Mesas Redondas (MR)
MR 12: Antropologia do Segredo
Coordenação:
Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer (USP)
Participantes:
Maria José Campos (Receita Federal (BH))
Regina Coeli Machado e Silva (UNIOESTE)
Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer (USP)
Resumo:
Esta mesa discutirá o segredo como uma forma relacional presente em diversos contextos. O tema atravessa várias etnografias, desde a constituição da Antropologia Social, e também se faz presente na sociologia, história, política, literatura, artes etc.
Na antropologia, há um crescente interesse pela sistematização de instrumentais teórico-metodológicos que abordam facetas ocultas de interações sociais, inclusive de compromissos éticos entre etnógraf@s e participantes de pesquisas.
Estudos sobre sociedades secretas, magia e xamanismo, segredos institucionais, de família, de Estado e de Justiça, além de pesquisas que lidam com diversos tipos de documentos sigilosos envolvem investigações sobre o segredo e seus incontornáveis processos de revelações e violações de alianças.
Serão apresentados na mesa: 1) um breve balanço teórico-antropológico do tema, com destaque para uma literatura estrangeira pouco conhecida no Brasil; 2) uma análise antropológico-jurídica do papel-chave do segredo em rituais de julgamento por Tribunais do Júri no Brasil e na França; 3) reflexões sobre segredos em contextos de fronteiras geopolíticas em que ocorrem injunções entre legitimidade e ilegalidade, bem como tensões entre diferentes lógicas que regulam a circulação de coisas e pessoas.
Enfim, a proposta é demonstrar que existe uma considerável rede de reflexões na antropologia sobre processos de comunicação, revelação e vazamento de informações que pode ser denominada Antropologia do Segredo.
Trabalho para Mesa Redonda
Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer (USP)
Resumo: Em sintonia com a proposta-chave da mesa – discutir o segredo como uma forma
relacional que envolve processos de comunicação, de contenção e circulação de informações,
bem como de formação e violação de alianças – apresentarei algumas análises antropológicojurídicas a respeito de segredos e revelações presentes no Tribunal do Júri brasileiro e na Cour
d’assises francesa.
Após apresentar, em linhas gerais, algumas das principais semelhanças e diferenças
entre os rituais dessas duas cortes, destacarei:
1) dificuldades, no Brasil e na França, para se ter acesso às pautas dos julgamentos,
apesar de, a princípio, serem sessões abertas ao público;
2) casos que “correm em segredo de justiça”;
3) situações em que os julgamentos acontecem, total ou parcialmente, a portas fechadas;
4) orientações dadas aos jurados para que não demonstrem seus pensamentos e
emoções e como suas linguagens corporais de adaptam (ou não) a isso;
5) juramentos de testemunhas, peritos, jurados e a não exigência de que informantes,
réus e vítimas “digam a verdade”;
6) compromissos de confidencialidade entre advogados e clientes, bem como entre
antropólogos e interlocutores;
7) estratégias de revelação e ocultação de argumentos utilizadas pelo Ministério Público,
Defesa e Assistentes de Acusação/Partes Civis;
8) a confissão ou não de réus e seu “direito a permanecer em silêncio” (direito ao
segredo?);
9) a produção de rumores, fofocas e informações pela mídia e por redes sociais sobre
os crimes;
10) o princípio da incomunicabilidade entre os 7 jurados populares no Brasil, que lhes
impede de trocar ideias entre si e com quaisquer pessoas a respeito do caso, inclusive
na “sala secreta”, antes de intimamente decidirem e secretamente votarem;
11) a comunicabilidade entre os 9 jurados na França (3 magistrados e 6 populares), que
lhes permite conversar sobre o caso nos intervalos do julgamento e debatê-lo, na
“sala secreta”, antes de intimamente decidirem e secretamente votarem;
12) sanções a jurados franceses que revelam os conteúdos dos debates ocorridos na “sala
secreta”.
A proposta, portanto, é demonstrar que há vários momentos, situações e camadas em
que, tanto nos plenários do Júri brasileiro quanto nos da França, segredos e revelações
marcam as tensões presentes nos processos comunicativos que se desenvolvem durante os
julgamentos. Cenários, performances, posições, relações de controle e, consequentemente,
de poder, estão em jogo.
Como o que interessa a uma antropologia do direito e do segredo, voltada para processos
decisórios em tribunais de justiça, não são os segredos, em si, mas a percepção e a análise das
redes de relações por eles mobilizadas, etnografias desses espaços são estratégias potentes
para observar tais processos.
Trabalho para Mesa Redonda
Maria José Campos (Receita Federal (BH))
Resumo: O objetivo desta exposição é apresentar, de forma sucinta, o balanço teórico-metodológico sobre o
segredo, realizado pelo antropólogo holandês Eric Schwimmer (1923-2022), no trabalho Power, silence and
secrecy, produzido em 1980, como uma espécie de antologia sobre o tema até aquele momento.
A falta de sistematização teórica sobre o segredo na literatura antropológica corrente no Brasil, em um
contexto em que ele emerge de forma frequente como um fenômeno dos mais relevantes para a compreensão dos
conflitos sociais e da política atual, incentiva a abordagem e a divulgação do trabalho do autor, pouco
conhecido e não traduzido para o português.
O texto evidencia um extenso conhecimento da literatura antropológica e um levantamento exaustivo sobre o
assunto, além da importância do tema para as demais Ciências Sociais desde os estudos inaugurais do
sociólogo alemão Georg Simmel sobre o segredo e as sociedades secretas. Sua leitura realça a necessidade de
reflexões mais detidas sobre os conhecimentos acumulados por uma antropologia que se deparou e abordou o
segredo inúmeras vezes no decorrer de sua história, sem necessariamente colocá-lo no centro das análises
etnográficas, como notou Schwimmer.
O impacto da sua interpretação, por mais datada que a obra possa parecer, estimula a reflexão sobre temas
afins ao segredo, como a falsidade, as mentiras e o silêncio, contemplando questões e análises extremamente
atuais e elaborações extemporâneas, se
considerado o momento em que o autor escreveu. Além disso, dialoga com vários autores clássicos ou muito
conhecidos com destaques para suas discussões em torno do tema.
Eric Schwimmer situa a análise do segredo de um ponto de vista interdisciplinar, ao abordá-lo de uma
perspectiva semiótica, em uma ampla visão, ciente de sua complexidade e de sua presença marcante também em
outros campos disciplinares. Uma rápida retomada da biografia do autor contextualizará a produção do texto,
que será exposto a partir de uma introdução e do acompanhamento da estrutura dos tópicos propostos por ele:
a sintaxe do segredo; a semântica do segredo e a pragmática do segredo.
Ao tomar o segredo como um problema no campo da teoria da comunicação e da semiótica, dirige a atenção para
os múltiplos significados, contradições, formas relacionais e argumentos ocultos implicados nos exemplos
etnográficos selecionados. Possibilita, assim, comparações entre diferentes formas possíveis de perceber, de
ordenar e de interpretar os segredos e seus desdobramentos, que iluminam e inspiram novas reflexões sobre as
vivências particulares e as políticas dos segredos em suas mais diversas manifestações nas sociedades
ocidentais contemporâneas.
Trabalho para Mesa Redonda
Regina Coeli Machado e Silva (UNIOESTE)
Resumo: O objetivo da apresentação é refletir sobre o segredo público observado em uma escola pública de ensino
fundamental em contexto de fronteiras geopolíticas em que ocorrem injunções entre legitimidade e
ilegalidade. Tais injunções advêm das relações que configuram o trabalho de transporte de mercadorias entre
o Paraguai (Ciudad del Este) e o Brasil (Foz do Iguaçu), qualificado como crimes de contrabando e descaminho
(grandes volumes de mercadorias, evasão de pagamentos de impostos, e/ou mercadorias proibidas como produtos
falsificados, drogas, armas).
Deter-me-ei nas tensões coconstitutivas circunscritas nos modos de existência fronteiriços dos quais essa
escola, como várias outras instituições, são parte. Nela o segredo público emerge como expressão de opostos
complementares, pela presença convencional do estado-nação brasileiro e pelo modo de existência fronteiriço,
esse último sob forma de tensões que circunscrevem ilegalidades encapsuladas nos regulamentos.
Silêncios, reticências, opacidade, cumplicidades, cooperação e confiança são elementos que viabilizam as
relações iniciadas e mantidas em práticas que desestabilizam e mesmo desfazem os atos de estado em sua
contenção territorial, política e simbólica.
Como formas de entendimentos compartilhadas, referidas umas às outras, diferencialmente distribuídas em
relação à ilegalidade versus legitimidade, o conhecimento social e público do segredo é compartilhado:
a) na escola, entre professores, crianças e os adultos (com quem elas vivem) e trabalham na ponte. É uma
forma de conhecimento delimitador de quem está dentro ou fora desse trabalho, classificação indicativa de
que quanto mais se detém as razões para manter o segredo público, mais próximos estarão das ameaças e do
perigo do poder em sua forma instituída. As crianças sabem, como os adultos, que desmascarar o segredo é
estar mais próximo ao poder sob a face da legalidade, inteligível na formulação de cair a casa, o que
recrudesce suas relações com a polícia e, portanto, com as autoridades instituídas. Os professores e outros
agentes escolares estão entranhados nesse segredo, pois, ao conviverem com essas crianças e com os adultos,
articulam os efeitos das tensões entre ilegal e legítimo em suas atividades cotidianas, por meio do
acolhimento e do resgaste, assim duplicando-
as para si mesmos como encarregados de atos do estado próprios da rotina escolar;
b) nas instituições de controle, por meio dos agentes da fiscalização das Receitas Federal e Estadual, em
posição inversa e simétrica aos que trabalham na ponte e c) entre os consumidores, destinatários finais,
que mantêm o mesmo segredo ao questionarem a legitimidade do imposto, visto como uma extorsão do Estado.
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