Trabalho para SE - Simpósio Especial
SE 11: Disputas fundiárias em contextos de instabilidade
Conflitos, violências e ilegalismos na região da BR-163 (Pará, Amazônia)
Esta exposição discute como políticas de colonização e de desenvolvimento na região da rodovia BR-163 Cuiabá-Santarém (Pará, Amazônia) engendraram conflitos, violências e ilegalismos em torno do uso e apropriação de terras públicas, da floresta e dos minérios. Resulta de etnografia e da análise de: documentos; publicações de moradores; reportagens; e entrevistas em profundidade com autodenominados pioneiros, colonos, produtores rurais, comerciantes, empresários, garimpeiros, madeireiros, pequenos agricultores assentados e lideranças indígenas Mebengôkré (Kayapó).
Se as disputas fundiárias, violências e práticas ilegais na BR-163 paraense foram largamente descritas pela literatura vinculadas à valorização do preço internacional de commodities, como terra, carne, soja, ouro e madeira, observo como têm sido narradas e vivenciadas por diferentes habitantes da região. Esses as expressavam por meio de silêncios e histórias marcadas por um léxico agonístico referido a: brigas (por terra, de bar, por mulher, de peão, de gato e rato), terras enroladas, desgastes, desavenças, medo, respeito, direitos, leis, corrupção, invasores, donos de terras, posseiros, grileiros, guachebas, pistoleiros, humilhações, covardias, terrorismo, ameaças, promessas de morte, conflitos e violência.
Descrevo essas brigas por meio de suas temporalizações, referidas a normas administrativo-jurídicas fundiárias e ambientais, bem como políticas territoriais e de desenvolvimento. Em especial: a colonização da Amazônia pela ditadura empresarial-militar e a abertura da BR-163; a discriminação de terras da União sob a forma de glebas, que se sobrepuseram a uma base militar; a formação de associações para demandar políticas fundiárias; a criação da Terra Indígena Baú em 1991; a mudança jurídica de 50% para 80% de reserva legal na floresta amazônica (1996); a pavimentação da BR-163 nos anos 2000; o Plano BR-163 Sustentável (2003), que criou novos marcos de legalidade, intensificou a fiscalização ambiental e criou unidades de conservação e assentamentos rurais sustentáveis, sobrepostos entre si e com outras modalidades de uso da terra; o Programa Terra Legal (2009) e outras leis de regularização fundiária; o Decreto nº 6.514/2008, que dispõe sobre infrações ambientais e sanções administrativas. Abordo dimensões complementares dessas brigas: o reconhecimento do direito moral de ser dono da terra, independente do direito oficial/legal; conflitos cotidianos entre o povo da região e autoridades do governo. Nessas narrativas, agentes heterogêneos denunciavam variados modos de gestão diferencial dos ilegalismos que reproduziriam e intensificariam desigualdades sociais em diferentes escalas, do local ao global.