ISBN: 978-65-87289-36-6 | Redes sociais da ABA:
Trabalho para Mesa Redonda
MR 12: Antropologia do Segredo
Segredo público e escola em contexto fronteiriço
O objetivo da apresentação é refletir sobre o segredo público observado em uma escola pública de ensino fundamental em contexto de fronteiras geopolíticas em que ocorrem injunções entre legitimidade e ilegalidade. Tais injunções advêm das relações que configuram o trabalho de transporte de mercadorias entre o Paraguai (Ciudad del Este) e o Brasil (Foz do Iguaçu), qualificado como crimes de contrabando e descaminho (grandes volumes de mercadorias, evasão de pagamentos de impostos, e/ou mercadorias proibidas como produtos falsificados, drogas, armas). Deter-me-ei nas tensões coconstitutivas circunscritas nos modos de existência fronteiriços dos quais essa escola, como várias outras instituições, são parte. Nela o segredo público emerge como expressão de opostos complementares, pela presença convencional do estado-nação brasileiro e pelo modo de existência fronteiriço, esse último sob forma de tensões que circunscrevem ilegalidades encapsuladas nos regulamentos. Silêncios, reticências, opacidade, cumplicidades, cooperação e confiança são elementos que viabilizam as relações iniciadas e mantidas em práticas que desestabilizam e mesmo desfazem os atos de estado em sua contenção territorial, política e simbólica. Como formas de entendimentos compartilhadas, referidas umas às outras, diferencialmente distribuídas em relação à ilegalidade versus legitimidade, o conhecimento social e público do segredo é compartilhado: a) na escola, entre professores, crianças e os adultos (com quem elas vivem) e trabalham na ponte. É uma forma de conhecimento delimitador de quem está dentro ou fora desse trabalho, classificação indicativa de que quanto mais se detém as razões para manter o segredo público, mais próximos estarão das ameaças e do perigo do poder em sua forma instituída. As crianças sabem, como os adultos, que desmascarar o segredo é estar mais próximo ao poder sob a face da legalidade, inteligível na formulação de cair a casa, o que recrudesce suas relações com a polícia e, portanto, com as autoridades instituídas. Os professores e outros agentes escolares estão entranhados nesse segredo, pois, ao conviverem com essas crianças e com os adultos, articulam os efeitos das tensões entre ilegal e legítimo em suas atividades cotidianas, por meio do acolhimento e do resgaste, assim duplicando- as para si mesmos como encarregados de atos do estado próprios da rotina escolar; b) nas instituições de controle, por meio dos agentes da fiscalização das Receitas Federal e Estadual, em posição inversa e simétrica aos que trabalham na ponte e c) entre os consumidores, destinatários finais, que mantêm o mesmo segredo ao questionarem a legitimidade do imposto, visto como uma extorsão do Estado.