ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Simpósio Especial (SE)
SE 11: Disputas fundiárias em contextos de instabilidade
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Coordenação:
Manuela Souza Siqueira Cordeiro (UFRR)

Sessão 1 - Disputas fundiárias em áreas de fronteira

Participante(s):
Katiane Silva (UFPA)
Marcos Antonio Barbosa de Almeida (TJRR)
Renata Barbosa Lacerda (UFRJ)
Debatedor(a):
Marisa Barbosa Araújo (UFV)

Sessão 2 - Mobilização social em áreas de disputas fundiárias

Participante(s):
Daniela Fernandes Alarcon (Ministério dos Povos Indígenas)
Davi Pereira Junior (UEMA)
Igor Rolemberg Gois Machado (UFRRJ)
Debatedor(a):
Claudia Mura (UFAL)

Resumo:
Disputas fundiárias têm longa continuidade histórica no Brasil, ganhando nova tração nos últimos anos à medida que acontece uma corrida global por terras, com aquisição massiva de áreas (land grabbing) para expansão da fronteira agropecuária, mineral e de produção energética. O Estado tem incidido diretamente, ampliando instrumentos de “governança”, com novas políticas públicas de cadastro, regularização fundiária, titulação, demarcação. Ademais, estados brasileiros possuem ordenamento jurídico e histórico de repasse fundiário distintos, sobretudo na Amazônia legal, contribuindo para a instabilidade da posse efetiva da terra, favorecendo ilegalismos desde grilagens a invasões, passando por sobreposições de terras, até mesmo atividade mineradora em terras indígenas. Ao mesmo tempo, surgem diversas mobilizações contra expropriações ou realizando ocupações e retomadas, com diversidade de pautas e atores (sem-terras, indígenas, povos e comunidades tradicionais), retratados em diversos trabalhos antropológicos. Neste Simpósio Especial, propomos tratar dessas questões focando a dinâmica das disputas fundiárias em áreas de fronteira (tema da primeira sessão), e os modos como se produz a mobilização reivindicando o acesso à “terra” e “território” (tema da segunda sessão). Concluiremos as discussões com uma roda de conversa junto a interlocutoras/es de movimentos e organizações sociais acerca das mais recentes configurações que as disputas fundiárias vêm assumindo em suas localidades.

Trabalho para SE - Simpósio Especial
Retomadas de terras: breve balanço do campo e contribuições para uma agenda de pesquisa partilhada
Daniela Fernandes Alarcon (Ministério dos Povos Indígenas)
Resumo: Partindo de uma breve síntese do processo de recuperação territorial em curso na aldeia Serra do Padeiro, situada na Terra Indígena (TI) Tupinambá de Olivença, sul da Bahia, este trabalho focalizará as retomadas de terras, ações coletivas levadas a cabo por povos indígenas em diversas regiões do Brasil desde pelo menos a década de 1970. Tal estratégia de ação direta tem sido central para a sustentação de coletividades indígenas ao longo do tempo e para a defesa de seus territórios, em íntima conexão com a construção de projetos coletivos, que têm logrado, em numerosos casos, desestabilizar o poder colonial em diferentes escalas. Ao interrogar as relações entre mobilização indígena e produção de conhecimento, com especial atenção à antropologia, será possível, de um lado, tecer uma crítica à pouca atenção, guardadas exceções, conferida às retomadas de terras pela disciplina até recentemente, e, de outro, delinear transformações de agenda de pesquisa ocorridas nos últimos anos. Neste movimento, desvela-se a constituição de um vigoroso campo de estudos, de alta relevância política e acadêmica, que se relaciona diretamente a interlocuções renovadas entre o movimento indígena e a universidade, incluindo-se o incremento da presença indígena nesse espaço. Valendo-me também da recente experiência de trabalho no Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas, vinculado ao Gabinete do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), discutirei alguns problemas atuais, atentando para as possibilidades de ampliação e aprofundamento dos estudos sobre as retomadas, na perspectiva de contribuir para a garantia dos direitos territoriais indígenas.

Trabalho para SE - Simpósio Especial
AJARANI: Movimentos e tensões nas fronteiras de Roraima.
Marcos Antonio Barbosa de Almeida (TJRR), Manuela Souza Siqueira Cordeiro (UFRR)
Resumo: Essa apresentação tem como objetivo discutir constantes tensões em fronteiras sociais estabelecidas no norte amazônico, especificamente em regiões localizadas no limite leste da Terra Indígena Yanomami (TIY) com o estado de Roraima, sobretudo no Projeto de Assentamento Agrícola Ajarani e a ocupação “Lula Livre”, localizados respectivamente nos municípios de Iracema e Mucajaí, regiões que potencializam o status de vulnerabilidade dedicado ao lugar por instituições de pesquisa e organizações sociais ligadas as referidas populações. A região assiste atualmente ao resultado de processos históricos de construções fronteiriças, orientados por diversos eventos que tensionam o nervo social, mobilizados por diversidades de experiências construídas no âmbito das relações envolvendo as categorias colonos, indígenas e fazendeiros. Roraima encontra-se na “mira” de holofotes midiáticos, se considerarmos as tensões veiculadas entre as duas últimas grandes conjunturas políticas, governos Lula e Bolsonaro, essas mobilizadas em torno de discursos disseminadores dos conflitos envolvendo ocupações de terras e processos de extração dos recursos naturais da região em territórios indígenas, sobretudo na TIY. A marca destas ações é observável nos limites deste território, zona rural do estado, partilhado de maneira tensa entre colonos e fazendeiros, além das constantes mobilidades de distintos grupos habitantes da TIY e pessoas ligadas, direta ou indiretamente, aos processos de intrusão nos territórios indígenas por ocasião dos movimentos em torno da mineração. Este último fato, envolve as três categorias aqui listadas, estando os colonos em número expressivo de pessoas que se mobilizam em torno da “entrada” no território indígena, fomentando a dinâmica em torno desses processos de mobilidade. As fazendas encontram-se ocupando - geograficamente - o limite extremo da TI Yanomami com as zonas rurais descritas, proporcionando aos fazendeiros uma ocupação “privilegiada” diante das tensões produzidas no decurso dessas mobilidades. Os assentamentos agrícolas e outras ocupações de colonos na região encontram-se atualmente pressionados entre as longas faixas de terras ocupadas por fazendeiros, fator que impulsiona estes últimos a se mobilizarem sistematicamente no sentido de desarticular as movimentações de colonos e indígenas em torno da região. Além dos arranjos em torno do “garimpo”, motor de expressivas tensões que caminham muito além do discurso disseminado em redes midiáticas, o cenário é dinamizado por conflitos de terra entre colonos e fazendeiros. O isolamento geográfico e a reduzida fiscalização na região permite à rede de fazendeiros, articulação em torno do despejo de grupos colonos nos entornos das fazendas, muitas vezes já estabelecidos em projetos de assentamento.

Trabalho para SE - Simpósio Especial
Conflitos, violências e ilegalismos na região da BR-163 (Pará, Amazônia)
Renata Barbosa Lacerda (UFRJ)
Resumo: Esta exposição discute como políticas de colonização e de desenvolvimento na região da rodovia BR-163 Cuiabá-Santarém (Pará, Amazônia) engendraram conflitos, violências e ilegalismos em torno do uso e apropriação de terras públicas, da floresta e dos minérios. Resulta de etnografia e da análise de: documentos; publicações de moradores; reportagens; e entrevistas em profundidade com autodenominados pioneiros, colonos, produtores rurais, comerciantes, empresários, garimpeiros, madeireiros, pequenos agricultores assentados e lideranças indígenas Mebengôkré (Kayapó). Se as disputas fundiárias, violências e práticas ilegais na BR-163 paraense foram largamente descritas pela literatura vinculadas à valorização do preço internacional de commodities, como terra, carne, soja, ouro e madeira, observo como têm sido narradas e vivenciadas por diferentes habitantes da região. Esses as expressavam por meio de silêncios e histórias marcadas por um léxico agonístico referido a: brigas (por terra, de bar, por mulher, de peão, de gato e rato), terras enroladas, desgastes, desavenças, medo, respeito, direitos, leis, corrupção, invasores, donos de terras, posseiros, grileiros, guachebas, pistoleiros, humilhações, covardias, terrorismo, ameaças, promessas de morte, conflitos e violência. Descrevo essas brigas por meio de suas temporalizações, referidas a normas administrativo-jurídicas fundiárias e ambientais, bem como políticas territoriais e de desenvolvimento. Em especial: a colonização da Amazônia pela ditadura empresarial-militar e a abertura da BR-163; a discriminação de terras da União sob a forma de glebas, que se sobrepuseram a uma base militar; a formação de associações para demandar políticas fundiárias; a criação da Terra Indígena Baú em 1991; a mudança jurídica de 50% para 80% de reserva legal na floresta amazônica (1996); a pavimentação da BR-163 nos anos 2000; o Plano BR-163 Sustentável (2003), que criou novos marcos de legalidade, intensificou a fiscalização ambiental e criou unidades de conservação e assentamentos rurais sustentáveis, sobrepostos entre si e com outras modalidades de uso da terra; o Programa Terra Legal (2009) e outras leis de regularização fundiária; o Decreto nº 6.514/2008, que dispõe sobre infrações ambientais e sanções administrativas. Abordo dimensões complementares dessas brigas: o reconhecimento do direito moral de ser dono da terra, independente do direito oficial/legal; conflitos cotidianos entre o povo da região e autoridades do governo. Nessas narrativas, agentes heterogêneos denunciavam variados modos de gestão diferencial dos ilegalismos que reproduziriam e intensificariam desigualdades sociais em diferentes escalas, do local ao global.