Simpósio Especial (SE)
SE 03: Antropologia e Saúde: epidemias, iniquidades e o trabalho antropológico
Coordenação:
Rita de Cássia Maria Neves (UFRN)
Rosana Maria Nascimento Castro Silva (UERJ)
Sessão 1 - Epidemias, crises, emergências e negligências
Participante(s):
Ana Cláudia Rodrigues da Silva (UFPE)
Cristina Dias da Silva (UFJF)
Rozeli Maria Porto (UFRN)
Debatedor(a):
Ednalva Maciel Neves (PPGA)
Sessão 2 - O trabalho antropológico no campo da saúde
Participante(s):
Camilo Albuquerque de Braz (UFG)
Waleska de Araujo Aureliano (UERJ)
Ximena Pamela Claudia Diaz Bermudez (UNB)
Debatedor(a):
Rogerio Lopes Azize (UERJ)
Resumo:
Nas últimas décadas, as situações persistentes e negligenciadas de saúde que atingem o país passaram a ser acompanhadas por novas epidemias de saúde: SARS, Zika e mais recentemente a Covid-19 são alguns exemplos que se articulam a contextos endêmicos, marcadamente disseminados e intensificados por iniquidades raciais, sociais, de gênero, sexualidade, território, entre outras. Neste simpósio especial, organizado pelo Comitê de Antropologia e Saúde, pretende-se colocar em debate: 1) as múltiplas dimensões sociais e políticas de epidemias, endemias e emergências de saúde, problematizando seus enquadramentos (ou não) como crises, as formas desiguais com que se articulam e os desafios para seu enfrentamento; e 2) os modos com que antropólogas/os/es, em diferentes espaços e modalidades de atuação profissional, são interpeladas/os/es pelos desafios dessas situações de saúde e como lançam mão da bagagem e do repertório da antropologia para pensar e agir diante desses contextos. O simpósio será organizado em duas sessões, com os títulos a seguir: Sessão 1 - "Epidemias, crises, emergências e negligências" e Sessão 2 - "O trabalho antropológico no campo da saúde".
Trabalho para SE - Simpósio Especial
Ana Cláudia Rodrigues da Silva (UFPE)
Resumo: O Brasil foi o país onde mais morreram profissionais de saúde em decorrência da Covid19. Dentre estes, as mulheres negras foram as mais afetadas espelhando a realidade brasileira intercortada pelo racismo e pelo sexismo. Mulheres negras são maioria na assistência à saúde, mas contraditoriamente as que mais cuidam também são as que mais morrem. As experiências destas mulheres, a partir de pesquisa realizada durante a covid19 em Pernambuco, revelaram dimensões do racismo institucional e estrutural presentes no campo da formação e da atuação profissional, mostrando como em contexto de emergência sanitária o racismo é estruturante das micro e macropolíticas de cuidado. A linha de frente para o enfrentamento da Covid19 é marcada pelo racismo genderizado demonstrando a necessidade de pensarmos a divisão racial do trabalho em saúde. E, são justamente as estratégias utilizadas por essas mulheres, que deslocam o privilégio racial na saúde.
Trabalho para SE - Simpósio Especial
Camilo Albuquerque de Braz (UFG)
Resumo: "De repente entra uma mulher com pipocas em saquinhos e nos entrega. A coordenadora do grupo disse que ela era psicóloga e que realizaria a sessão de hoje. Uma coisa que me chamou a atenção foi que, quando eu falei da pesquisa e que eu era tabagista há muitos anos e também queria parar de fumar, as participantes comentaram que eu não tinha cara de fumante. Falaram sobre a pele de uma pessoa que fuma, sobre o cheiro de cigarro e disseram que eu não aparentava fumar. Algumas comentaram sobre como suas famílias as tentam ajudar a parar de fumar. É o marido de uma que às vezes esconde a carteira de cigarros. O filho de outra que faz o mesmo, o que a leva a "sair da dieta". Imediatamente, a coordenadora interveio e começou a falar sobre hábitos saudáveis, alimentos saudáveis, exercícios físicos e de respiração, ingestão de água como elementos que evitam o sobrepeso ao se parar de fumar. É interessante que as profissionais de saúde nos grupos sempre falam desses "hábitos saudáveis" e do quanto parar de fumar tem a ver com uma escolha por um outro estilo de vida. Essa expressão surge literalmente nas falas. Fico pensando o quanto isso remete à ideia de uma biomedicina que ensina como viver. Isso de certo modo teve muito a ver com a dinâmica que a psicóloga realizou hoje. Ela nos deu as pipocas e, enquanto as comíamos, disse que estava ali para falar de transformação. Falou que a pipoca era como uma metáfora para aquele grupo, já que o milho se transforma em outra coisa, muito mais saborosa. Leu um poema que falava sobre isso. Falou sobre compulsão e fissura, comparou tabagismo e alimentação. Trouxe a experiência dela própria, que passou por uma cirurgia de redução de estômago, e teve que "reaprender a viver" comendo menos. Ela frisou o tempo todo como parar de fumar era "reaprender a viver". Frisou o tema da "força de vontade", e da "importância de mudar" os hábitos. E de como ao final as pessoas se sentiriam melhores consigo mesmas. Pois deixariam de ser milhos para serem pipocas saborosas". Nesta apresentação, trarei algumas reflexões sobre o fazer antropológico no campo da saúde a partir de trabalho de campo em grupos de apoio a tabagistas realizados em unidades básicas de saúde na cidade de Goiânia (Goiás). Em minha pesquisa, intitulada Promessa de Ano-Novo: antropologia do parar de fumar, tenho refletido sobre como a transformação do tabagismo em um problema de saúde pública relaciona-se com e atualiza algumas noções contemporâneas importantes para a biomedicina, tais como as ideias de prevenção, de risco e de práticas de risco. Pretendo aqui discutir como é nessas chaves que certas categorias e repertórios simbólicos são mobilizados, tanto por profissionais de saúde quanto por participantes dos grupos, para colocar o tabagismo em discurso.
Trabalho para SE - Simpósio Especial
Cristina Dias da Silva (UFJF)
Resumo: Pretende-se nesse texto apresentar resultados parciais da pesquisa, financiada pelo CNPq/UFJF, Antropologia da saúde: perspectivas na pós-pandemia. O objetivo geral era compreender as perspectivas e narrativas criadas pelos profissionais de saúde e gestores durante a pandemia de covid-19. Foram entrevistados até o momento cerca de vinte e cinco gestores e profissionais de saúde que atuaram diretamente na gestão cotidiana da pandemia de covid-19: agentes da prefeitura e das secretarias municipal e estadual de saúde. No espaço desta apresentação, trarei alguns dados sobre as entrevistas que eu realizei em um município mineiro. Os relatos sobre a gestão da crise muitas vezes assumem a forma de uma anedota sobre a burocracia e o estado na luta para garantir acesso ao atendimento, às vacinas, etc. O último nível de cansaço é uma das formas de descrever, encontradas por uma das interlocutoras, para qualificar a experiência de gerir uma série de precariedades administrativas e governamentais agravadas por um contexto de crise. Busca-se assim, compreender a relação entre ações governamentais e crises sanitárias, através da qual podemos entrever sentidos sociais e políticos atribuídos ao SUS (Sistema Único de Saúde).
Trabalho para SE - Simpósio Especial
Rozeli Maria Porto (UFRN), Francisco Cleiton Vieira (FACISA/UFRN), Natalia Yolanda Araújo (UFRN)
Resumo: O trabalho analisa os efeitos e as implicações sociais da pandemia do novo coronavírus (COVID-19), entre trabalhadoras/es atuantes no que se convencionou chamar de "linha de frente" no cuidado aos adoecidos pelo SARS-CoV-2 no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). O foco recai, primordialmente, sob o campo da saúde mental das/dos profissionais de saúde residentes no Rio Grande do Norte.
Trabalho para SE - Simpósio Especial
Waleska de Araujo Aureliano (UERJ)
Resumo: Nesta comunicação reflito sobre os desafios, limites e possibilidades da pesquisa antropológica considerando o cenário recente da pandemia de Covid 19. Neste contexto, muitas/os pesquisadora/res da antropologia da saúde se viram forçadas/os a repensar não apenas seus campos de pesquisas, mas também refletir sobre a relação possível com seus interlocutores durante esse período e a gestão de sua própria vida, especialmente para aquelas/es entre nós consideradas/os parte dos chamados grupos de risco, tais como pesquisadoras/re com doenças crônicas ou deficiência, ou que eram os principais responsáveis pelo cuidado de pessoas afetas por tais condições, idosos e crianças. O momento de vulnerabilização trazido pela pandemia foi capaz de produzir reflexões que atravessaram nossa forma de gestão da vida e de nossas pesquisas, impostas pelo isolamento social e pelo medo posto sobre a ideia de susceptibilidade para complicações graves da Covid-19, entre nós mesmos e nossos interlocutores. Por outro lado, as ferramentas antropológicas nos deram repertório para pensar e agir diante desse cenário, permitindo uma reflexividade sobre nossos contextos individuais envolvidos em análises sociológicas sobre esse fato social total que nos atravessou. As análises antropológicas sobre a ideia de grupo de risco nos ajudaram a pensar o valor social atribuído a determinadas vidas durante e o que isso nos revela sobre como a cronicidade, a deficiência e o envelhecimento seguem sendo vistos como ponto fora da curva, e não parte intrínseca da existência humana. A reflexão partiu de minha experiência como antropóloga que há quase 20 anos faz pesquisas em ambientes hospitalares e juntos a doentes crônicos, e da minha experiência como mãe de uma criança com uma síndrome rara que ao nascer apresentou grave quadro pulmonar sendo, portanto, considerada parte do grupo de risco para complicações da Covid 19.
Trabalho para SE - Simpósio Especial
Ximena Pamela Claudia Diaz Bermudez (UNB)
Resumo:
O Laboratório de Antropologia da Saúde e da Doença (Labas) foi criado no início dos anos 2000, no âmbito do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília. Situado em um espaço demarcado pela interdisciplinaridade própria do campo da saúde coletiva, onde convergem saberes da epidemiologia, política, planejamento e gestão e ciências sociais e humanas, a ideia de criar o Labas buscava encontrar um espaço de interlocução entre a antropologia da saúde junto aos diversos cursos do campo da saúde, em especial, medicina, enfermagem, farmácia, odontologia, nutrição e saúde coletiva. A reflexão que desenvolvo no trabalho procura pensar o papel de um laboratório de antropologia no sentido de constituir um espaço institucional que discute conteúdos programáticos da antropologia da saúde e fornece ferramentas de pesquisa, técnicas e metodologias próprias da antropologia como a etnografia, a observação participante, o diário de campo, a escrita, assim como a interação com diversos grupos sociais e o entendimento do processo saúde-doença como eventos que além de suas manifestações biológicas e clinicas, possuem conotações sociais, culturais, políticas e simbólicas. O Labas tem sido uma oportunidade de diálogo interdisciplinar para operacionalizar o ensino da antropologia da saúde e a estruturação de linhas de pesquisa que analisam criticamente o modelo biomédico, os determinantes sociais da saúde e a dimensão econômica dos fenômenos da saúde em contextos sociais específicos e as vulnerabilidades que os configuram. Ao longo dos anos o Labas tem modificado seus temas de pesquisa, mas prevalecem algumas características que modelam sua identidade tanto no ensino na graduação e na pós-graduação, quanto na agenda de pesquisa. Dentre os principais temas abordados destacam populações vulneráveis ao HIV e aids, outras doenças infecciosas, como a sífilis e a tuberculose; determinantes sociais da saúde, interseccionalidades de classe/gênero/étnicas, violência, saúde indígena e cooperação internacional em saúde. Em uma visão epistemológica focaliza nas potencialidades heurísticas da abordagem destes temas a partir das características epidemiológicas conjuntamente com a perspectiva da antropologia da saúde, visando mostrar os fenômenos da saúde e da doença em sua expressão distributiva em territórios e cenários e o papel das práticas sociais enquanto expressões sociais e culturais de vida.
© 2024 Anais da 34ª Reunião Brasileira de Antropologia - 34RBA
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