Trabalho para Mesa Redonda
MR 28: Etnografias com o sistema de justiça criminal
Cidadania vertical e Desigualdade jurídica frente ao encarceramento no Brasil
A institucionalização do tratamento desigual para os presos foi, recentemente, expresso explicitamente
em um Manual para Arquitetura das Audiências de Custódia do CNJ, elaborado durante a pandemia, que define o
tratamento desigual para os detentos a partir dos conceitos aristotélicos de equidade horizontal, para os
iguais e equidade vertical, para os desiguais (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2021). Este ethos de tratamento
desigual de cidadãos detidos reflete a institucionalidade do tratamento jurídico e judiciário desigual no
Brasil. Este, desde o início do século passado, tem sido justificado a partir do brocardo jurídico de que a
regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente os desiguais na medida em que se
desigualam, perenizado desde que enunciado em discurso de Ruy Barbosa em 1920. Assim, embora a Constituição
disponha que todos são iguais perante a lei em seu artigo 5º, a regra prática da aplicação do princípio da
igualdade jurídica dá-se rotineiramente em franca oposição ao estabelecido constitucionalmente. No caso da
Constituição, os diferentes cidadãos devem dispor dos mesmos direitos comuns, mas na regra prática os
cidadãos semelhantes é que devem ter tratamento uniforme. Daí a expressão do Manual acima citado, referente
a dois tipos de equidade, aquela horizontal, entre os iguais, e a vertical, entre os desiguais, em especial
aqueles que não estão em liberdade. Como tem demonstrado trabalhos empíricos realizados no âmbito do
Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT/InEAC) e em projetos de pesquisa em
curso, há uma responsabilidade dos magistrados e dos Tribunais na alimentação do superencarceramento e no
consequente fortalecimento das facções - mas ocorre, também, como pretendo discutir, a institucionalização
do tratamento desigual para os presos, ora explicitado no Manual do CNJ.