Mesas Redondas (MR)
MR 28: Etnografias com o sistema de justiça criminal
Coordenação:
Yolanda Gaffrée Ribeiro (UFF)
Debatedor(a):
Michel Lobo Toledo Lima (INCT-InEAC)
Participantes:
Roberto Kant de Lima (UFF)
Carolina Barreto Lemos (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura)
André Luiz Faisting (UFGD)
Resumo:
Esta mesa redonda pretende reunir pesquisadores de diferentes instituições e unidades da federação que realizam pesquisas etnográficas com o sistema de justiça criminal e segurança pública, ampliando a circulação de pesquisadores e pesquisas empíricas dedicadas aos temas da administração de conflitos, da segurança pública, do sistema de justiça e da burocracia estatal, contribuindo para fortalecer a articulação promovida no âmbito do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT/InEAC). Nesta ocasião, propomos reunir pesquisadores de diferentes estados da federação que realizam pesquisas em contextos diversos, com ênfase nos estudos sobre segurança pública e sistema de justiça no estado do Rio de Janeiro; na compreensão de dinâmicas criminais e atuação do sistema de justiça criminal no Mato Grosso do Sul; a partir de análises do sistema prisional no Distrito Federal, mas também observando a interface entre a pesquisa acadêmica e a atuação profissional em organizações da sociedade civil. Busca-se, ainda, valorizar uma abordagem multidisciplinar, na medida em que a atividade será coordenada por uma antropóloga, contando com a participação de um antropólogo, um sociólogo e uma pesquisadora do campo do Direito, cujos trabalhos têm em comum a promoção de uma interface entre o campo da Antropologia, da Sociologia e do Direito, em especial na produção de etnografias não apenas do, mas com o Direito e com o sistema de justiça criminal.
Trabalho para Mesa Redonda
André Luiz Faisting (UFGD)
Resumo: Partindo de dados e reflexões, abordaremos a atuação do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul na
análise de habeas corpus impetrados durante a Pandemia da Covid-19 no Brasil. A pesquisa na qual se baseia
essa apresentação está inserida dentro de um projeto maior que tem como objetivo descrever e analisar como
se deu, durante a Pandemia, o tratamento desigual na apreciação de pedidos de liberdade de réus presos para
os crimes de furto, roubo, tráfico e homicídio nos Estados de Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Rio
Grande do Sul. Aprovado pelo Edital nº 12/2021 da CAPES (Impactos da Pandemia), o projeto parte da hipótese
de que a sociedade brasileira se estrutura de forma hierarquizada, o que se reflete em diferentes formas de
desigualdade. No plano jurídico, a desigualdade opera tanto no nível normativo, momento em que as leis são
elaboradas, quanto no nível da administração dos conflitos, quando as leis são aplicadas pelos profissionais
do Direito. Assim, a pesquisa procura problematizar como as instituições judiciárias reproduzem
desigualdades jurídicas na formulação e na aplicação das leis, em especial em situações extraordinárias como
as que se desenvolveram no contexto da Pandemia da Covid-19. Além disso, partimos da hipótese de que a
política criminal no Brasil também é marcada, após a Constituição de 1988, pela coexistência de princípios
contraditórios, ou seja, modelos que ora são mais punitivos ora são mais garantidores de direitos. É no
âmbito dessa política criminal esquizoide (CAMPOS e AZEVEDO, 2020) que compreendemos a edição, em março de
2020, da Recomendação 62 do CNJ que propôs medidas preventivas à propagação do vírus da Covid-19 no âmbito
dos sistemas de justiça penal e socioeducativo, em especial medidas de desencarceramento. Nesse sentido,
embora o CNJ tenha reconhecido o estado de coisas inconstitucional (STF, 2015) que caracteriza o sistema
prisional no Brasil, bem como a vulnerabilidade das pessoas privadas de liberdade ao contágio e morte pela
doença, o que observamos empiricamente é que a referida Recomendação não foi, em geral, adotada pelos
tribunais. Assim, para compreender em que medida a Recomendação 62 do CNJ foi aplicada, aplicada
parcialmente ou rejeitada nas decisões de juízes e desembargadores do TJMS, levantamos e analisamos o teor
completo de todos os habeas corpus impetrados no período de 2020 a 2022 que fizeram menção direta à referida
Recomendação, totalizando 390 decisões judicias analisadas. Além das variáveis quantitativas como o
resultado e o placar das decisões, os tipos penais envolvidos, o sexo do/as pacientes e a atuação da
defensoria pública, identificamos e classificamos, qualitativamente, os principais argumentos e moralidades
utilizados como fundamento para as decisões proferidas.
Trabalho para Mesa Redonda
Carolina Barreto Lemos (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), Marcus Cardoso (UNIFAP)
Resumo: Inspirada nas contribuições de pesquisadores/as que atuam dentro do espectro da antropologia do Direito
no Brasil e defendem a especial atenção às noções de justiça e de direitos elaboradas por atores sociais
concretos e circunscritos em contextos específicos, o trabalho proposto visa apresentar e discutir
os significados que as pessoas em situação de privação de liberdade no Distrito Federal, davam a suas
experiências cotidianas, com especial foco em situações, relatos e percepções desses atores sociais
relacionados àquilo que essas pessoas nomeavam pagar pena. A reflexão dialoga com estudos produzidos no
âmbito da antropologia sociocultural por autores como Caillé (2002), Malinowski
(1951), Gluckman (1973), Godbout (1998), Godelier (1996) e sobretudo Mauss (2003) que nos fornecem pistas
interessantes para que se interprete adequadamente de que modo pagar pena ganha sentido na experiência das
pessoas presas no DF, revelando a centralidade da dimensão moral da obrigação do pagamento e do
contrapagamento, assim como sua importância para a criação e a perpetuação dos vínculos
sociais. São igualmente importantes para a interpretação que propomos as reflexões acerca de dilemas de
cidadania e demandas por reconhecimento, desenvolvidos por Honneth (2003) e, no Brasil, por Cardoso de
Oliveira (2011). No contexto analisado, foi possível verificar a reprodução de práticas
institucionais marcadas por padrões de arbitrariedade e autoritarismo que naturalizam violações sistemáticas
dos direitos formais de pessoas privadas de liberdade e são experimentadas por essas pessoas como formas de
desconsideração. O material de campo evidencia, dessa forma, que a instituição prisional é
particularmente representativa das disjunções que impactam a experiência substantiva da cidadania dos grupos
sociais mais vulneráveis à criminalização e ao encarceramento. Nesse contexto, os sentidos simbólicos
suscitados pelas categorias acionadas por pessoas presas são frequentemente marcados por relatos de
experiências de violência física e psicológica que mobilizam demandas por direitos e pelo
reconhecimento de sua integridade pessoal.
Trabalho para Mesa Redonda
Roberto Kant de Lima (UFF)
Resumo: A institucionalização do tratamento desigual para os presos foi, recentemente, expresso explicitamente
em um Manual para Arquitetura das Audiências de Custódia do CNJ, elaborado durante a pandemia, que define o
tratamento desigual para os detentos a partir dos conceitos aristotélicos de equidade horizontal, para os
iguais e equidade vertical, para os desiguais (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2021). Este ethos de tratamento
desigual de cidadãos detidos reflete a institucionalidade do tratamento jurídico e judiciário desigual no
Brasil. Este, desde o início do século passado, tem sido justificado a partir do brocardo jurídico de que a
regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente os desiguais na medida em que se
desigualam, perenizado desde que enunciado em discurso de Ruy Barbosa em 1920. Assim, embora a Constituição
disponha que todos são iguais perante a lei em seu artigo 5º, a regra prática da aplicação do princípio da
igualdade jurídica dá-se rotineiramente em franca oposição ao estabelecido constitucionalmente. No caso da
Constituição, os diferentes cidadãos devem dispor dos mesmos direitos comuns, mas na regra prática os
cidadãos semelhantes é que devem ter tratamento uniforme. Daí a expressão do Manual acima citado, referente
a dois tipos de equidade, aquela horizontal, entre os iguais, e a vertical, entre os desiguais, em especial
aqueles que não estão em liberdade. Como tem demonstrado trabalhos empíricos realizados no âmbito do
Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT/InEAC) e em projetos de pesquisa em
curso, há uma responsabilidade dos magistrados e dos Tribunais na alimentação do superencarceramento e no
consequente fortalecimento das facções - mas ocorre, também, como pretendo discutir, a institucionalização
do tratamento desigual para os presos, ora explicitado no Manual do CNJ.
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