ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Trabalho para SE - Simpósio Especial
SE 03: Antropologia e Saúde: epidemias, iniquidades e o trabalho antropológico
Mudança de Habitus? Reflexões de um antropólogo fumante em grupos de apoio a tabagistas
"De repente entra uma mulher com pipocas em saquinhos e nos entrega. A coordenadora do grupo disse que ela era psicóloga e que realizaria a sessão de hoje. Uma coisa que me chamou a atenção foi que, quando eu falei da pesquisa e que eu era tabagista há muitos anos e também queria parar de fumar, as participantes comentaram que eu não tinha “cara de fumante”. Falaram sobre a pele de uma pessoa que fuma, sobre o cheiro de cigarro e disseram que eu não aparentava fumar. Algumas comentaram sobre como suas famílias as tentam “ajudar” a parar de fumar. É o marido de uma que às vezes esconde a carteira de cigarros. O filho de outra que faz o mesmo, o que a leva a "sair da dieta". Imediatamente, a coordenadora interveio e começou a falar sobre hábitos saudáveis, alimentos saudáveis, exercícios físicos e de respiração, ingestão de água como elementos que evitam o sobrepeso ao se parar de fumar. É interessante que as profissionais de saúde nos grupos sempre falam desses "hábitos saudáveis" e do quanto parar de fumar tem a ver com uma escolha por um outro “estilo de vida”. Essa expressão surge literalmente nas falas. Fico pensando o quanto isso remete à ideia de uma biomedicina que “ensina como viver”. Isso de certo modo teve muito a ver com a dinâmica que a psicóloga realizou hoje. Ela nos deu as pipocas e, enquanto as comíamos, disse que estava ali para falar de transformação. Falou que a pipoca era como uma metáfora para aquele grupo, já que o milho se transforma em outra coisa, muito mais saborosa. Leu um poema que falava sobre isso. Falou sobre compulsão e fissura, comparou tabagismo e alimentação. Trouxe a experiência dela própria, que passou por uma cirurgia de redução de estômago, e teve que "reaprender a viver" comendo menos. Ela frisou o tempo todo como parar de fumar era "reaprender a viver". Frisou o tema da "força de vontade", e da "importância de mudar" os hábitos. E de como ao final as pessoas se sentiriam melhores consigo mesmas. Pois deixariam de ser milhos para serem pipocas saborosas". Nesta apresentação, trarei algumas reflexões sobre o fazer antropológico no campo da saúde a partir de trabalho de campo em grupos de apoio a tabagistas realizados em unidades básicas de saúde na cidade de Goiânia (Goiás). Em minha pesquisa, intitulada “Promessa de Ano-Novo: antropologia do parar de fumar”, tenho refletido sobre como a transformação do tabagismo em um problema de saúde pública relaciona-se com e atualiza algumas noções contemporâneas importantes para a biomedicina, tais como as ideias de prevenção, de risco e de práticas de risco. Pretendo aqui discutir como é nessas chaves que certas categorias e repertórios simbólicos são mobilizados, tanto por profissionais de saúde quanto por participantes dos grupos, para colocar o tabagismo em discurso.