, ônibus e salas de aula e, a partir dessas descrições, refletir sobre a forma de
composição recíproca gerada por práticas de domesticação diversas e singulares. Gerando novas formas de vida
em comum interespécies.
Começarei discutindo aspectos específicos do que propomos chamar de metodologia quiltra (nome dos cães de
rua chilenos) numa linha de investigação que desenvolvo a partir da encruzilhada entre a etnografia e
etogramas etológicos. Em sequência, descreverei alguns conceitos derivados da observação e dos registros de
campo para discutir os trânsitos das formas de relação interespécies entre cães e humanos durante os
trânsitos da política chilena, considerando tanto o estalido social de 2019-2020, como os momentos
posteriores e mais atuais. A proposta é concluir este trabalho em forma de manifesto interespécies.
Trabalho para Mesa Redonda
Beto Vianna (UFS)
Resumo: Antropólogos e outros e outras cientistas sociais têm usado, nas últimas décadas, a noção de tradução, ou de rede, para seguir o afazer e os quase-objetos das ciências naturais, repovoando as naturezas de agências humanas, e as sociedades (e os discursos) de coletivos inumanos. Essa virada ontológica e colaborativa, bem como a tarefa de reatar o nó górdio que enreda sociedade, natureza e linguagem, podem ser ainda mais promissoras se surpreendermos investigadoras nativas e nativos – como os biólogos, ou nós, linguistas – co-tecendo a mesma trama desde seus próprios nichos. Longe dos cantos de sereia naturalistas (da sociobiologia) ou estruturalistas (da sociolinguística), é possível costurar uma biologia do social, em especial no contexto das socialidades multiespécies, e uma linguística outra-que-humana, em especial no entendimento dos encontros e desencontros animal-humano. Penso, como bons caminhos explicativos, na teoria da deriva natural dos biólogos chilenos Maturana e Mpodozis (a chamada Escola de Santiago), na teoria dos sistemas em desenvolvimento de Susan Oyama, e no linguajar das linguistas Julie Tetel Andresen e Cristina Magro. Latour propôs certa vez que as redes eram mais flexíveis que a noção de sistema, e mais históricas que a de estrutura. Talvez as ciências nativas ajudem Ariadne a encontrar fluidez também nas dinâmicas sistêmicas e nas derivas estruturais.
Trabalho para Mesa Redonda
Juliana Fausto de Souza Coutinho (PUC-RIO)
Resumo:
Embora o DDT tenha sido sintetizado em meados do XIX, alcançará estatuto de herói durante a Segunda Guerra
Mundial, tendo uma série de usos. Após a Guerra, colonizou o imaginário dos agricultores: bastava abrir um
frasco para que os soldados-mosca tombassem vencidos; no Brasil, a primavera silenciosa sobre a qual Rachel
Carson alertou pode ser experimentada hoje por qualquer um que entre em uma monocultura de soja, onde se
ouve apenas vento. Minha pesquisa trata da questão de um envenenamento múltiplo observado nas monoculturas e
das estratégias que alguns insetos desenvolveram na guerra que se trava contra eles. Destacarei duas
lagartas que aparecem nas plantações de soja no Paraná, a Falsa-Medideira e a Broca das Axilas. O que elas
têm de especial é que são resistentes à tecnologia BT, sementes desenvolvidas pelo melhoramento genético da
biotecnologia. Essa soja tem seu código genético modificado e recebe genes da bactéria BT, o Bacillus
thuringiensis que se encontra no solo. Tal bactéria produz proteínas tóxicas específicas para algumas pragas
que atacam as lavouras da soja, como é o caso da lagarta da soja. Há diversas sementes BT no Brasil,
constantemente atualizadas. A introdução dos genes BT na planta leva ela a expressar essas proteínas
inseticidas. Em linguagem popular, podemos dizer que essas plantas passam a exsudar inseticida.
Então, quem são a Lagarta Falsa-Medideira e a Broca das Axilas, essas duas espécies resistentes às sementes
BT? São animais que conseguiram criar um corpo de veneno e viver no meio deste. Será que um dia
tornar-nos-emos resistentes? Por ora na liderança, as lagartas são terroristas, ou possíveis terroristas,
nessas cultura da soja. São organismos em um corpo de veneno resistente ao veneno para a sobrevivência em um
mundo envenenado outrora foi seu, mariposas nativas das Américas. Essa pesquisa tem sido feita por meio de
entrevistas com médicos do MPT, professores universitários, funcionários do MAPA, ativistas agroecológicos e
engenheiros agrícolas.
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